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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Tal vida, tal morte

*Padre David Francisquini

Representação do Concílio de Trento
Em minha já longa vida sacerdotal, encontro-me com colegas de vocação aqui, ali e acolá. Isso constitui sempre ocasião para animadas conversas, em geral profundas e sérias, a respeito da Santa Igreja e de seus ministros. Mas, se de um lado há muita empatia, de outro há incompreensões que raiam à animosidade, sobretudo quando o assunto versa sobre a atual crise na Igreja.
Findas as conversas, nem por isso os temas nelas tratados, os aspectos psicológicos e as circunstâncias que as cercaram, desaparecem da memória. Eles voltam, com frequência com indagações sobre a natureza e a oportunidade do que se conversou, a maior ou menor cortesia e respeito havidos então no trato, a clareza e a lógica ou a falta delas ao expor as ideias, a coerência ou não dos argumentos apresentados, ou seja, um retrospecto ou balanço. 
Não pense o leitor que pelo fato de se tratar de sacerdotes, tais conversas sempre convirjam dentro de uma respeitável cordialidade para um ponto comum, que não poderia deixar de relacionar-se com a maior glória de Deus. No entanto, dada a relatividade de tudo em nossos dias, infelizmente isso de há muito deixou de ocorrer
O fato de se celebrar a missa tridentina promulgada pelo Concílio de Trento, de se
Representação do Concílio Vaticano I 
reportar ao concílio Vaticano I e a todo o passado da Igreja visando à salvação das almas, à glória de Deus e à luta em defesa dos princípios morais, já basta para provocar não poucas dissensões entre as pessoas do clero. E elas tendem a crescer quando aqueles que defendem esse passado santo e glorioso não abrem mão do uso da batina, do barrete ou do chapéu eclesiástico, da faixa e da manteleta, como foi sempre desejado pela Igreja.
Historicamente, a partir da década de 1950, acentuando-se nos anos 1960, as ideias heterodoxas e ambíguas no campo político, social e religioso começaram a grassar nos meios católicos. Além dos costumeiros disfarces, a admissão de princípios contraditórios, como a colocação lado a lado do erro e da verdade, não poderia deixar de gerar confusão entre os fiéis.
Mas não era só nos fiéis. Em uma conversa que certa vez tive com um padre idoso e experiente, bem formado intelectualmente, ele me disse que a parte essencial e mais importante da Santa Missa era o "tomai e comei"...
Retruquei-lhe de boa fé que tal não era o ensinamento da Igreja, pois a Consagração é a parte essencial da Missa, quando se realiza o sacrifício incruento do Calvário, sem o qual não haveria o "tomai e comei"... Com efeito, as palavras da Consagração, pronunciadas distintamente para o pão e para o vinho, renovam o santo sacrifício da cruz e são como que uma lâmina ou um punhal que traspassam a Vítima e A imolam misticamente.
Meu interlocutor se contrapôs, dizendo que isso remontava ao Concílio de Trento no combate aos protestantes. Respondi-lhe que há uma missa votiva às quintas-feiras, na qual se exalta Jesus Cristo Sumo e Eterno Sacerdote. Nela o padre lê texto da epístola aos Hebreus, falando de Cristo que não se glorificou a Si mesmo para se tornar pontífice, mas o fez Aquele que lhe falou: "Tu és meu Filho, hoje te gerei".

