Natal e as saudades da inocência
Pe. David Francisquini
Na
noite do Santo Natal a alma cristã fica como que envolta numa luz especial, pálido
reflexo da Luz incriada que Se tornou homem e passou a habitar entre nós.
Aquele que é Todo-Poderoso se faz pequenino, frágil, débil, uma criança que
cativa os corações por sua inocência, doçura e afabilidade.
Na
sua infinita sabedoria, nosso Redentor quis proceder assim para ter ‘certa’
proporção conosco. Daí a natureza encantadora das noites em que celebramos o
seu nascimento. A representação singela da gruta armada dentro de uma igreja ou
de um lar atrai a atenção de todos pelo seu ambiente acolhedor, por sua
atmosfera deliciosa de ser sentida, própria a um Deus que se fez criança para
nos elevar à dignidade de filhos d’Ele.
As
melodias natalinas se assemelham a reverberações celestes que pervadem nossas
almas com doçura e amenidade angélicas. É o Céu que habita a Terra e nos
nobilita, na medida em que nos deixamos enlevar pelos seus encantos. De onde o Natal
ser a verdadeira festa do Menino Jesus. Quem, por exemplo, não se encanta ao
ouvir a canção Noite Feliz? Quem não se extasia ao ouvir as notas harmoniosas
do Gloria in Excelsis Deo, entoada
pelos anjos nos campos de Belém, aos pastores ignotos naqueles campos,
pastoreando as suas ovelhas?
Nesses
momentos, quem não sente saudades de sua infância inocente? Daquela infância
evocada por Cassimiro de Abreu em seus versos, com cuja lembrança nós retroagimos
no tempo e nos sentimos crianças; que nos faz deixar por alguns momentos de ser
nocentes, isto é, nocivos,
prejudiciais, daninhos, para tornarmo-nos inocentes.
O
Natal de Jesus Cristo veio trazer o fogo à Terra para incendiar os nossos corações.
Assim exclama Santo Afonso de Ligório:
"Vim trazer o fogo à Terra,
disse Jesus Cristo, e o trouxe de fato. Antes da vinda do Messias, quem amava
Deus sobre a terra? Ele era apenas conhecido em uma pequena região do mundo,
isto é, na Judeia; e mesmo lá, quão poucos eram os que O amavam no tempo de Sua
vinda!”
Segundo o mesmo bispo e doutor da Igreja, “no resto da terra, uns adoravam o sol,
outros, os animais, outros ainda as pedras ou criaturas ainda mais vis. Mas,
depois da vinda de Jesus Cristo o nome de Deus se difundiu por toda parte e foi
amado por muitos. Desde então os corações se abrasaram nas chamas do divino
amor, o Deus foi mais amado em poucos anos do que nos quatro mil anos que
decorreram depois da criação”.
Muitos
cristãos costumam preparar em suas casas um presépio para representar o Natal de
Jesus Cristo. Mas hoje são poucos os que pensam em preparar seus corações, a
fim de que o Menino Jesus possa nascer neles e ali repousar. Sejamos nós desse
pequeno número e procuremos nos dispor dignamente para arder nesse fogo divino
que torna as almas contentes neste mundo e felizes no Céu.
Com
a queda do homem depois do pecado, trincou-se o relacionamento habitual entre Adão
e Deus. No imponderável das tardes, Deus caminhava no Paraíso com os nossos
primeiros pais, num convívio de pai com filhos. Aquele que era as suas
delícias, que os visitava com todo desvelo paterno, deixou de fazê-lo. Com
efeito, não foi Deus quem rompeu com Adão, mas foi este que, ao comer o fruto
proibido, rompeu com Deus, afastando os seus descendentes do Criador.
Deus
puniu os homens impondo-lhes a pena de trabalhar a terra para comer mediante o
suor de seu rosto. As intempéries, a morte, as doenças, a natureza agreste
investiam contra ele, mas uma esperança pairava de que um dia Deus voltaria
para resgatar as primícias de sua criação. E de fato aconteceu, quatro mil anos
depois.
Na
noite do Natal a Misericórdia divina vence a justiça punitiva e resgata o homem
contaminado pelo pecado. Volta a conviver com ele e fazer as suas delícias estar
com os filhos dos homens. Deus se faz homem, e passa a pertencer à raça humana,
nascendo na noite de Natal: "O Verbo
se fez carne e habitou entre nós e vimos a Sua glória, glória própria do
unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade".
Na
terra todos eram nocentes e nessa condição não havia quem pudesse reabilitar a
amizade entre Deus e os homens. O Filho de Deus se serviu da Imaculada Virgem
Maria para nos trazer o Inocente por excelência. Ele veio pagar pelos
pecadores.
Daí
a importância do Natal, que é a festa de Luz, porque Jesus Cristo é a Luz
verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo. São João Evangelista diz
“que estava no mundo, e o mundo foi feito
por Ele, e o mundo não O conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não O
receberam".
Esse
ensinamento não nos faz pensar em Deus em nossos dias tão
tenebrosos para a fé e para as almas? Não nos faz lembrar as promessas de Nossa
Senhora de Fátima e o triunfo do seu Imaculado Coração?
Que
esses pensamentos ocupem nossas cogitações e nossas vias ao longo de 2017. São
os meus votos neste Santo Natal a todos os leitores.
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