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domingo, 3 de julho de 2011

Das trevas do paganismo ao seio da Igreja

                                                                                       *Pe. David Francisquini

Ao nos ensinar sobre a vida da graça – que é a amizade entre o homem e Deus – e nossa filiação adotiva, Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou: Quem não renascer pela água e pelo Espírito Santo não entrará no Reino do Céu. [Jo 3,5]. Eis aí o tesouro espiritual do batismo que nos tira das trevas do paganismo e nos coloca no seio da Igreja.
Quem nascer da carne é carne, e quem nascer do espírito é espírito. Portanto, pelo Santo Batismo somos renovados numa ordem superior, ocasião em que Deus infunde em nossas almas as riquezas da vida sobrenatural. Afinal, quem não se deixa encantar com a alegria envolvente de uma cerimônia batismal?
Sobretudo se for uma criança. Ricas ou pobres, as pessoas presentes procuram trajar-se dignamente. Balbuciando notas indecisas nos braços de quem o acalenta, tão frágil e delicado o bebê como que pede proteção e aconchego. Tudo enfim confere ao ritual um aspecto sublime.
Para mais bem realçar a atmosfera de felicidade e de paz que paira durante um batizado, evoco o poeta francês Joséphin Soulary, que no soneto Les deux cortèges – Os dois cortejos – faz uma eloqüente antítese entre um cortejo fúnebre e outro batismal que se encontram numa igreja. Recurso poético sim, mas muito didático.
Enquanto o primeiro é marcado pela tristeza, pois conduz o ataúde de uma criança recém-nascida cuja mãe está sufocada pelos soluços que a acabrunham, o outro é de muita alegria, com a mãe radiante ao estreitar no seus braços o filho todo inteiro com olhar triunfante. Ao deixar o recinto do templo, os olhares das mães se entrecruzam.
Ao concluir o soneto, o poeta realça com grandeza e gravidade a circunstância que inspira oração. A jovem mãe – até o momento esfuziante de alegria – chora ao olhar para o esquife, enquanto a mãe que chorava, sorri para o recém-nascido pela água e pelo Espírito Santo! Com efeito, há uma linguagem que só os poetas falam.
Posta esta introdução que se estendeu além do limite usual, cabe-me explicar a ação santificadora dos sacramentos e dos sacramentais, para em seguida tratar do Batismo. A Igreja como instituição divina utiliza-se da água batismal – a água natural especificamente benta – para conferir o primeiro dos sacramentos.
Apenas em caso de risco de morte pode-se utilizar água natural para que a criança não morra sem receber esse sacramento necessário à salvação. Aliás, é ensinamento da Igreja que os pais que protelam o batismo de seus filhos pecam gravemente, pois não cumprem os deveres impostos pelo matrimônio.
O padre é o ministro oficial do batismo. Em caso de premente necessidade qualquer pessoa pode ministrá-lo, desde que tenha a intenção de fazê-lo, utilizando a fórmula: “Fulano de tal, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, usando água natural, necessária para comunicar o novo renascimento.
Num próximo artigo pretendemos tratar da água batismal que é benta no Sábado Santo, na vigília pascal ou vigília de Pentecostes. Ou, na falta da água batismal, em outra ocasião abençoa-se com água natural utilizando-se outra fórmula breve. Até lá.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

As Netas de Deus (final)
                                                                     *Pe. David Francisquini

Ninguém de nós duvida da promessa feita por Nosso Senhor, de que permaneceria com a Igreja até a consumação dos séculos e que as portas do inferno não prevaleceriam contra Ela. Com efeito, a assistência do Espírito Santo se difunde em todos os campos da vida da Igreja, que é o próprio Corpo Místico de Cristo.
Como nos ensina Plinio Corrêa de Oliveira, “em suas instituições, em sua universalidade, em sua insuperável catolicidade, a Igreja é um verdadeiro espelho no qual se reflete nosso Divino Salvador”.
Também na sua exterioridade – na arquitetura, na escultura, na pintura, na música etc. – a Igreja deve refletir as perfeições de seu divino Fundador, impregnando com elas as almas dos fiéis. É por isso que as boas obras de arte são uma expressão da Verdade, do Bem e do Belo, cujo absoluto é Deus, e que as obras de arte extravagantes são o contrário disso...
São ainda expressões de Deus – ou Suas “netas”, porque “filhas” dos homens – o som do órgão ou do canto gregoriano, a pintura sacra retratando passagens bíblicas, tudo em harmonia perfeita para nos fazer crescer no amor do Criador e nos preparar para a vida eterna, quando contemplaremos Deus face a face.
Portanto, negar as imagens é negar essa ação e a própria atuação do Espírito Santo. Ele conduz a Igreja a cumprir sua missão aqui na terra. Ademais, elas servem também para assinalar a diferença entre a verdadeira Igreja de Jesus Cristo e as seitas protestantes. Não se trata de idolatria, mas de expressão visível do ensinamento do Divino Espírito Santo.
Romper com isso corresponde romper com a Igreja, una, santa, católica, apostólica, romana. Por isso, São João Damasceno, polemista de renome e de grande cultura teológica, afirma que no Antigo testamento Deus nunca fora representado em imagens, uma porque era incorpóreo e sem rosto.
Contudo – continua o santo oriental –, tendo Deus se encarnado e habitado entre nós, não só podemos, mas devemos representar aquilo que é visível em Deus. Fazendo-o não veneramos a matéria, mas o Criador da matéria. Na verdade, Ele se fez matéria por nossa causa e se dignou habitar na matéria e realizar a nossa salvação através da matéria.
São palavras de São João Damasceno: “Não cessarei de venerar a matéria através da qual chegou a minha salvação. Não a venero de modo algum como Deus! Como poderia ser Deus aquilo que recebeu a existência a partir do não-ser? [...] Mas venero e respeito também a matéria que me propiciou a salvação, enquanto plena de energias e de graças santas”.
Não é por acaso matéria o madeiro da Cruz três vezes santa? E a tinta e o livro santíssimo dos Evangelhos não são igualmente matéria? E o altar da salvação que nos dispensa o pão de vida não é matéria? Não é verdade que a carne e o sangue do Nosso Senhor Jesus Cristo são da mesma forma matérias?
Portanto, não ofenda a matéria. Ela não é desprezível, porque nada do que Deus fez é desprezível (Contra imaginum calumniatores, I, 16, Ed. Kotter, pp. 89-90).

