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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

 

Encanto e desencanto em tempo de COVID (II)

Padre David Francisquini


 

Como havia prometido, volto ao tema do artigo anterior, com o seu complemento indispensável. Com efeito, os fiéis clamam por ouvir de seus pastores palavras que ecoem as do divino Salvador, ávido de levar as almas para o Céu. Tal voz não pode faltar quando as almas mais se acham desamparadas.

Será que esses pastores puseram limites à vocação que o próprio Deus lhes deu? Atente-se para o que afirma o Concílio de Trento sobre a obrigação que lhes é imposta: devem providenciar e facilitar o acesso dos fiéis aos sacramentos, para que assim possam assegurar o seu destino eterno, ministrando-lhes, em caráter de urgência, não protelatório, sob pena de pecado grave, o sacramento da Extrema Unção ou Unção dos Enfermos.

Numa situação de pandemia como a atual, é triste ver que nenhuma voz se levanta em defesa dos fiéis hospitalizados nas clínicas. Contudo, o paciente tem direito a assistência ampla. Da parte das autoridades sanitárias não o permitir é extrapolar dos limites da mera atribuição médica, conforme veremos.

Assim procedendo, seja em hospitais particulares seja nos públicos, elas invadem a competência da autoridade espiritual e religiosa, mesmo que não a reconheçam, porquanto o ordenamento jurídico estabelece garantias desta natureza aos enfermos que desejarem cuidados espirituais.

Apresentar, no momento da internação, termos que impedem essa garantia, é aproveitar-se da fragilidade de quem não apenas se encontra doente, mas também de seus familiares, como foi o caso de um fiel que fui atender em Campos dos Goytacazes. Na verdade, não consegui chegar até ele, pois fui impedido de entrar, apesar de ter passado quase todo o dia na portaria do hospital.

O documento alegado não tinha e não tem valor jurídico, pois impede a liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal, razão pela qual entreguei o caso a um advogado, na expectativa de que ele conseguisse, por meios jurídicos, insistir no direito do paciente ao atendimento espiritual.

 Atitude como esta por parte das autoridades sanitárias não passa de uma tirania em nome da saúde, uma perseguição religiosa que se instala aos poucos no Brasil e no mundo. Na cidade vizinha de Itaperuna, um doente morreu sem assistência espiritual porque um padre também não pôde entrar na UPA onde ele se encontrava.

Diante de tais entraves, é de suma importância recordar ao público o que estabelece a nossa legislação. Graças a Deus, muitos advogados católicos, entre eles o Dr. Miguel Vidigal, vêm se interessando em amparar os desvalidos nestas circunstâncias. De São Paulo ele vem arregimentando colegas de todo o Brasil para que ofereçam assistência jurídica gratuita aos hospitalizados que desejam receber assistência espiritual.

Assim, aponta ele que o artigo 5º da Constituição reza que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, assegurando o livre exercício do culto, o acesso aos locais de culto e a realização das suas liturgias. O inciso VII do referido artigo garante também, na letra da lei, a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

No plano infraconstitucional, respaldado pela mesma Magna Carta, a lei nº 9.982/2000 dispõe, no art. 1º, os termos do acesso assegurado em todos os estabelecimentos hospitalares públicos e privados, aos estabelecimentos prisionais, civis e militares, a todas as confissões religiosas para o atendimento religioso aos internados, de comum acordo com estes ou com seus familiares, dependendo das circunstâncias.

Para reafirmar o que diz o artigo acima, é importante notar que em momentos como o que vivemos não é de esperar a profissão de fé por parte dos organismos estatais. Mas é imperativo moral que seus representantes manifestem respeito, proteção e garantia do direito à assistência religiosa a todos os cidadãos, mormente os que se encontram em situação de iminente perigo de vida.

Qualquer ação ou inércia no sentido de restringir tais direitos inalienáveis configura crime perante o ordenamento jurídico pátrio, um criminoso desserviço à sociedade, uma afronta ao próprio Deus, pela desobediência aos seus Mandamentos, valendo esta afirmação para crentes e não crentes nos ensinamentos divinos, já que todos, sem exceção, disto prestarão severas contas no momento que o Senhor nosso Deus os chamar.

            E agora, como conciliar os nossos propósitos mesquinhos com as sábias palavras das Escrituras sagradas: Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida? (Mt 16, 26).

Em nenhum outro momento da nossa história se viu tamanha afronta, mesmo em tempos de contágios como a lepra, o cólera, a tuberculose, entre outras doenças de maior contágio que a peste chinesa. Conforme documentos e depoimentos de médicos, divulgados nas redes sociais, nunca se serviu de pretextos tão capciosos para negar aos mais necessitados a assistência religiosa que lhes é devida.

Nossa Senhora da Saúde

Ainda nos antigos tempos de Seminário, surpreendeu-me ler sobre a malícia dos comunistas promotores da guerra civil espanhola de 1936, que antes de assassinar os católicos, procuravam a todo custo fazer com que eles abandonassem a fé para só então executá-los, a fim de encher o inferno de apóstatas e pecadores.

Ainda me recordo do bem espiritual que auferi dessa leitura, e hoje sinto a mesma malícia diante desta circunstância com a qual me deparo, ou seja, de procurar eliminar Deus da sociedade e das instituições. Não é difícil vislumbrar, nessas proibições das autoridades sanitárias que impedem um sacerdote de cumprir o seu dever, a mesma maldade, o mesmo ódio que se encontra no bojo de toda revolução anticristã, o ímpeto em perder o maior número possível de almas. 

