Pe. David
Francisquini
Em
artigo anterior escrevemos sobre a corte celeste,
morada das almas santas que fazem parte da Igreja triunfante. Hoje nos ocuparemos de outro novíssimo do
homem, o purgatório, local onde se encontram as almas dos fiéis defuntos
que sofrem temporariamente as penas de um fogo purificador e, por isso mesmo, abrasador.
Ali
as almas não contemplam a glória de Deus e padecem dores semelhantes às provocadas
pelo fogo terreno. Sofrimentos indizíveis – afirmam os tratadistas – que
imaginação alguma seria capaz de avaliar. Trata-se de penas dos sentidos, que
as almas devem padecer pelos pecados cometidos contra o Criador.
Elas
sofrem por não terem feito bom uso dos tesouros inesgotáveis da Igreja em seu
favor, como são as indulgências plenárias e parciais. Sabemos da existência do
purgatório pelas Sagradas Escrituras, quando exortam o pensamento santo e
salutar de orar pelos mortos para que sejam livres dos seus pecados. Nosso
Senhor fala de um cárcere de onde não se sai antes de pagar o último centavo.
A
tradição católica encarregou-se de criar o costume de repicar os sinos para
manifestar o luto pela morte de alguém; de estabelecer, no dia de finados, as Missas
dos defuntos; de fazer as orações e as solenidades fúnebres que acompanham o
sepultamento; de torná-lo digno e sacral pelas cerimônias das exéquias.
A
mesma tradição adverte para a importância e o significado de se socorrer as almas
do purgatório com Missas e boas obras. Com efeito, elas são atendidas através
de orações, jejuns, esmolas, recepção digna dos santos sacramentos e das
indulgências. E quem contribuir para remir uma alma do purgatório pode confiar
que terá nele redenção breve, pois Deus é probo e equitativo, rico em
misericórdia e perdão.
“É certo e até de fé que nós, com os nossos
sufrágios, especialmente com as orações recomendadas pela Igreja, bem podemos
auxiliar aquelas santas almas. Não sei como se poderá isentar de culpa quem
deixa de lhes oferecer qualquer auxílio, ao menos algumas orações", afirma
Santo Afonso Maria de Ligório.
Se
quisermos o socorro de suas orações, é justo que cuidemos de socorrê-las com as
nossas e com as boas obras, exalta o santo. E argumenta que a caridade nos
manda socorrer o nosso próximo em suas necessidades, mormente quando podemos fazê-lo
sem incômodo. Ora, cai debaixo da palavra ‘próximo’ essas almas que estão no
purgatório, porque pertencem à Igreja e à comunhão dos Santos.
Na
verdade, trata-se de um dever cristão socorrê-las em suas necessidades, por
serem verdadeiras prisioneiras de um fogo mais rigoroso que qualquer outro
sofrimento deste mundo. E embora já tenham se salvado, não podem fazer nada por
si mesmas, mas nós da Igreja militante podemos fazer por elas. Eis um dever
cristão. Em contrapartida, elas são gratas e rezam pelos seus benfeitores que se
encontram exilados aqui na terra e necessitando de ajuda sobrenatural.
O
envolvimento com as coisas terrenas pode acabar levando à negligência no
cumprimento das obrigações dos católicos e a uma perigosa consequência: o apego
às criaturas em detrimento do amor de Deus, nosso fim último, verdadeiro e sumo
bem, segundo o que determina o primeiro Mandamento da Sua Lei.
Ainda
que observantes dos preceitos do Decálogo e dos Mandamentos da Igreja, que
determinam, por exemplo, a frequência à Santa Missa aos domingos e dias santos
de guarda, à busca regular e sempre que necessário do sagrado tribunal da
Confissão – condição sine qua non
para a obtenção do perdão dos nossos pecados – é indispensável termos em mente que
as faltas cometidas contra os Mandamentos causam graves prejuízos à saúde da
alma.