De igual maneira, está dito em outro lugar: “Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec”.  Lê-se ainda nas Sagradas Escrituras: “Na verdade, todo pontífice é escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Sabe compadecer-se dos que estão na ignorância e no erro, porque também ele está cercado de fraqueza. Por isso, ele deve oferecer sacrifícios tanto pelos próprios pecados quanto pelos pecados do povo. Ninguém se apropria desta honra, senão somente aquele que é chamado por Deus, como Arão” (Hb. 5, 1-4).
Ao texto citado, o meu interlocutor disse que se tratava do Antigo Testamento... Respondi-lhe que a Igreja, ao colocar uma missa votiva todas as quintas-feiras do ano, passa a ser matéria de fé, mesmo que o texto do referido Apóstolo faça menção aos Hebreus, pois “lex orandi lex credendi”. Insisti sobre a questão da comunhão, tendo lhe deixado claro que a Missa não era uma ceia, mas um sacrifício propiciatório.
Outra conversa foi com um sacerdote também idoso, já bem próximo da morte, que levantou a questão das pessoas desajustadas na vida matrimonial, que se encontravam numa situação insolúvel. Segundo ele, a Igreja deveria rever a parte disciplinar concernente à matéria, a fim de resolver os casos em que as pessoas não podem receber os últimos sacramentos. Lembro-me de ter reportado a ele uma experiência de Santo Afonso de Ligório.
Moralista de renome, o santo se referiu ao caso de uma jovem que, estando para morrer, deu sinais de conversão e de mudança de vida. Ela manifestou então ao seu confessor o desejo de ver seu cúmplice, a fim de convencê-lo a abandonar o pecado e também mudar de vida. O confessor não se opôs e até insinuou a ela que, para se sair bem naquele propósito, fizesse tal obra de caridade para seu antigo companheiro.
Santo Afonso de Ligório
Aconteceu, porém, que, ao se deparar com o conluiado, a jovem se esqueceu de todos os bons propósitos e se voltou para ele com palavras carinhosas, dizendo-lhe que ia morrer, e, portanto, iria para o inferno, que estava certa disto, mas que não se importava em se condenar. E, assim fazendo, caiu morta. Santo Afonso conclui que, para quem se escraviza ao vício impuro, é muito difícil emendar-se e se converter a Deus de todo o coração.
            Santo Afonso ao pregar um retiro para sacerdotes comenta ainda o caso de um deles que levava vida de pecado, mas que se acostumara a celebrar naquele estado, contradizendo o ensinamento moral de que quem vive em pecado morre nesse estado – talis vita, finis ita. Ao celebrar a Missa no dia seguinte, quando ao pé do altar pronunciou a oração “Judica me Deus...”, ali mesmo morreu e foi julgado.

Sirvam tais lições aos leitores de que há maneiras de ser, de comportar-se e de viver pelas quais o próprio pecador procura justificar a sua conduta, passando com isso a defender erros, vícios, pecados, procedimentos que vão paulatinamente obscurecendo sua inteligência e endurecendo sua vontade, até ele passar a defender heresias, ainda que camufladas. Lembremo-nos da máxima: Tal vida, tal morte.

sábado, 9 de janeiro de 2016


Maria e José: corte e serviço régios


*Padre David Francisquini


São Pedro Julião Eymard comenta que Deus Pai, ao enviar seu Filho à Terra, quis fazê-lo com honra, pois Ele é digno de toda honra e de todo louvor. Por isso Lhe preparou uma corte e um serviço régios. Deus desejava que seu Filho encontrasse recepção digna e gloriosa, se não aos olhos do mundo, pelo menos aos seus próprios olhos.

A corte do Filho de Deus compõe-se de Maria e de José. Com efeito, São Bernardino de Siena afirma que Maria foi a mais nobre das criaturas que jamais houve e haverá. São Mateus mostra que Ela é descendente de catorze Patriarcas, catorze Reis e catorze Príncipes. Também em São José desfechou toda a dignidade patriarcal, régia e principesca.

Jesus, Maria e José constituem o mais luminoso exemplo de vida e de instituição familiar, civil e religiosa. Ao lermos nos Santos Evangelhos e nos escritos dos Santos o que a piedade popular convencionou chamar com toda propriedade de Sagrada Família, podemos tirar lições profundas que à maneira de farol nos servem de guia em meio à tempestade.

