LIÇÃO DO SILÊNCIO
Padre David
Francisquini
Macário era um rico
comerciante egípcio que, ainda no início do cristianismo, converteu-se à Fé
cristã, depois se tornou monge ermitão e foi para Tebaida, onde se santificou.
Hoje diríamos que Tebaida
é um nome carregado de forte significado! Era uma região do Alto Egito, inspirou
um poema épico latino, e ficou associada a situações de silêncio e solidão
profunda. Viver numa Tebaida significa uma vida apartada do mundo, coisa para
anacoretas no deserto. Curiosamente, naqueles dias muitas pessoas eram atraídas
pelo silêncio, pelo recolhimento, pelo mistério e pela elevação espiritual,
associados a essa corajosa empreitada.
Tanto é que, no local para
onde foi o jovem Macário, já havia outros eremitas. Com o passar do tempo, sem
deixar de dedicar a quase totalidade de seu tempo à meditação e às orações, encontravam-se
para colóquios, uns ensinando aos outros, aconselhando ou orientando. Há um
provérbio popular, muito apropriado e revestido de sabedoria, que Deus se
comunica através do silêncio, no interior de seus corações, e se transforma em
grandes realizações.
O santo percebeu em alguns o desejo de abandonar aquela árida solidão,
a fim de se dedicarem ao trabalho de apostolado. Pensavam na difusão de suas
cogitações espirituais para outras pessoas, conquistando almas para Deus nas cidades.
Nada contra isso...claro, mas São Macário intuiu que podiam talvez estar sendo
atraídos para fora do campo de sua vocação específica, considerando a enorme
dificuldade que havia representado, para muitos, a decisão de isolamento.
Para estes, escreveu uma
historieta do barbeiro de uma pequena cidade, que cobrava três moedas para
fazer cada barba. Ao final do dia, ganhava dinheiro suficiente para quitar ou
atender razoavelmente as suas necessidades; ainda economizava pequenas quantias
para o futuro, sempre incerto.
O barbeiro ouviu que em
uma cidade próxima dali, maior, o preço para uma barba era o dobro do que
recebia. Depois de pensar um pouco, decidiu ser mais vantajoso abandonar sua
clientela e se mudar. Com certeza, obteria mais lucro com menos trabalho.
Vendeu o que possuía e foi
se estabelecer lá. De fato, ele recebia uma quantia bem maior de dinheiro, mas quando
ia ao mercado comprar o que precisava, percebeu que as mercadorias eram mais
caras! Depois das compras, não lhe sobrava dinheiro...
Não tardou a reconhecer o
erro e voltou à origem, retomou seu trabalho economisando para a velhice.
Macário concluiu sua singela história afirmando que as pessoas deveriam se contentar
com os pequenos frutos obtidos na solidão, pois a ganância de enriquecimento
exagerado, nem sempre é um bom negócio para o futuro.
Como São Macário escrevia
para amigos de mesma vocação, eis a moral de seu conto: era preferível
permanecer no caminho da própria santificação no deserto a tentar salvar almas
na cidade. Em meio a contínuas diversões e dispersões, eles acabariam por
perder o espírito de recolhimento que os havia conduzido àqueles êremos.
Vocação preciosa e rara, que, inclusive, não é para todo mundo.
A propósito, o Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira teceu comentários para uma platéia jovem, sublinhando que a
melhor coisa na vida é unir a alma a Deus; para isso, levar uma vida que tenha
lugar para reflexão, inclua tempo para meditação e oração. Portanto, quem tem
tal elevada vocação como núcleo de sua existência, recebe mais de Deus do que
aqueles chamados a agir na sociedade civil, nas atividades comuns da maioria dos
homens. Mas a todos é necessária a vida interior, o tempo de silêncio da alma.
Para o grande pensador
católico, essa distinção é relevante sempre. Mas é especialmente oportuno
considerá-la hoje, pois o homem moderno parece ter sido preparado para não
compreender o papel da reflexão e da meditação, quanto mais da solidão! Ele é
um ateu prático, vive como se Deus não existisse. E a pressão contrária é tanto
maior quanto mais jovem é o público observado.
Podemos constatar isso,
dizia Dr. Plinio, no estilo de vida da maioria das pessoas ao nosso redor. Elas
estão sempre ansiosas para ouvir novidades, transmitir suas impressões ou
tentando impressionar os outros. Além dos acessórios hoje inseparáveis, como
o computador e o celular. E ainda têm em
casa a televisão, para ocupar o que lhes reste de capacidade para fixar
atenção, sempre para fora de si.
Ao lerem, não refletem no
que lêem. Se estão sentadas é apenas para tomarem fôlego a fim de continuar a
correria. Esquecem-se que a essência da vida exige que a pessoa se isole algum
tempo! Para afinar suas observações, ordenar seus pensamentos e analisar tudo à
luz dos princípios que aprendeu. Isso constitui um patrimônio, uma lente pela qual
analisa as coisas e chega a conclusões. Serão máximas morais ou regras gerais
de filosofia de vida, que elevam a mente a Deus. Contudo, o homem moderno
abomina o isolamento e assim se distancia de Deus.
São raros aqueles que
fazem um esforço interior para ordenar seus pensamentos. Eles o evitam não
porque estejam muito ocupados, mas porque rejeitam aquele tipo de esforço... Viciaram-se
na excitação da atividade constante, tornando-se mesmo, às vezes, o extremo oposto daquilo que deveriam ser.
A lição de São Macário não
é para que todos se tornem anacoretas como ele. É um apelo para que sejamos
recolhidos, mesmo que vivamos ativamente na sociedade. A pessoa deve valorizar
o silêncio, encontrando tempo para recolhimento e contemplação das coisas de
Deus. Na contemplação dos acontecimentos do dia a dia, podemos tirar delas boas
lições para a vida. O silêncio é a alma da reflexão, pois no silêncio e no
recolhimento que se pode aquilatar o rumo da história.
Só assim ela estará
preparando seu caminho para a glória eterna. Para aqueles dentre nós que
tiverem na alma um pouco dessa agitação revolucionária, o bom senso manda rezar
pedindo esta graça, e evitar ambientes de excitação e turbulência.
Aos meus caros leitores,
peço que reservem um tempo, ainda que alguns minutos por dia, ou mesmo meia
hora, e fiquem com frequência sozinhos e quietos, pois o silêncio será o
primeiro passo para uma alma se tornar profunda. Que São Macário nos ajude.