Tais
faltas são como nódoas nas almas, com graves danos à integridade da vida sobrenatural
traduzidos em diferentes graus, seja pelo afastamento de Deus, seja pelas
reincidências nas faltas, seja ainda na proporção das deliberações e das
culpabilidades. Disso depende o tempo maior ou menor em que a alma do fiel
defunto fica no purgatório.
Importa
refletir sobre a situação do indivíduo colhido pela morte para entendermos o
real significado do purgatório e o seu sentido no contexto da misericórdia
divina. Lembremo-nos de que somos instados por Nosso Senhor a ser perfeitos como
o Pai celeste é perfeito. O Seu divino Filho nos conclama a aprender d’Ele que
é manso e humilde de coração. Isto requer de todo o verdadeiro católico uma
vida pura, desapegada das coisas deste mundo, modesta em todas as suas condutas.
No
entanto, os atrativos da vida não raro nos atrai de modo compulsivo para vias
faltosas, na contramão dos propósitos e contrários aos deveres de fiéis
seguidores de Cristo. Temos, por conseguinte, como resultado das transgressões
o quadro acima descrito, em que o fiel sente a sua alma acabrunhada pelos pecados.
Embora
tenham sido eles removidos pela absolvição sacramental da Confissão, ainda resta
um débito enorme para com a Justiça divina, ou seja, as penas temporais
resultantes das recaídas em faltas leves e graves praticadas ao longo da vida.
De acordo com os Doutores da Igreja, o Senhor, Justo Juiz, pune com severidade
as menores faltas, pois mesmo estas O desagradam infinitamente e requerem igual
reparação.
Como
o ouro passa pelo fogo para ser purificado de suas impurezas, assim deverão passar
as almas contaminadas pelos traços deixados pelo pecado. Todos os sofrimentos
da terra nada são se comparados ao menor sofrimento do purgatório, como afirmam
os santos. Dir-se-ia que nesta infeliz hipótese as vestes do pecador exigem
reparos, pois não estão à altura do grande banquete nupcial que o Senhor preparou
para os convidados.
Como
se sentiria uma pessoa em vias de comparecer diante de um grande personagem,
sabendo tratar-se de alguém da mais elevada honorabilidade e integridade moral?
É de bom tom que, em momentos como este, todos se apresentem da melhor forma
possível, trajando-se com o maior rigor e decência. Por que seria diferente ao
comparecermos diante de nosso Deus?
Se tivermos
consciência de não nos encontrarmos vestidos de maneira conveniente, torna-se
imperativo prepararmo-nos por meio de orações, atos reparatórios e penitenciais,
que têm o poder de minorar, e, em alguns casos, até de remover as nossas
dívidas temporais. Disto nos dão exemplo as biografias de inúmeros santos,
heróis e modelos irretocáveis da nossa fé.
Caso
contrário, essas penas serão debitadas no fogo purificador do purgatório. Como
diz o próprio nome, esse é um “lugar” de purificação onde as almas passam um
tempo maior ou menor, em todos os casos com uma duração que não tem proporção
com os critérios terrenos, mas sim com os da eternidade.
Esse
fogo purificador restitui às almas a vestimenta do amor de Deus, a santidade e
o vigor que lhe são afins, cuja realidade só as almas bem-aventuradas vislumbram
e almejam com perfeito ardor. Somente depois de refeitos e purificados
poderemos contemplar Deus face a face.
Se
refletirmos sobre as fraquezas humanas, entenderemos por que tantas almas,
mesmo as mais santas, levam o seu quinhão de padecimentos para o post mortem. Exceção feita da Imaculada
Mãe de Deus, Maria Santíssima, e de alguns poucos santos que aprouve à
Misericórdia de Deus, em Seus altíssimos desígnios preservar.
Entretanto,
o hábito salutar de confessar-se tão logo se tenha a infelicidade de cair em
pecado mortal mantém o fiel em estado de graça, na amizade de Deus, condição
indispensável para, além de sufragar as almas dos que já se encontram no
purgatório, conquistar para si méritos que aumentam a sua glória no Céu.
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