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sábado, 11 de junho de 2022

Senhor, por que pareceis dormir?

 

Padre David Francisquini


No último domingo, dia 5 de junho, cinquenta dias depois da Páscoa, a Santa Igreja celebrou a grande festa da descida do Espírito Santo sobre a Virgem Maria e os Apóstolos reunidos no Cenáculo. Trata-se de uma das datas mais importantes do calendário litúrgico, juntamente com a Páscoa e o Natal.

O termo “Pentecostes” vem do grego pentēkostḗ, que significa “quinquagésimo”, em referência aos 50 dias que se sucedem à Páscoa. No Antigo Testamento, o Pentecostes era celebrado apenas pelos judeus, no fim da última colheita do ano, como forma de agradecer a Deus pela comida. É também conhecida como celebração da Lei de Deus, em memória do dia em que Moisés recebeu as Tábuas com as Leis Sagradas.

Essa festividade aconteceu especificamente na primeira Páscoa depois de o povo de Israel sair da escravidão do Egito e receber os Dez Mandamentos enviados por Deus. Mas, no Antigo Testamento, o dia de Pentecostes é citado com outros nomes, tais como ‘Festa da Colheita ou Sega’ (Êxodo 23.16), ‘Festa das Semanas’ (Deuteronômio 34.22) e ‘Dia das Primícias dos Frutos’ (Números 28.26).

No Novo Testamento, a comemoração de Pentecostes é citada no livro dos Atos dos Apóstolos, no capítulo 2, quando narra o momento em que os apóstolos receberam os dons do Espírito Santo: “Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (Atos dos Apóstolos 2:1-4).

Os fiéis católicos sabem que a festa do divino Espírito Santo é comemorada com toda solenidade e se estende por oito dias. Tão importante é este tempo, que os domingos seguintes estão concatenados entre si e são chamados ‘domingos depois de Pentecostes’. A importância dessa solenidade se acentuou a partir do século IV, e conferiu à Igreja o valor do batismo e da crisma administrados aos catecúmenos na vigília de Pentecostes para aqueles que não os receberam no Sábado Santo.

Com o fato histórico descrito nos Atos dos Apóstolos, fica estabelecida a promulgação solene da verdadeira Igreja de Jesus Cristo, que se dá na difusão do evangelho e administração do Batismo. As línguas de fogo sobre os apóstolos indicam a difusão da verdadeira fé e da palavra de Cristo contidas nos evangelhos e nas epístolas: Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19).  A Igreja, esposa de Jesus Cristo, se inicia pelo esplendor e grandeza desta ação no mundo no dia desta solenidade, onde se encontrava reunidos os discípulos do Senhor.

 Com a descida retumbante do Divino Paraclito sobre os apóstolos, estes se tornaram instrumentos eficazes da graça para transmitir em toda a face da terra a doutrina ensinada por seu Divino Mestre. Não é de estranhar que a vinda do Espírito Santo no Cenáculo deu-se com grande estrondo; com um vento impetuoso e a aparição de destacadas línguas de fogo sobre todos os que se encontravam no recinto sagrado, onde Jesus Cristo instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio católico. Todos ouviram em seus próprios idiomas, com enorme fascínio, o que os apóstolos falavam sobre as maravilhas de Deus.

São Luís Grignion de Montfort, no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, descreve a relação entre o grande acontecimento de Pentecostes e os pregoeiros do Reino de Maria. Fundamenta ele que a ação de Maria no Cenáculo sobre os apóstolos seria semelhante à graça que receberão aqueles que lutarão pela vitória indelével da Igreja em uma era inteiramente marial, pulverizando o processo revolucionário multissecular desencadeado há séculos com o declínio da Cristandade.

Este grande santo francês, que viveu no século XVIII, num momento em que o movimento revolucionário grassava fortemente em toda a França, não por acaso lançou, com um brado pungente, os seus justos e zelosos anseios de ver restabelecida a ordem universal de outros tempos, fazendo ecoar os anseios do salmista: Levante-se Deus, e sejam dispersados os seus inimigos (Sl. 67, 1-2); Erguei-vos, Senhor, por que pareceis dormir? Erguei-Vos.

Acalentava São Luís Grignion no mais profundo de sua alma, o ideal profético de instauração de uma civilização ainda mais aperfeiçoada do que a de outrora. Segundo os perenes ensinamentos daquela que é Mãe e Mestra da verdade, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana ensina, guia, governa, santifica e define as verdades de Fé com vistas à salvação eterna dos homens, em todos os séculos.

Ao se referir ao reino profetizado por ele, São Luís fala que nessa era marial as almas estarão embebidas do amor de Deus, e serão instrumentos do Espírito Santo para constituir uma era de fogo na qual a face da terra será renovada pela ação da Santa Igreja. Convém ressaltar o relacionamento existente entre Maria e os apóstolos, unidos em oração no Cenáculo, pois Maria é o elo entre a Igreja e Deus, pois sendo Mãe de Jesus Cristo, tornou-se a Mãe da Igreja.

De fato, o Espírito Santo operou uma transformação naquelas almas, que passaram a difundir as verdades ensinadas por Nosso Senhor. Pela fé, não somente temos certeza na promessa divina de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, mas confiamos que algo extraordinário ocorrerá nos tempos atuais, diante da crise na qual Ela se encontra.

