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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Pensa nos novíssimos e não pecarás

Pe. David Francisquini

Em artigo anterior escrevemos sobre a corte celeste, morada das almas santas que fazem parte da Igreja triunfante.  Hoje nos ocuparemos de outro novíssimo do homem, o purgatório, local onde se encontram as almas dos fiéis defuntos que sofrem temporariamente as penas de um fogo purificador e, por isso mesmo, abrasador.
Ali as almas não contemplam a glória de Deus e padecem dores semelhantes às provocadas pelo fogo terreno. Sofrimentos indizíveis – afirmam os tratadistas – que imaginação alguma seria capaz de avaliar. Trata-se de penas dos sentidos, que as almas devem padecer pelos pecados cometidos contra o Criador.
Elas sofrem por não terem feito bom uso dos tesouros inesgotáveis da Igreja em seu favor, como são as indulgências plenárias e parciais. Sabemos da existência do purgatório pelas Sagradas Escrituras, quando exortam o pensamento santo e salutar de orar pelos mortos para que sejam livres dos seus pecados. Nosso Senhor fala de um cárcere de onde não se sai antes de pagar o último centavo.
A tradição católica encarregou-se de criar o costume de repicar os sinos para manifestar o luto pela morte de alguém; de estabelecer, no dia de finados, as Missas dos defuntos; de fazer as orações e as solenidades fúnebres que acompanham o sepultamento; de torná-lo digno e sacral pelas cerimônias das exéquias.
A mesma tradição adverte para a importância e o significado de se socorrer as almas do purgatório com Missas e boas obras. Com efeito, elas são atendidas através de orações, jejuns, esmolas, recepção digna dos santos sacramentos e das indulgências. E quem contribuir para remir uma alma do purgatório pode confiar que terá nele redenção breve, pois Deus é probo e equitativo, rico em misericórdia e perdão.
É certo e até de fé que nós, com os nossos sufrágios, especialmente com as orações recomendadas pela Igreja, bem podemos auxiliar aquelas santas almas. Não sei como se poderá isentar de culpa quem deixa de lhes oferecer qualquer auxílio, ao menos algumas orações", afirma Santo Afonso Maria de Ligório.
Se quisermos o socorro de suas orações, é justo que cuidemos de socorrê-las com as nossas e com as boas obras, exalta o santo. E argumenta que a caridade nos manda socorrer o nosso próximo em suas necessidades, mormente quando podemos fazê-lo sem incômodo. Ora, cai debaixo da palavra ‘próximo’ essas almas que estão no purgatório, porque pertencem à Igreja e à comunhão dos Santos.
Na verdade, trata-se de um dever cristão socorrê-las em suas necessidades, por serem verdadeiras prisioneiras de um fogo mais rigoroso que qualquer outro sofrimento deste mundo. E embora já tenham se salvado, não podem fazer nada por si mesmas, mas nós da Igreja militante podemos fazer por elas. Eis um dever cristão. Em contrapartida, elas são gratas e rezam pelos seus benfeitores que se encontram exilados aqui na terra e necessitando de ajuda sobrenatural.
O envolvimento com as coisas terrenas pode acabar levando à negligência no cumprimento das obrigações dos católicos e a uma perigosa consequência: o apego às criaturas em detrimento do amor de Deus, nosso fim último, verdadeiro e sumo bem, segundo o que determina o primeiro Mandamento da Sua Lei.
Ainda que observantes dos preceitos do Decálogo e dos Mandamentos da Igreja, que determinam, por exemplo, a frequência à Santa Missa aos domingos e dias santos de guarda, à busca regular e sempre que necessário do sagrado tribunal da Confissão – condição sine qua non para a obtenção do perdão dos nossos pecados – é indispensável termos em mente que as faltas cometidas contra os Mandamentos causam graves prejuízos à saúde da alma.
