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sábado, 24 de dezembro de 2016

Natal e as saudades da inocência

Pe. David Francisquini

Na noite do Santo Natal a alma cristã fica como que envolta numa luz especial, pálido reflexo da Luz incriada que Se tornou homem e passou a habitar entre nós. Aquele que é Todo-Poderoso se faz pequenino, frágil, débil, uma criança que cativa os corações por sua inocência, doçura e afabilidade.
Na sua infinita sabedoria, nosso Redentor quis proceder assim para ter ‘certa’ proporção conosco. Daí a natureza encantadora das noites em que celebramos o seu nascimento. A representação singela da gruta armada dentro de uma igreja ou de um lar atrai a atenção de todos pelo seu ambiente acolhedor, por sua atmosfera deliciosa de ser sentida, própria a um Deus que se fez criança para nos elevar à dignidade de filhos d’Ele.
As melodias natalinas se assemelham a reverberações celestes que pervadem nossas almas com doçura e amenidade angélicas. É o Céu que habita a Terra e nos nobilita, na medida em que nos deixamos enlevar pelos seus encantos. De onde o Natal ser a verdadeira festa do Menino Jesus. Quem, por exemplo, não se encanta ao ouvir a canção Noite Feliz? Quem não se extasia ao ouvir as notas harmoniosas do Gloria in Excelsis Deo, entoada pelos anjos nos campos de Belém, aos pastores ignotos naqueles campos, pastoreando as suas ovelhas?
Nesses momentos, quem não sente saudades de sua infância inocente? Daquela infância evocada por Cassimiro de Abreu em seus versos, com cuja lembrança nós retroagimos no tempo e nos sentimos crianças; que nos faz deixar por alguns momentos de ser nocentes, isto é, nocivos, prejudiciais, daninhos, para tornarmo-nos inocentes.  
O Natal de Jesus Cristo veio trazer o fogo à Terra para incendiar os nossos corações. Assim exclama Santo Afonso de Ligório:  "Vim trazer o fogo à Terra, disse Jesus Cristo, e o trouxe de fato. Antes da vinda do Messias, quem amava Deus sobre a terra? Ele era apenas conhecido em uma pequena região do mundo, isto é, na Judeia; e mesmo lá, quão poucos eram os que O amavam no tempo de Sua vinda!
 Segundo o mesmo bispo e doutor da Igreja, “no resto da terra, uns adoravam o sol, outros, os animais, outros ainda as pedras ou criaturas ainda mais vis. Mas, depois da vinda de Jesus Cristo o nome de Deus se difundiu por toda parte e foi amado por muitos. Desde então os corações se abrasaram nas chamas do divino amor, o Deus foi mais amado em poucos anos do que nos quatro mil anos que decorreram depois da criação”.
Muitos cristãos costumam preparar em suas casas um presépio para representar o Natal de Jesus Cristo. Mas hoje são poucos os que pensam em preparar seus corações, a fim de que o Menino Jesus possa nascer neles e ali repousar. Sejamos nós desse pequeno número e procuremos nos dispor dignamente para arder nesse fogo divino que torna as almas contentes neste mundo e felizes no Céu.
Com a queda do homem depois do pecado, trincou-se o relacionamento habitual entre Adão e Deus. No imponderável das tardes, Deus caminhava no Paraíso com os nossos primeiros pais, num convívio de pai com filhos. Aquele que era as suas delícias, que os visitava com todo desvelo paterno, deixou de fazê-lo. Com efeito, não foi Deus quem rompeu com Adão, mas foi este que, ao comer o fruto proibido, rompeu com Deus, afastando os seus descendentes do Criador.
Deus puniu os homens impondo-lhes a pena de trabalhar a terra para comer mediante o suor de seu rosto. As intempéries, a morte, as doenças, a natureza agreste investiam contra ele, mas uma esperança pairava de que um dia Deus voltaria para resgatar as primícias de sua criação. E de fato aconteceu, quatro mil anos depois.
Na noite do Natal a Misericórdia divina vence a justiça punitiva e resgata o homem contaminado pelo pecado. Volta a conviver com ele e fazer as suas delícias estar com os filhos dos homens. Deus se faz homem, e passa a pertencer à raça humana, nascendo na noite de Natal: "O Verbo se fez carne e habitou entre nós e vimos a Sua glória, glória própria do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade".
Na terra todos eram nocentes e nessa condição não havia quem pudesse reabilitar a amizade entre Deus e os homens. O Filho de Deus se serviu da Imaculada Virgem Maria para nos trazer o Inocente por excelência. Ele veio pagar pelos pecadores.
Daí a importância do Natal, que é a festa de Luz, porque Jesus Cristo é a Luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo. São João Evangelista diz “que estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não O conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não O receberam".
Esse ensinamento não nos faz pensar em Deus em nossos dias tão tenebrosos para a fé e para as almas? Não nos faz lembrar as promessas de Nossa Senhora de Fátima e o triunfo do seu Imaculado Coração?