De tal modo extraordinário, que é impensável instaurar o Reino de Maria sem a ocorrência de uma ação extraordinária do Espírito Santo sobre as almas. Como pela ação de Maria no Cenáculo foi possível a vinda do Espírito Santo, assim também será em nossos dias, para que os escolhidos sejam verdadeiros condutores para a difusão da verdadeira civilização em toda a face da terra, em que Cristo será o centro e o rei da sociedade temporal e espiritual.

sábado, 14 de maio de 2022

Cuidemos do nosso maior tesouro


Padre David Francisquini


Imaginemos que um chefe de família ficasse sabendo que um ladrão planeja entrar em sua casa. Que precauções deveria ele tomar? Continuar a pensar que nada acontecerá, ou ficar vigilante as 24 horas do dia? Claro, ficar vigilante. Com efeito, esta é a questão paradigmática posta pelo Divino Mestre nas páginas dos Santos Evangelhos.

Se a vigilância é necessária para defender bens materiais, com muito mais razão deve ser ela exercida – com todos os meios legais à sua disposição – para prevenir qualquer urdidura contra a Casa de Deus, o santuário do Deus vivo, conforme São Paulo.

Sendo nosso corpo templo do Espírito Santo, devemos ser ainda muito mais zelosos em defendê-lo. E a maneira mais perfeita de o fazer é identificar de antemão o ladrão, denunciá-lo, criar todo tipo de impedimento para que ele sequer se aproxime de nós.

Muitas pessoas há que se dizem católicas, possuidoras de uma conduta irrepreensível aos olhos de observadores menos argutos, mas que tudo fazem para arrombar e roubar os tesouros de Deus nas almas verdadeiramente fiéis.

Sobre esses agentes satânicos, já alertava o Apóstolo (Tim 3, 5), ou ainda aqueles que Nosso Senhor mesmo descreveu quando dizia: "Virão a vós revestidos de peles de ovelhas, e serão lobos carniceiros" (Mt. 7, 15).

Tais pessoas costumam deixar tristes e dolorosas recordações por onde passam, por serem perturbadoras da boa ordem estabelecida por Deus. Inimigos da Cruz de Cristo, elas semeiam discórdias, mentiras e cismas, a fim de golpear a unidade católica. Hábil no uso de palavras nocivas, são como flechas envenenadas arremessadas com destreza.

Afinal, que inimigo é esse? Os Livros Sagrados nos advertem que tempo viria em que as pessoas não suportariam mais a sã doutrina, mas se entregariam a ouvir fábulas; em lugar de verdadeiros mestres procurariam mestres conforme às suas paixões, e, assim, afastariam os ouvidos da verdade. (Cfr.II Tim. 4, 3-4).

Mas isso acontece nos presentes dias?  Na realidade, a inimizade entre os filhos da luz e os filhos das trevas é eterna, mas pode ser mais premente em determinados períodos históricos, como acontece em nossos dias. Esta terrível realidade exige de nós um espírito aberto para aceitar os tesouros doutrinários da Igreja, e uma inflexível confiança na sua indefectibilidade.

São João nos aconselha a tomar distância desses inimigos, não os receber em nossas casas, nem mesmo saudá-los, pois quem os saúda participa das suas más obras, e ipso facto comete pecado, tornando-se filho de satanás (cfr. II Jo 9, 11 e I Jo 3, 8).


Pessoas perniciosas introduziram-se hoje entre nós. Elas tudo fazem para eliminar de nossas almas o nome de Deus e de sua Santa Igreja, prometendo o que não têm e nunca terão, ou seja, uma pretensa felicidade sem Deus, como já alertava o profeta Isaías:

"Ó meu povo, teus dirigentes te desencaminham e devastam a via que segues” (Is. 3, 13). Mas todo desvario traz amargas consequências. Por isto, esses que alimentam o falso desejo e trabalham com a intenção de construir uma civilização de bem-estar sem Deus, encontrarão inexoravelmente a ruína mais completa no tempo e na eternidade.

Somente unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo encontraremos a felicidade neste mundo. Na Encíclica Pascendi Dominici Gregis, São Pio X, o grande Papa antimodernista do século passado, denunciou a infiltração dos inimigos na Santa Igreja, demonstrando que os fautores do erro já não devem ser procurados entre os inimigos declarados, pois eles se ocultam no próprio seio da Igreja.

Por demais doloroso que seja reconhecer que a relação dos membros da hierarquia eclesiástica com os fiéis não são atualmente as mais desejáveis – em larga medida por causa de escândalos de pessoas consagradas –, assiste aos fiéis o legítimo direito de se manifestarem respeitosamente em defesa da causa católica.

Os meios católicos estão há várias décadas infiltrados por lobos travestidos de ovelhas visando estraçalhar o rebanho de Cristo. Mas Deus sempre suscitou entre os católicos espíritos vigilantes, corajosos e militantes que defendessem os princípios cristãos diante de ensinamentos errôneos que foram grassando no seio da santa Igreja ao longo da História. O exemplo mais recente e paradigmático foi o grande Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

Se um chefe de família, no afã de proteger seus bens materiais, deve ser prudente e criterioso, para afastar os lobos que visam saquear o rebanho de Cristo, devemos ser corajosos e combatentes.

Façamos a nossa parte. Lutemos até o último hausto de nossas vidas, e Deus nos dará a vitória por meio de sua e nossa Mãe Santíssima. E, como prêmio, prometeu-nos uma recompensa demasiadamente grande.

*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria - Cardoso Moreira-RJ

domingo, 17 de abril de 2022

 SANTA PÁSCOA! Tende confiança, pois “o resto voltará!”