Tais faltas são como nódoas nas almas, com graves danos à integridade da vida sobrenatural traduzidos em diferentes graus, seja pelo afastamento de Deus, seja pelas reincidências nas faltas, seja ainda na proporção das deliberações e das culpabilidades. Disso depende o tempo maior ou menor em que a alma do fiel defunto fica no purgatório.
Importa refletir sobre a situação do indivíduo colhido pela morte para entendermos o real significado do purgatório e o seu sentido no contexto da misericórdia divina. Lembremo-nos de que somos instados por Nosso Senhor a ser perfeitos como o Pai celeste é perfeito. O Seu divino Filho nos conclama a aprender d’Ele que é manso e humilde de coração. Isto requer de todo o verdadeiro católico uma vida pura, desapegada das coisas deste mundo, modesta em todas as suas condutas. 
No entanto, os atrativos da vida não raro nos atrai de modo compulsivo para vias faltosas, na contramão dos propósitos e contrários aos deveres de fiéis seguidores de Cristo. Temos, por conseguinte, como resultado das transgressões o quadro acima descrito, em que o fiel sente a sua alma acabrunhada pelos pecados.
Embora tenham sido eles removidos pela absolvição sacramental da Confissão, ainda resta um débito enorme para com a Justiça divina, ou seja, as penas temporais resultantes das recaídas em faltas leves e graves praticadas ao longo da vida. De acordo com os Doutores da Igreja, o Senhor, Justo Juiz, pune com severidade as menores faltas, pois mesmo estas O desagradam infinitamente e requerem igual reparação.
Como o ouro passa pelo fogo para ser purificado de suas impurezas, assim deverão passar as almas contaminadas pelos traços deixados pelo pecado. Todos os sofrimentos da terra nada são se comparados ao menor sofrimento do purgatório, como afirmam os santos. Dir-se-ia que nesta infeliz hipótese as vestes do pecador exigem reparos, pois não estão à altura do grande banquete nupcial que o Senhor preparou para os convidados.
Como se sentiria uma pessoa em vias de comparecer diante de um grande personagem, sabendo tratar-se de alguém da mais elevada honorabilidade e integridade moral? É de bom tom que, em momentos como este, todos se apresentem da melhor forma possível, trajando-se com o maior rigor e decência. Por que seria diferente ao comparecermos diante de nosso Deus?
Se tivermos consciência de não nos encontrarmos vestidos de maneira conveniente, torna-se imperativo prepararmo-nos por meio de orações, atos reparatórios e penitenciais, que têm o poder de minorar, e, em alguns casos, até de remover as nossas dívidas temporais. Disto nos dão exemplo as biografias de inúmeros santos, heróis e modelos irretocáveis da nossa fé.
Caso contrário, essas penas serão debitadas no fogo purificador do purgatório. Como diz o próprio nome, esse é um “lugar” de purificação onde as almas passam um tempo maior ou menor, em todos os casos com uma duração que não tem proporção com os critérios terrenos, mas sim com os da eternidade.
Esse fogo purificador restitui às almas a vestimenta do amor de Deus, a santidade e o vigor que lhe são afins, cuja realidade só as almas bem-aventuradas vislumbram e almejam com perfeito ardor. Somente depois de refeitos e purificados poderemos contemplar Deus face a face.  
Se refletirmos sobre as fraquezas humanas, entenderemos por que tantas almas, mesmo as mais santas, levam o seu quinhão de padecimentos para o post mortem. Exceção feita da Imaculada Mãe de Deus, Maria Santíssima, e de alguns poucos santos que aprouve à Misericórdia de Deus, em Seus altíssimos desígnios preservar.  

Entretanto, o hábito salutar de confessar-se tão logo se tenha a infelicidade de cair em pecado mortal mantém o fiel em estado de graça, na amizade de Deus, condição indispensável para, além de sufragar as almas dos que já se encontram no purgatório, conquistar para si méritos que aumentam a sua glória no Céu.

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