Que esses pensamentos ocupem nossas cogitações e nossas vias ao longo de 2017. São os meus votos neste Santo Natal a todos os leitores. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Pensa nos novíssimos e não pecarás

Pe. David Francisquini

Em artigo anterior escrevemos sobre a corte celeste, morada das almas santas que fazem parte da Igreja triunfante.  Hoje nos ocuparemos de outro novíssimo do homem, o purgatório, local onde se encontram as almas dos fiéis defuntos que sofrem temporariamente as penas de um fogo purificador e, por isso mesmo, abrasador.
Ali as almas não contemplam a glória de Deus e padecem dores semelhantes às provocadas pelo fogo terreno. Sofrimentos indizíveis – afirmam os tratadistas – que imaginação alguma seria capaz de avaliar. Trata-se de penas dos sentidos, que as almas devem padecer pelos pecados cometidos contra o Criador.
Elas sofrem por não terem feito bom uso dos tesouros inesgotáveis da Igreja em seu favor, como são as indulgências plenárias e parciais. Sabemos da existência do purgatório pelas Sagradas Escrituras, quando exortam o pensamento santo e salutar de orar pelos mortos para que sejam livres dos seus pecados. Nosso Senhor fala de um cárcere de onde não se sai antes de pagar o último centavo.
A tradição católica encarregou-se de criar o costume de repicar os sinos para manifestar o luto pela morte de alguém; de estabelecer, no dia de finados, as Missas dos defuntos; de fazer as orações e as solenidades fúnebres que acompanham o sepultamento; de torná-lo digno e sacral pelas cerimônias das exéquias.
A mesma tradição adverte para a importância e o significado de se socorrer as almas do purgatório com Missas e boas obras. Com efeito, elas são atendidas através de orações, jejuns, esmolas, recepção digna dos santos sacramentos e das indulgências. E quem contribuir para remir uma alma do purgatório pode confiar que terá nele redenção breve, pois Deus é probo e equitativo, rico em misericórdia e perdão.
É certo e até de fé que nós, com os nossos sufrágios, especialmente com as orações recomendadas pela Igreja, bem podemos auxiliar aquelas santas almas. Não sei como se poderá isentar de culpa quem deixa de lhes oferecer qualquer auxílio, ao menos algumas orações", afirma Santo Afonso Maria de Ligório.
Se quisermos o socorro de suas orações, é justo que cuidemos de socorrê-las com as nossas e com as boas obras, exalta o santo. E argumenta que a caridade nos manda socorrer o nosso próximo em suas necessidades, mormente quando podemos fazê-lo sem incômodo. Ora, cai debaixo da palavra ‘próximo’ essas almas que estão no purgatório, porque pertencem à Igreja e à comunhão dos Santos.
Na verdade, trata-se de um dever cristão socorrê-las em suas necessidades, por serem verdadeiras prisioneiras de um fogo mais rigoroso que qualquer outro sofrimento deste mundo. E embora já tenham se salvado, não podem fazer nada por si mesmas, mas nós da Igreja militante podemos fazer por elas. Eis um dever cristão. Em contrapartida, elas são gratas e rezam pelos seus benfeitores que se encontram exilados aqui na terra e necessitando de ajuda sobrenatural.
O envolvimento com as coisas terrenas pode acabar levando à negligência no cumprimento das obrigações dos católicos e a uma perigosa consequência: o apego às criaturas em detrimento do amor de Deus, nosso fim último, verdadeiro e sumo bem, segundo o que determina o primeiro Mandamento da Sua Lei.
Ainda que observantes dos preceitos do Decálogo e dos Mandamentos da Igreja, que determinam, por exemplo, a frequência à Santa Missa aos domingos e dias santos de guarda, à busca regular e sempre que necessário do sagrado tribunal da Confissão – condição sine qua non para a obtenção do perdão dos nossos pecados – é indispensável termos em mente que as faltas cometidas contra os Mandamentos causam graves prejuízos à saúde da alma.