Padre David Francisquini

 

Depois da crucifixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, para redimir o pecado dos homens e reabrir as portas do Céu, toda a Terra foi coberta por densas trevas, a tristeza e a desolação contagiaram os povos, liquidando com tudo o que restava de ordem. É o que poderíamos esperar depois da ignominiosa morte do Homem-Deus.

Do Santo Sepulcro ressurge a primeira claridade de esperança. As almas fiéis que o rodeavam para prestar as últimas homenagens a Nosso Senhor, pressentiam que algo de maravilhoso estava para acontecer. Junto àquela tumba, que aparentemente havia selado a derrota do Divino Redentor, eles presenciaram a glória triunfadora de Sua ressurreição.

Com efeito, como diz São Paulo, se Ele não tivesse ressuscitado, a nossa fé seria vã. Os anjos cantaram “glória a Deus nas alturas”. As trevas se dissiparam. A natureza inteira se rejubilou com a luz emanada daquele Corpo glorioso. Jesus Cristo realmente ressuscitou como triunfador da morte e do pecado. Tendo cumprido a vontade de Deus Pai, reabriu as portas dos céus aos justos.

Apesar de a notícia do enorme prodígio ter corrido como um raio, muitos discípulos ainda andavam tristes com a morte de Cristo — após ter sido entregue à soldadesca romana pelos magistrados e sacerdotes judeus —, pois a alegria da Sua ressurreição não havia ainda inundado os seus corações.

Tinham uma fé incompleta e não conheciam verdadeiramente quem era Jesus. Uns achavam que fosse um profeta com grande poder, que restauraria o reino temporal de Israel. Outros, confusos e perplexos, prestavam atenção nos acontecimentos sem entender o que se passava.

Foi necessário que Cristo morresse e ressuscitasse dos mortos para manifestar que Ele era Deus. Sendo já o terceiro dia de sua morte na Cruz, não havia mais razão para que não se conhecesse tudo o que havia se passado em Jerusalém com o Filho de Deus desde a traição do infame Judas Iscariotes.

Quando as santas mulheres chegaram pela manhã de domingo, não encontraram mais o corpo de Jesus na sepultura. Seguiu-se o anúncio do anjo de que Ele não se encontrava mais lá, mas havia ressuscitado dentre os mortos. O que parecia uma derrota, foi a confirmação na fé dos discípulos — a vitória de Cristo sobre seus inimigos —, e todos creram n’Ele depois de manifestar assim a Sua divindade.

É uma prefigura da paixão que nestes dias de trevas sofre a Santa Igreja, corpo místico de Cristo, contra a qual todos os agentes infernais conspiram e desferem golpes, mas Ela segue com vida plena nos fiéis que depositam suas certezas em Jesus Cristo vencedor e triunfador.

Poucos são os que realmente amam a Santa Igreja e estão dispostos a tudo suportar e resistir em sua honrosa defesa, bem como de tomar a iniciativa da luta a fim de que Ela seja restaurada de modo ainda mais excelente do que foi outrora, sempre segundo a lei e a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas aqueles que têm verdadeira devoção a Nossa Senhora recebem d’Ela o inestimável dom da fé, da pureza, e da bravura para lutar. Deus lhes dará a vitória.

Se correspondermos a esse dom, estaremos juntos daquelas almas privilegiadas que viram, testemunharam e registraram para os pósteros aquele momento, talvez o maior acontecimento da História: Jesus Cristo saindo vitorioso de seu sepulcro. Assim como Nossa Senhora nos deu o exemplo de nunca duvidar, Ela nos ensina e alenta a nunca desanimar nas vias da confiança.

Devemos, portanto, confiar contra todas as aparências em sentido contrário, de que junto d’Ela haveremos de encontrar forças e adquirir a certeza de que o bem não está sepultado para sempre, mas que residuum revertetur — o resto voltará, segundo Isaías. Dos escombros e das cinzas da civilização atual surgirá o Reino de Maria, com o fulgor de Cristo no momento de Sua ressurreição.

Espero que todos os fiéis e leitores tenham uma Santa e feliz Páscoa, na alegria de saber e confiar, com uma confiança sem limites, na promessa de que as portas do inferno jamais prevalecerão contra a Igreja.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

 

Que utilidade há no meu sangue?

 

Padre David Francisquini


Todo homem deve lutar constantemente para sobreviver, mas não deve fazê-lo apenas no campo natural, ou seja, para prover às suas necessidades puramente materiais. Os evangelhos no-lo ensinam com as célebres palavras de Cristo: “Considerai os lírios, como crescem; não fiam, nem tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé! Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações. Porque os homens do mundo é que se preocupam com todas essas coisas. Mas vosso Pai bem sabe que precisais de tudo isso.” (Lc 12-27, 30).

A luta de Jesus Cristo Nosso Senhor se dá no campo puramente espiritual. Sua morte na cruz foi para nos franquear o reino dos céus e, através dos sacramentos da Santa Igreja, nos conceder forças no combate contra os principais inimigos da nossa salvação, que são o demônio, o mundo e a carne.

Portanto, ao contemplarmos a cruz erguida no Monte Calvário, devemos considerá-la como a chave que nos abriu as portas do Céu. Foi por isso que Cristo disse a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo, se assim fosse os meus ministros fariam de tudo para eu não ser entregue aos judeus. Pois bem, meu reino não é daqui” (João 18, 36).