Sim, em meio à procela que se abate hoje sobre os verdadeiros seguidores de Jesus Cristo, pois até Ele foi odiado no seu Presépio e ameaçado de morte, a ponto de a Sagrada Família se vir obrigada a buscar refúgio no Egito. “Que José tomasse o Menino e partisse para o Egito”, porque Herodes O procurava para matá-Lo.

Quando o anjo apareceu, José dormia, distante dos cuidados da terra e das preocupações mundanas. Somente ele, como chefe da casa, era digno de gozar das visões do alto. O embaixador celeste então lhe diz: “Levanta-te, toma o menino e a Sua Mãe”. Com estas palavras, o anjo reconhece outro título de Maria: Mãede Jesus, que é Deus.

Como chefe da família de Nazaré, José se apresenta incumbido de preservar os fundamentos de sua família, e com isto torna-se exemplo para todos os casais.

Ao levar Jesus e Maria para o Egito, José cumpria o que estava escrito na Escritura: do Egito chamei meu Filho. O próprio Jesus teve de fugir de seu povo para se abrigar junto a outro povo que outrora fora perseguidor dos hebreus. Assim agindo, José levava um remédio para curar os males que afligiram o Egito, como as dez pragas.

Nosso Senhor levou a luz para esses povos que estavam submersos nas trevas. José, ao partir com Jesus e Maria, saiu durante a noite, no meio das trevas. Ao voltar para a Judéia, ele o fez durante o dia porque aquelas preocupações haviam passado.

Como pai adotivo e esposo de Maria, competia a São José por direito conduzir o Menino Deus a diversas regiões, prefigurando os apóstolos que deveriam levá-Lo ao o mundo inteiro por meio da pregação. São Lucas descreve a ida do Menino, aos 12 anos de idade, com os pais a Jerusalém, ocasião em que se manifestou n’Ele a sabedoria.

Tendo a sabedoria se manifestado no Menino, e com ela a expressão da universalidade das coisas e dos tempos, a luz de Cristo chegou a todos os lugares em todos os tempos. Acabada a festa, o Menino deixou-se ficar em Jerusalém.

Ele quis assim Se ocultar, não para contrariar seus pais e deixá-los preocupados, mas para fazer a vontade do Padre Eterno. Sendo Jesus o Filho de Deus, objeto de tanto cuidado por parte de seus pais, como pôde ter sido esquecido? Cabe, porém, ressaltar o costume que há entre os judeus de que os homens e as mulheres podiam ir em comitivas distintas, enquanto os meninos podiam ir com o pai ou com a mãe.

Após três dias que pareceram uma eternidade, Jesus e Maria encontraram por fim seu Divino Filho. Ele estava no Templo, sentado entre os Doutores da Lei, que ora O escutavam, ora Lhe perguntavam, pasmos com a Sua sabedoria.

Maria manifesta a dor que sentia em seu coração: Teu pai e eu te procurávamos aflitos. E Ele disse:Não sabias que devo me preocupar com as coisas que são de Meu Pai? Para dar a entender que há em Jesus duas naturezas distintas: a divina e a humana.

Buscam e encontram o Menino no Templo, para amá-Lo e seguir os Seus ensinamentos. Saindo do Templo, encontramo-Lo no lar de Nazaré, levando a vida como um filho exemplar, ensinando-nos a humildade e a obediência, pois a obediência é o fundamento da vida cristã.

Assim se resume o restante da vida de Jesus na casa de Nazaré. Na obediência aos pais, ensinava a todos os homens que todo aquele que se aperfeiçoa na vida da graça e da virtude deve abraçar a obediência como meio infalível de se chegar ao bem. Ele se submeteu humilde e respeitosamente ao trabalho corporal.



Embora honestos e justos, seus pais eram pobres e tinham de buscar sustento para a vida com o próprio suor. E Jesus tomava parte nos trabalhos de seus pais obedecendo-lhes em tudo. A propósito, disse Santo Agostinho: “o jugo de Nosso Senhor tem asas que nos elevam acima da terra”.