Tais faltas são como nódoas nas almas, com graves danos à integridade da vida sobrenatural traduzidos em diferentes graus, seja pelo afastamento de Deus, seja pelas reincidências nas faltas, seja ainda na proporção das deliberações e das culpabilidades. Disso depende o tempo maior ou menor em que a alma do fiel defunto fica no purgatório.
Importa refletir sobre a situação do indivíduo colhido pela morte para entendermos o real significado do purgatório e o seu sentido no contexto da misericórdia divina. Lembremo-nos de que somos instados por Nosso Senhor a ser perfeitos como o Pai celeste é perfeito. O Seu divino Filho nos conclama a aprender d’Ele que é manso e humilde de coração. Isto requer de todo o verdadeiro católico uma vida pura, desapegada das coisas deste mundo, modesta em todas as suas condutas. 
No entanto, os atrativos da vida não raro nos atrai de modo compulsivo para vias faltosas, na contramão dos propósitos e contrários aos deveres de fiéis seguidores de Cristo. Temos, por conseguinte, como resultado das transgressões o quadro acima descrito, em que o fiel sente a sua alma acabrunhada pelos pecados.
Embora tenham sido eles removidos pela absolvição sacramental da Confissão, ainda resta um débito enorme para com a Justiça divina, ou seja, as penas temporais resultantes das recaídas em faltas leves e graves praticadas ao longo da vida. De acordo com os Doutores da Igreja, o Senhor, Justo Juiz, pune com severidade as menores faltas, pois mesmo estas O desagradam infinitamente e requerem igual reparação.
Como o ouro passa pelo fogo para ser purificado de suas impurezas, assim deverão passar as almas contaminadas pelos traços deixados pelo pecado. Todos os sofrimentos da terra nada são se comparados ao menor sofrimento do purgatório, como afirmam os santos. Dir-se-ia que nesta infeliz hipótese as vestes do pecador exigem reparos, pois não estão à altura do grande banquete nupcial que o Senhor preparou para os convidados.
Como se sentiria uma pessoa em vias de comparecer diante de um grande personagem, sabendo tratar-se de alguém da mais elevada honorabilidade e integridade moral? É de bom tom que, em momentos como este, todos se apresentem da melhor forma possível, trajando-se com o maior rigor e decência. Por que seria diferente ao comparecermos diante de nosso Deus?
Se tivermos consciência de não nos encontrarmos vestidos de maneira conveniente, torna-se imperativo prepararmo-nos por meio de orações, atos reparatórios e penitenciais, que têm o poder de minorar, e, em alguns casos, até de remover as nossas dívidas temporais. Disto nos dão exemplo as biografias de inúmeros santos, heróis e modelos irretocáveis da nossa fé.
Caso contrário, essas penas serão debitadas no fogo purificador do purgatório. Como diz o próprio nome, esse é um “lugar” de purificação onde as almas passam um tempo maior ou menor, em todos os casos com uma duração que não tem proporção com os critérios terrenos, mas sim com os da eternidade.
Esse fogo purificador restitui às almas a vestimenta do amor de Deus, a santidade e o vigor que lhe são afins, cuja realidade só as almas bem-aventuradas vislumbram e almejam com perfeito ardor. Somente depois de refeitos e purificados poderemos contemplar Deus face a face.  
Se refletirmos sobre as fraquezas humanas, entenderemos por que tantas almas, mesmo as mais santas, levam o seu quinhão de padecimentos para o post mortem. Exceção feita da Imaculada Mãe de Deus, Maria Santíssima, e de alguns poucos santos que aprouve à Misericórdia de Deus, em Seus altíssimos desígnios preservar.  

Entretanto, o hábito salutar de confessar-se tão logo se tenha a infelicidade de cair em pecado mortal mantém o fiel em estado de graça, na amizade de Deus, condição indispensável para, além de sufragar as almas dos que já se encontram no purgatório, conquistar para si méritos que aumentam a sua glória no Céu.