Indagou Pilatos: “Então tu és rei? — Sim, Eu sou rei, para isto nasci, para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. E todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz”. Com efeito, Jesus Cristo está na cruz como um rei, por isso havia dito: “Quando for elevado atrairei a mim todas as criaturas. Como Moisés elevou a serpente no deserto, assim o filho do Homem será elevado” (João 18, 37).

É na cruz que Cristo, humilhado, chagado, agonizante, começou a reinar sobre esta Terra, comparável a um grande campo devastado. Foi aqui que Ele edificou a sua Igreja, através da qual perpetuaria os benefícios da sua Redenção.

O saudoso Dr. Plinio Corrêa de Oliveira assim descreveu Nosso Senhor na cruz: “Vossa nudez é um manto real. Vossa coroa de espinhos é um diadema sem preço. Vossas chagas são vossa púrpura. Ó Cristo Rei, como é verdadeiro considerar-vos na cruz como um rei. Mas como é certo que nenhum símbolo exprime a intensidade dessa realeza quanto a realidade histórica de vossa nudez, de vossa miséria, de vossa aparente derrota!”

Por sua vez, Santo Afonso afirma: “Não vejo outro trono a não ser esse lenho de opróbrios; não vejo outra púrpura a não ser vossa carne ensanguentada e dilacerada; não vejo outra coroa além desse feixe de espinhos que tanto vos atormenta. Ah, sim, tudo vos proclama rei não de honra, mas de amor; essa cruz, esse sangue, esses cravos e essa coroa são incontestavelmente insígnias de amor.”

E prossegue: “Assim Jesus na sua cruz não procura tanto a nossa compaixão quanto o nosso afeto. E, se pede compaixão, pede-a unicamente para que ela nos induza a amá-Lo. Ele merece já por sua bondade todo o nosso amor, mas agora procura ser amado ao menos por compaixão.”

Esta última consideração, de caráter metafísico, deve nortear o homem em todos os momentos de sua existência, na qual se digladiam o bem e o mal, a verdade e o erro.

A alma fiel, ainda que em torno dela grassem apenas tragédia e desolação, destaca-se pelo bom ânimo, inspirado na fé e na promessa do glorioso e incontestável triunfo final da Santa Igreja. Esta é uma promessa, uma garantia d’Aquele mesmo que A instituiu e declarou que as portas do inferno não prevalecerão contra Ela. É a inabalável certeza, da qual deve se impregnar a alma católica em todos os dias de sua vida, não importando se aziagos ou felizes.

Estas reflexões têm maior efeito nesta altura do ano litúrgico, quando a Igreja de Cristo se reveste das solenidades da Paixão para recordar o episódio doloroso em que nosso Divino Salvador verteu até a última gota de seu Preciosíssimo Sangue a fim de romper os grilhões da escravidão do demônio, remir os nossos pecados e nos abrir o caminho da salvação.

Meu Jesus, contemplando-Vos, pendente na cruz, com os braços estendidos, com os vossos olhos abarcando a Terra inteira, não podemos ver outra coisa senão um verdadeiro Rei que estende o seu reino sobre este mundo. Desse trono divinal, ensanguentado, coberto de dores e de opróbrios, abri a porta do Céu, redimi o gênero humano e conquistai os corações que Vos contemplam na cruz, manifestando o vosso infinito amor.

Arrancai das trevas densas os corações! Desbaratai a impiedade, a dureza dos corações! Purificai as mentes e a vida transviada de tantas almas! Reinai com o vosso Preciosíssimo Sangue e a vossa Cruz! Se os carrascos repartiram as vossas vestes, lançando sorte sobre a vossa túnica, ó meu Jesus, reparti em nossas almas a vossa divina graça e despojai dos nossos corações todo afeto mundano e pecaminoso.

Reinai no mundo e em nossos corações, ó preciosas chagas de Jesus crucificado, nosso consolo e nossa vida!

domingo, 20 de março de 2022

 

O relojoeiro, o relógio e a hora de Deus

Padre David Francisquini

 

Não há quem não tenha perplexidades em relação ao estilo de vida a que somos obrigados a viver. Não se detém para elevar a mente a Deus, pensar como se vive, quem nos impôs ou nos impõe este corre-corre no qual nunca encontramos tempo para nos dedicar àquilo que realmente importa. Às vezes penso que diante de Deus o mundo moderno é uma máquina para distrair o homem de seu verdadeiro fim, no mais das vezes coadjuvado pela maldade inata, em decorrência de nosso pecado original.

Com tais pensamentos me veio a lembrança a fábula do bom relojoeiro que, tendo feito um belo e artístico relógio o pôs à prova, ou seja, experimentar se além de seu engenho e arte ali aplicado ela atenderia o fim para a qual foi realizada, isto é, marcar o tempo em horas, minutos e segundos. Mas o seu relógio, por um capricho qualquer, contrariando os planos de seu idealizador, se negou a cumprir a missão.

E quem ficou ‘provado’ foi o relojoeiro, que perplexo se perguntou de que lhe servia um relógio que não marca as horas, mas, por condescendência, ainda o deixou num bom lugar em seu ateliê. Se isso aconteceu com um relógio, figuremos obra do Criador que tudo fez perfeito, ordenado, para que cada criatura atendesse retamente o seu fim, em harmonia com o universo, concorrendo ao mesmo tempo para refletir as Suas perfeições infinitas.

