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domingo, 20 de março de 2022

 

O relojoeiro, o relógio e a hora de Deus

Padre David Francisquini

 

Não há quem não tenha perplexidades em relação ao estilo de vida a que somos obrigados a viver. Não se detém para elevar a mente a Deus, pensar como se vive, quem nos impôs ou nos impõe este corre-corre no qual nunca encontramos tempo para nos dedicar àquilo que realmente importa. Às vezes penso que diante de Deus o mundo moderno é uma máquina para distrair o homem de seu verdadeiro fim, no mais das vezes coadjuvado pela maldade inata, em decorrência de nosso pecado original.

Com tais pensamentos me veio a lembrança a fábula do bom relojoeiro que, tendo feito um belo e artístico relógio o pôs à prova, ou seja, experimentar se além de seu engenho e arte ali aplicado ela atenderia o fim para a qual foi realizada, isto é, marcar o tempo em horas, minutos e segundos. Mas o seu relógio, por um capricho qualquer, contrariando os planos de seu idealizador, se negou a cumprir a missão.

E quem ficou ‘provado’ foi o relojoeiro, que perplexo se perguntou de que lhe servia um relógio que não marca as horas, mas, por condescendência, ainda o deixou num bom lugar em seu ateliê. Se isso aconteceu com um relógio, figuremos obra do Criador que tudo fez perfeito, ordenado, para que cada criatura atendesse retamente o seu fim, em harmonia com o universo, concorrendo ao mesmo tempo para refletir as Suas perfeições infinitas.

Entre as criaturas, o homem moldado à imagem e semelhança do Criador, colocado num lugar ímpar do universo, porque além da matéria ele é também espírito, ou seja, um resumo do próprio universo. Para entendermos isto é fundamental considerar algumas noções básicas, como saber que todo ser tem uma finalidade única, simplesmente por ser criatura.

Se os homens agissem retamente, cumprindo com o fim para os quais foram criados, procurariam edificar uma sociedade que amasse perfeitamente a Deus. Historicamente isso aconteceu. Foi durante o tempo em que desabrochou a doce primavera da fé, nos séculos XII e XIII, ou seja, na Idade Média. Aliás, os homens não faziam mais do que a sua obrigação de atender o seu fim, e tinham o cêntuplo nessa vida, pois eram felizes.

Como se tornou diferente o homem moderno que vive como se Deus não existisse e até O negando ou mesmo blasfemando contra Ele, quando não O declarando morto. Como o relógio da fábula, o homem também movido por um capricho consciente e, portanto, culposo, se negou e se nega no mais das vezes a cumprir o fim para o qual foi criado. Consequência: Além de ser infeliz na terra o será ainda mais na eternidade.

Bastaria o Catecismo para mostrar o valor do homem. Ele ensina que fomos criados para conhecer, amar e servir o nosso Deus neste mundo, e depois, como prêmio, termos o céu por toda a eternidade. Com efeito, não faz sentido que seres racionais e possuidores de uma alma imortal, honrados com a encarnação do Filho de Deus, dignificados com o Seu precioso Sangue se rebelem contra o seu Criador, mas é o que aconteceu com os nossos pais de quem somos herdeiros.

Numa palavra, o homem foi criado para um fim sublime, ou seja, para a glória de Deus, cada qual no estado de vida que escolheu por vocação divina. Foi-lhe pedido apenas que fizesse a vontade do Criador, cumprindo a sua Lei, os Mandamentos. Assim procedendo ele teria paz e prosperidade como a conheceram os medievais. Hoje, ao negar obediência e submissão a Deus ele só pode encontrar desolação e aflição de espírito, o que lhe traz imensa infelicidade.

Pintura representando uma cidade medieval

Orgulhoso e sensual, o homem hodierno não se move senão para caminhar em direção contrária às apontadas por Deus, assemelhando-se ao relógio do conto, ou ainda pior, aquela outra criatura que, ao receber a prova, lançou um brado de revolta, o “non serviam”, o não servirei, que ecoará por toda eternidade. Isso pode-se passar com o indivíduo como nos grandes acontecimentos como nessa boçal agressão da Rússia à Ucrânia.  

Com efeito, qualquer conflito na política internacional atual causa grande inquietação em todo o orbe, não apenas em razão dos danos financeiros e econômicos, mas o receio de serem utilizados armamentos atômicos. Com efeito, a injusta invasão da Ucrânia pela Rússia causa não poucas apreensões. Nesse contexto, é oportuno recordar que Deus se utiliza dos nossos desvarios para punir a própria humanidade.  

Mais do que nunca podemos entender por que Nossa Senhora em Fátima se referiu duas vezes à Rússia em suas aparições em Portugal. Aliás pouco antes de o comunismo se implantar lá. A primeira, enquanto sendo flagelo de Deus para castigar os homens que se afastaram dos ensinamentos de seu Filho e da Igreja. A segunda, foi a referência à conversão da Rússia, seguida pelo triunfo de seu Imaculado Coração.

O que salta aos olhos é que tanto a crise interna que assola a Igreja quanto a tensão internacional crítica entre as nações parecem anunciar que uma iminente guerra se espalhará pelo mundo, pois Putin não se contentará em escravizar apenas mais uma nação, mas seguramente dará azo às suas pretensões expansionistas de caráter revolucionário, partindo para outras aventuras. Além dele, temos a China, aliada do neocomunismo russo, que também constitui outra ameaça. Ainda agora o mundo padeceu e ainda padece com os efeitos do vírus proveniente de lá...

Por outro lado, com atos de fé e heroísmo, a Ucrânia diz ‘não’ ao globalismo neocomunista de Putin, com a sua mentirosa defesa da família e de outros valores tradicionais da nossa fé. Tanto o globalismo dele quanto o globalismo liberal do Ocidente estão direcionados ao mundo socialista, igualitário e ateu da república universal.

cidade ucraniana de Mariupol
Mesmo porque, as mais profundas fímbrias da alma fiel aos mandamentos da Lei de Deus anseiam e bradam incessantemente por uma sociedade hierárquica e sacral, atributos da civilização cristã, em cuja atmosfera envolvente impera o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Rezemos, pois, a fim de que estejamos convertidos e preparados para o desfecho dos acontecimentos trágicos que já se realizam, bem como os que se prenunciam por vias dolorosas, porém necessárias, como necessária é a intervenção de Deus sobre este mundo que entronizou a impiedade. Será a realização das promessas de Nossa Senhora, a hora de Deus.

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