Roguemos à Santíssima Virgem Maria que venha nos socorrer nessas circunstâncias, para que muitos levantem a voz em favor da Igreja, de Deus e das almas.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

 

Encanto e desencanto em tempo de COVID

Padre David Francisquini


O colapso da fé que assola o mundo atual é sem dúvida o pior dos males que grassam na sociedade contemporânea. O reflexo desse flagelo não está apenas nas almas, mas nos ambientes, nos costumes e nas instituições. As pessoas sem fé vivem como se Deus não existisse, à procura desenfreada do gozo da vida, do amor irrestrito ao presente, do desprezo pelo passado e por todos os valores morais e religiosos.

Ao excluir Deus de suas vidas, ipso facto, o homem faz da existência uma chanchada, um carnaval, uma piada, além de outras futilidades que o fazem pular, rir, gritar, cantar. Hoje ele tenta preencher o vazio de Deus, além do trabalho, com automóvel, lazer, celular, vídeos de entretenimento e outros joguinhos do gênero...

Convenhamos, tudo isso parece moldado para fazer esquecer quão grave é a vida, diante das responsabilidades que por sua própria natureza ela nos impõe. Quantas cabeças rolaram ao longo dos séculos, seguidas de promessas de um mundo melhor, onde os homens seriam autossuficientes com o auxílio da ciência e da técnica.

Estas redimiriam o homem do trabalho, das fadigas, das doenças, resolveriam todos os seus problemas, eliminariam a sua dor, a pobreza, a ignorância, a insegurança, enfim tudo aquilo que chamamos de efeitos do pecado original. Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira in Revolução e Contra-Revolução.

Mas como os homens gostam de ser enganados! Na medida em que eles foram abandonando a religião, os confessionários foram desaparecendo das igrejas - o mais das vezes, ó dor, removidos por mãos sagradas - e os consultórios psiquiátricos se multiplicando. Por quê?! Será que as pessoas se sentiram ou se sentem frustradas pelas promessas enganosas, e que a vida neste vale de lágrimas se lhes vai tornando inexplicável?!

Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar (1 Pedro 8). Essa é a advertência do Evangelho sobre o pai da mentira. A história, em muitas de suas páginas, registrou essas ciladas com nome de renascimento, de cultura, de revolução, de guerra... a ponto de hoje mais que nunca podermos afirmar alto e bom som que Satanás é o príncipe deste mundo.

As armas infernais são tão velhas como o demônio.  Basta que seus agentes se apresentem faceiros com um ramo de louro, um metal brilhante ou um prato de lentilhas para abalar a vigilância tão apreciada por Nosso Senhor e cair no seu encanto. Mas o desencanto vem a galope com as aflições de espírito, transformando as pessoas em joguete, em escravo preso às suas garras... Logo elas, que venderam a alma na ilusão de ser livres!

Não se pode por outro lado negar que diante do esforço revolucionário e luciferino para levar os homens à apostasia venha surgindo uma sadia reação, sem dúvida uma ação da graça, que toca o fundo dos corações. As missas tradicionais, por exemplo, vão se multiplicando com muitos dos bons hábitos e costumes de outrora.

Posta esta introdução, passemos aos fatos. A pequena assistência espiritual prestada por sacerdotes aos enfermos, de modo especial aos atacados pela COVID, vem se tornando mais crítica em razão de uma campanha para cercear o atendimento de pessoas nos hospitais, UPAs e demais serviços ambulatoriais. O pretexto é preservar a saúde coletiva.

Afinal, não apenas da assistência médica ampla e eficaz necessita o paciente, mas também, e de algum modo sobretudo, da assistência espiritual, uma vez que nossos corpos são mortais, mas não a alma, cumprindo-nos por isso preservá-la de se perder eternamente.

É perplexitante nesse sentido considerar que a CNBB cuida quase tão-só de questões sociais e políticas, enquanto os católicos precisam recorrer a advogados para que padres tenham o devido acesso ao leito de pessoas enfermas para salvaguardar seus direitos previstos diante de Deus, direitos esses garantidos pela legislação federal.

Aqueles que por missão divina deveriam ser a voz que clama, o sal que salga, a luz que ilumina, quedam silenciosos e omissos, quando não coniventes com a perseguição que sofrem os fiéis abandonados nos hospitais e lugares correlatos sem o apoio moral e religioso. Uma omissão de clamar aos céus!

Nada mais malfazejo para as almas que necessitam de pão, dar-lhes pedra; que necessitam de um peixe, dar-lhes um escorpião, para utilizar as palavras do divino Salvador nesse caso de tanta incúria no atendimento espiritual de ovelhas que clamam pelos pastores.

Deveriam ser eles os primeiros a demonstrar desvelo em lutar com todos os meios lícitos a fim de que as portas do reconforto fossem franqueadas a almas órfãs, e muitas vezes já no umbral da morte. Seguramente a hora mais difícil da vida, o momento em que as pessoas mais precisam de apoio espiritual e encorajamento.

Este silêncio e omissão, sobretudo num momento como esse, só tem um nome: deslealdade para com a missão da Igreja, da glória de Deus e da salvação das almas.

Voltarei em breve ao tema.

*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria - Cardoso Moreira-RJ