Entre as criaturas, o homem moldado à imagem e semelhança do Criador, colocado num lugar ímpar do universo, porque além da matéria ele é também espírito, ou seja, um resumo do próprio universo. Para entendermos isto é fundamental considerar algumas noções básicas, como saber que todo ser tem uma finalidade única, simplesmente por ser criatura.

Se os homens agissem retamente, cumprindo com o fim para os quais foram criados, procurariam edificar uma sociedade que amasse perfeitamente a Deus. Historicamente isso aconteceu. Foi durante o tempo em que desabrochou a doce primavera da fé, nos séculos XII e XIII, ou seja, na Idade Média. Aliás, os homens não faziam mais do que a sua obrigação de atender o seu fim, e tinham o cêntuplo nessa vida, pois eram felizes.

Como se tornou diferente o homem moderno que vive como se Deus não existisse e até O negando ou mesmo blasfemando contra Ele, quando não O declarando morto. Como o relógio da fábula, o homem também movido por um capricho consciente e, portanto, culposo, se negou e se nega no mais das vezes a cumprir o fim para o qual foi criado. Consequência: Além de ser infeliz na terra o será ainda mais na eternidade.

Bastaria o Catecismo para mostrar o valor do homem. Ele ensina que fomos criados para conhecer, amar e servir o nosso Deus neste mundo, e depois, como prêmio, termos o céu por toda a eternidade. Com efeito, não faz sentido que seres racionais e possuidores de uma alma imortal, honrados com a encarnação do Filho de Deus, dignificados com o Seu precioso Sangue se rebelem contra o seu Criador, mas é o que aconteceu com os nossos pais de quem somos herdeiros.

Numa palavra, o homem foi criado para um fim sublime, ou seja, para a glória de Deus, cada qual no estado de vida que escolheu por vocação divina. Foi-lhe pedido apenas que fizesse a vontade do Criador, cumprindo a sua Lei, os Mandamentos. Assim procedendo ele teria paz e prosperidade como a conheceram os medievais. Hoje, ao negar obediência e submissão a Deus ele só pode encontrar desolação e aflição de espírito, o que lhe traz imensa infelicidade.

Pintura representando uma cidade medieval

Orgulhoso e sensual, o homem hodierno não se move senão para caminhar em direção contrária às apontadas por Deus, assemelhando-se ao relógio do conto, ou ainda pior, aquela outra criatura que, ao receber a prova, lançou um brado de revolta, o “non serviam”, o não servirei, que ecoará por toda eternidade. Isso pode-se passar com o indivíduo como nos grandes acontecimentos como nessa boçal agressão da Rússia à Ucrânia.  

Com efeito, qualquer conflito na política internacional atual causa grande inquietação em todo o orbe, não apenas em razão dos danos financeiros e econômicos, mas o receio de serem utilizados armamentos atômicos. Com efeito, a injusta invasão da Ucrânia pela Rússia causa não poucas apreensões. Nesse contexto, é oportuno recordar que Deus se utiliza dos nossos desvarios para punir a própria humanidade.  

Mais do que nunca podemos entender por que Nossa Senhora em Fátima se referiu duas vezes à Rússia em suas aparições em Portugal. Aliás pouco antes de o comunismo se implantar lá. A primeira, enquanto sendo flagelo de Deus para castigar os homens que se afastaram dos ensinamentos de seu Filho e da Igreja. A segunda, foi a referência à conversão da Rússia, seguida pelo triunfo de seu Imaculado Coração.

O que salta aos olhos é que tanto a crise interna que assola a Igreja quanto a tensão internacional crítica entre as nações parecem anunciar que uma iminente guerra se espalhará pelo mundo, pois Putin não se contentará em escravizar apenas mais uma nação, mas seguramente dará azo às suas pretensões expansionistas de caráter revolucionário, partindo para outras aventuras. Além dele, temos a China, aliada do neocomunismo russo, que também constitui outra ameaça. Ainda agora o mundo padeceu e ainda padece com os efeitos do vírus proveniente de lá...

Por outro lado, com atos de fé e heroísmo, a Ucrânia diz ‘não’ ao globalismo neocomunista de Putin, com a sua mentirosa defesa da família e de outros valores tradicionais da nossa fé. Tanto o globalismo dele quanto o globalismo liberal do Ocidente estão direcionados ao mundo socialista, igualitário e ateu da república universal.

cidade ucraniana de Mariupol
Mesmo porque, as mais profundas fímbrias da alma fiel aos mandamentos da Lei de Deus anseiam e bradam incessantemente por uma sociedade hierárquica e sacral, atributos da civilização cristã, em cuja atmosfera envolvente impera o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Rezemos, pois, a fim de que estejamos convertidos e preparados para o desfecho dos acontecimentos trágicos que já se realizam, bem como os que se prenunciam por vias dolorosas, porém necessárias, como necessária é a intervenção de Deus sobre este mundo que entronizou a impiedade. Será a realização das promessas de Nossa Senhora, a hora de Deus.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

 

Encanto e desencanto em tempo de COVID (II)

Padre David Francisquini


 

Como havia prometido, volto ao tema do artigo anterior, com o seu complemento indispensável. Com efeito, os fiéis clamam por ouvir de seus pastores palavras que ecoem as do divino Salvador, ávido de levar as almas para o Céu. Tal voz não pode faltar quando as almas mais se acham desamparadas.

Será que esses pastores puseram limites à vocação que o próprio Deus lhes deu? Atente-se para o que afirma o Concílio de Trento sobre a obrigação que lhes é imposta: devem providenciar e facilitar o acesso dos fiéis aos sacramentos, para que assim possam assegurar o seu destino eterno, ministrando-lhes, em caráter de urgência, não protelatório, sob pena de pecado grave, o sacramento da Extrema Unção ou Unção dos Enfermos.

Numa situação de pandemia como a atual, é triste ver que nenhuma voz se levanta em defesa dos fiéis hospitalizados nas clínicas. Contudo, o paciente tem direito a assistência ampla. Da parte das autoridades sanitárias não o permitir é extrapolar dos limites da mera atribuição médica, conforme veremos.

Assim procedendo, seja em hospitais particulares seja nos públicos, elas invadem a competência da autoridade espiritual e religiosa, mesmo que não a reconheçam, porquanto o ordenamento jurídico estabelece garantias desta natureza aos enfermos que desejarem cuidados espirituais.

Apresentar, no momento da internação, termos que impedem essa garantia, é aproveitar-se da fragilidade de quem não apenas se encontra doente, mas também de seus familiares, como foi o caso de um fiel que fui atender em Campos dos Goytacazes. Na verdade, não consegui chegar até ele, pois fui impedido de entrar, apesar de ter passado quase todo o dia na portaria do hospital.

O documento alegado não tinha e não tem valor jurídico, pois impede a liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal, razão pela qual entreguei o caso a um advogado, na expectativa de que ele conseguisse, por meios jurídicos, insistir no direito do paciente ao atendimento espiritual.

 Atitude como esta por parte das autoridades sanitárias não passa de uma tirania em nome da saúde, uma perseguição religiosa que se instala aos poucos no Brasil e no mundo. Na cidade vizinha de Itaperuna, um doente morreu sem assistência espiritual porque um padre também não pôde entrar na UPA onde ele se encontrava.

Diante de tais entraves, é de suma importância recordar ao público o que estabelece a nossa legislação. Graças a Deus, muitos advogados católicos, entre eles o Dr. Miguel Vidigal, vêm se interessando em amparar os desvalidos nestas circunstâncias. De São Paulo ele vem arregimentando colegas de todo o Brasil para que ofereçam assistência jurídica gratuita aos hospitalizados que desejam receber assistência espiritual.

Assim, aponta ele que o artigo 5º da Constituição reza que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, assegurando o livre exercício do culto, o acesso aos locais de culto e a realização das suas liturgias. O inciso VII do referido artigo garante também, na letra da lei, a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

No plano infraconstitucional, respaldado pela mesma Magna Carta, a lei nº 9.982/2000 dispõe, no art. 1º, os termos do acesso assegurado em todos os estabelecimentos hospitalares públicos e privados, aos estabelecimentos prisionais, civis e militares, a todas as confissões religiosas para o atendimento religioso aos internados, de comum acordo com estes ou com seus familiares, dependendo das circunstâncias.

Para reafirmar o que diz o artigo acima, é importante notar que em momentos como o que vivemos não é de esperar a profissão de fé por parte dos organismos estatais. Mas é imperativo moral que seus representantes manifestem respeito, proteção e garantia do direito à assistência religiosa a todos os cidadãos, mormente os que se encontram em situação de iminente perigo de vida.

Qualquer ação ou inércia no sentido de restringir tais direitos inalienáveis configura crime perante o ordenamento jurídico pátrio, um criminoso desserviço à sociedade, uma afronta ao próprio Deus, pela desobediência aos seus Mandamentos, valendo esta afirmação para crentes e não crentes nos ensinamentos divinos, já que todos, sem exceção, disto prestarão severas contas no momento que o Senhor nosso Deus os chamar.

            E agora, como conciliar os nossos propósitos mesquinhos com as sábias palavras das Escrituras sagradas: Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida? (Mt 16, 26).

Em nenhum outro momento da nossa história se viu tamanha afronta, mesmo em tempos de contágios como a lepra, o cólera, a tuberculose, entre outras doenças de maior contágio que a peste chinesa. Conforme documentos e depoimentos de médicos, divulgados nas redes sociais, nunca se serviu de pretextos tão capciosos para negar aos mais necessitados a assistência religiosa que lhes é devida.

Nossa Senhora da Saúde

Ainda nos antigos tempos de Seminário, surpreendeu-me ler sobre a malícia dos comunistas promotores da guerra civil espanhola de 1936, que antes de assassinar os católicos, procuravam a todo custo fazer com que eles abandonassem a fé para só então executá-los, a fim de encher o inferno de apóstatas e pecadores.

Ainda me recordo do bem espiritual que auferi dessa leitura, e hoje sinto a mesma malícia diante desta circunstância com a qual me deparo, ou seja, de procurar eliminar Deus da sociedade e das instituições. Não é difícil vislumbrar, nessas proibições das autoridades sanitárias que impedem um sacerdote de cumprir o seu dever, a mesma maldade, o mesmo ódio que se encontra no bojo de toda revolução anticristã, o ímpeto em perder o maior número possível de almas. 

Roguemos à Santíssima Virgem Maria que venha nos socorrer nessas circunstâncias, para que muitos levantem a voz em favor da Igreja, de Deus e das almas.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

 

Encanto e desencanto em tempo de COVID

Padre David Francisquini


O colapso da fé que assola o mundo atual é sem dúvida o pior dos males que grassam na sociedade contemporânea. O reflexo desse flagelo não está apenas nas almas, mas nos ambientes, nos costumes e nas instituições. As pessoas sem fé vivem como se Deus não existisse, à procura desenfreada do gozo da vida, do amor irrestrito ao presente, do desprezo pelo passado e por todos os valores morais e religiosos.

Ao excluir Deus de suas vidas, ipso facto, o homem faz da existência uma chanchada, um carnaval, uma piada, além de outras futilidades que o fazem pular, rir, gritar, cantar. Hoje ele tenta preencher o vazio de Deus, além do trabalho, com automóvel, lazer, celular, vídeos de entretenimento e outros joguinhos do gênero...

Convenhamos, tudo isso parece moldado para fazer esquecer quão grave é a vida, diante das responsabilidades que por sua própria natureza ela nos impõe. Quantas cabeças rolaram ao longo dos séculos, seguidas de promessas de um mundo melhor, onde os homens seriam autossuficientes com o auxílio da ciência e da técnica.

Estas redimiriam o homem do trabalho, das fadigas, das doenças, resolveriam todos os seus problemas, eliminariam a sua dor, a pobreza, a ignorância, a insegurança, enfim tudo aquilo que chamamos de efeitos do pecado original. Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira in Revolução e Contra-Revolução.

Mas como os homens gostam de ser enganados! Na medida em que eles foram abandonando a religião, os confessionários foram desaparecendo das igrejas - o mais das vezes, ó dor, removidos por mãos sagradas - e os consultórios psiquiátricos se multiplicando. Por quê?! Será que as pessoas se sentiram ou se sentem frustradas pelas promessas enganosas, e que a vida neste vale de lágrimas se lhes vai tornando inexplicável?!

Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar (1 Pedro 8). Essa é a advertência do Evangelho sobre o pai da mentira. A história, em muitas de suas páginas, registrou essas ciladas com nome de renascimento, de cultura, de revolução, de guerra... a ponto de hoje mais que nunca podermos afirmar alto e bom som que Satanás é o príncipe deste mundo.

As armas infernais são tão velhas como o demônio.  Basta que seus agentes se apresentem faceiros com um ramo de louro, um metal brilhante ou um prato de lentilhas para abalar a vigilância tão apreciada por Nosso Senhor e cair no seu encanto. Mas o desencanto vem a galope com as aflições de espírito, transformando as pessoas em joguete, em escravo preso às suas garras... Logo elas, que venderam a alma na ilusão de ser livres!

Não se pode por outro lado negar que diante do esforço revolucionário e luciferino para levar os homens à apostasia venha surgindo uma sadia reação, sem dúvida uma ação da graça, que toca o fundo dos corações. As missas tradicionais, por exemplo, vão se multiplicando com muitos dos bons hábitos e costumes de outrora.

Posta esta introdução, passemos aos fatos. A pequena assistência espiritual prestada por sacerdotes aos enfermos, de modo especial aos atacados pela COVID, vem se tornando mais crítica em razão de uma campanha para cercear o atendimento de pessoas nos hospitais, UPAs e demais serviços ambulatoriais. O pretexto é preservar a saúde coletiva.

Afinal, não apenas da assistência médica ampla e eficaz necessita o paciente, mas também, e de algum modo sobretudo, da assistência espiritual, uma vez que nossos corpos são mortais, mas não a alma, cumprindo-nos por isso preservá-la de se perder eternamente.

É perplexitante nesse sentido considerar que a CNBB cuida quase tão-só de questões sociais e políticas, enquanto os católicos precisam recorrer a advogados para que padres tenham o devido acesso ao leito de pessoas enfermas para salvaguardar seus direitos previstos diante de Deus, direitos esses garantidos pela legislação federal.

Aqueles que por missão divina deveriam ser a voz que clama, o sal que salga, a luz que ilumina, quedam silenciosos e omissos, quando não coniventes com a perseguição que sofrem os fiéis abandonados nos hospitais e lugares correlatos sem o apoio moral e religioso. Uma omissão de clamar aos céus!

Nada mais malfazejo para as almas que necessitam de pão, dar-lhes pedra; que necessitam de um peixe, dar-lhes um escorpião, para utilizar as palavras do divino Salvador nesse caso de tanta incúria no atendimento espiritual de ovelhas que clamam pelos pastores.

Deveriam ser eles os primeiros a demonstrar desvelo em lutar com todos os meios lícitos a fim de que as portas do reconforto fossem franqueadas a almas órfãs, e muitas vezes já no umbral da morte. Seguramente a hora mais difícil da vida, o momento em que as pessoas mais precisam de apoio espiritual e encorajamento.

Este silêncio e omissão, sobretudo num momento como esse, só tem um nome: deslealdade para com a missão da Igreja, da glória de Deus e da salvação das almas.

Voltarei em breve ao tema.

*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria - Cardoso Moreira-RJ


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

 

Alegremo-nos, a luz brilhou nas trevas

 

*Padre David Francisquini



A Escritura Sagrada narra que hoje nasceu na cidade de David o Salvador que se chama Cristo. Cercado o seu presépio por pastores e animais rudes, ali está com o seu esplendor o Rei da criação. É a imagem do Pai que veio habitar entre nós.

Não temais”, diz aos pastores um dos anjos que anunciam uma grande nova, um nascimento novo e admirável. O anúncio dos mensageiros celestes, as narrações dos evangelistas enchem os nossos corações de alegria e de paz. De alegria, porque Cristo Nosso Senhor veio como criança, terno, amável, doce, comunicando-nos grande esperança.

Envolto em panos, para nos dar segurança de que Ele veio pobre para iluminar a todos. Veio à noite, para indicar a glória de Deus, a difundir raios fulgurantes de luz que iluminam os corações dos piedosos pastores.

Daquela gruta que se tornou o centro da Terra, a Luz do mundo se expande e subjuga a noite do paganismo, espancando as trevas com a beleza e sublimidade de sua grandeza.

“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. Jesus nasce num campo para reunir harmoniosamente em Si todas as classes sociais, ricos, pobres, andrajosos, reis e plebeus, enfim, o mundo inteiro.

Um cortejo angélico veio anunciar esse nascimento para louvar a Deus e atrair os homens. Para convidar os homens a unir suas vozes e prestar um culto ao seu Criador, ao seu Redentor revestido de carne que veio nos ensinar a ciência sagrada. Para bendizê-Lo com os nossos corações e agradá-Lo com as nossas boas obras.

Ao se fazer carne e dar-se ao mundo, Jesus Cristo inicia a sua obra de Redenção pelo gênero humano. Sendo Deus, de um poder infinito, estabelece com perfeição divina a autoria das leis naturais. Ao se apresentar como homem, não segue as regras normais da natureza ao vir a este mundo, nem fere os preceitos do embasamento do principio lógico por Ele mesmo criado.

Nasce sem concurso humano de uma virgem, da qual assume a natureza, conservando a divindade. Ao dar à luz, a Virgem é maravilhosamente preservada do sinal de sua inviolabilidade; afinal, seu Filho Jesus é Deus, ao mesmo tempo homem e transcendente ao próprio homem — pois, no dizer de São João, quem nasceu da carne é carne e quem nasceu do espírito é espírito.

Ao dar à luz a Vida, Maria nos proporciona a plenitude da alegria, pois aquela por cujo meio entrou no mundo a morte, introduzindo na natureza o pecado, geraria na dor e no sofrimento. Mas a que nos deu a verdadeira Vida iluminou todos os povos com os raios de sua generosidade, bondade, misericórdia e perdão.

Não é sem motivo que, ao se submeter ao recenseamento de César, cumpria a Sagrada Família o que foi dito pelo profeta, porque nasceu em Belém, que significa a casa do pão.

Jesus é o pão vivo que desceu do céu, revestido das carnes humanas, que restauraria os homens nas trilhas do esplendor da verdade e alimentaria os homens, reforçando-os com o alimento desse Pão vivo encerrado debaixo das espécies transubstanciadas do pão e do vinho, a partir de um dado momento, perdurando ao longo de toda a História.

A luz é o retrato, a imagem ou símbolo da fé. Ao vir Jesus para os homens, Ele nos trouxe a virtude da fé para iluminar as almas. As trevas são o símbolo do paganismo ou da heresia, da infidelidade, porque a fé não ilumina essas almas.

Ao nascer em Belém, Jesus veio nos comunicar essa luz divina, iluminar todos os homens. Daí o esplendor do Natal, que é comemorado com toda beleza e encanto. Jesus nos veio trazer a vida divina, a vida sobrenatural, a vida da graça. Num recôndito ermo, afastado de qualquer burburinho, nasceu Jesus, encanto dos anjos e dos homens.

            Naquela manjedoura, contemplando o Menino Jesus envolto em panos, elevamo-nos à reflexão de que é o mesmo Deus que ornou o mundo por Ele criado com variedade de belezas. Quis, no entanto, passar por enormes privações em seu divino Corpo, para reparar nossas tão grandes culpas ante o trono de Deus Pai.

Quis nos libertar das cadeias que nos mantêm subjugados ao vício, ao pecado. Eis que temos como sinal do nascimento do Salvador um menino, não entre púrpura, mas em pobres panos que O envolviam; não em berço de ouro cravejado de pedras preciosas, mas em um comedouro para animais.

São desprezíveis os pobres panos? Admiremos, então, o concerto dos anjos! Se nos causa surpresa a manjedoura, contemplemos a nova e esplendorosa estrela, que em céu noturno e límpido anuncia o nascimento do Senhor. Se nas coisas vis e tangíveis acreditamos, deitemos nosso crédito também às admiráveis, veneráveis e celestiais.  

De seu nascimento e infância deram testemunho os anjos e os evangelistas, para que tudo o que Ele fez sem reservas por nós se imprimisse em nossos corações. Honras e louvores se rendam Àquele que, sendo onipotente, rebaixou-se à nulidade para satisfazer a Justiça Divina ultrajada em vista de nossos imensos e inumeráveis pecados.

Por meio da graça e da vida sobrenatural que trouxe ao mundo, Ele nos facilita percorrer o caminho da paz e das virtudes. Seu peregrinar, apropriando-se da pobreza, enobrece sua pessoa como raios de luz que se movem nos céus e iluminam as almas, destruindo a soberba e a vanglória.  

Como pobre, quer enriquecer a todos; como frágil criança, enriquece-nos com a grandeza e soberania de sua bondade. Como rico, presenteia-nos sua infinita sabedoria com o pão da verdade. No estreito espaço daquele rude presépio está o mesmo que traz sob seus pés divinos o assento de seu poder e soberania.

Ele estende sobre a Terra as alegrias do Céu, o esplendor de sua divindade e a grandeza de seu poder. Do presépio no qual está reclinado, projeta-se a restauração do homem, a purificação da Terra. Estende sobre o mundo o esplendor do sol da verdade.

Alegremo-nos e exultemos — já nasceu o Menino Deus!