domingo, 29 de maio de 2011

AS “NETAS DE DEUS” (II)



*Pe. David Francisquini


Sempre com fundamento na doutrina católica, damos hoje prosseguimento à matéria sobre a liceidade da veneração de imagens a partir da vinda à Terra do Filho de Deus, encarnando-se no ventre virginal de Maria Santíssima. Segundo São João Damasceno, Aquele que era e é invisível para nós se torna assim visível.
Com efeito, prossegue o Padre oriental da Igreja, uma das grandes figuras do cristianismo, não só da época em que viveu [séc. VII e VIII], mas de todos os tempos: Aquele que é puramente espiritual se torna carne e vive entre nós. É o instrumento que Deus nos deu para nossa redenção e salvação.
Esta nova aliança com o gênero humano Deus a quis selar tornando-se Ele próprio membro integrante desse gênero pela união hipostática.
Cientistas analisaram a mortalha com que Cristo fora envolvido no Santo Sepulcro, conhecida como Santo Sudário de Turim. Nela se encontra portentosamente a figura do divino corpo. As chagas nele impressas são de tal modo visíveis, que escultores puderam talhar em madeira uma reprodução exata de Cristo morto e pregado na cruz.
Numa época como a nossa, adiantada em conhecimento técnico e científico, mas decadente e sem fé, as descobertas no Santo Sudário vieram confirmar tudo aquilo que fora narrado nas Sagradas Letras: Cristo padecendo e morrendo por nós, mostrando ao mundo inteiro que Ele quis nos deixar a sua figura Sagrada impressa naquele tecido.
Ainda na Paixão, o gesto de coragem e dedicação de Verônica ao enxugar o rosto de Cristo foi recompensado com a impressão miraculosa da Santa Face do Salvador na toalha. Todas as relíquias da Paixão - a Santa Cruz, os cravos, a coroa de espinhos - merecem atos de adoração por pertencerem ao Homem-Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade.
O culto de latria, ou de adoração, é prestado somente a Deus. Aos santos são prestados cultos de dulia, ou seja, culto de veneração, de homenagem feita ao próprio santo por ser amigo de Deus. E o culto que se presta a Virgem Santíssima é o de hiperdulia, pelo fato de ser Ela a mãe de Deus por obra do Espírito Santo.
Lembramos mais uma vez que não existe na Igreja adoração de imagens de santos, da Santíssima Virgem, e nem mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nós católicos as veneramos, as tratamos com respeito, rendemos-lhes as devidas homenagens, porquanto elas nos animam e nos incentivam na fé, na devoção e na piedade.
Se precisarmos falar com um chefe de Estado, o expediente mais simples consiste o mais das vezes em fazê-lo através de um de seus ministros, ou mesmo de um amigo próximo dele, para assim alcançarmos o mais rapidamente possível o almejado.
Analogamente, ao rezarmos diante de uma imagem de determinado santo, nós o focalizamos enquanto amigo e intercessor junto a Deus. No Ritual Romano, a Igreja tem bênçãos especiais para que tais objetos se tornem sagrados.
Deixo mais uma vez a promessa de voltar ainda ao assunto na primeira ocasião.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

AS “NETAS DE DEUS”



                                                                                                                    * Pe. David Francisquini


Assim como se cunham moedas para distinguir e enobrecer personagens ilustres, ou ainda para ressaltar acontecimentos históricos e simbólicos da ordem temporal, com todo o propósito podem-se esculpir ou pintar imagens daqueles que se distinguiram pela virtude e santidade na ordem espiritual.
A filosofia nos ensina que sendo o homem composto de corpo e alma, nenhuma idéia ou imagem chega à sua inteligência sem antes passar pelos sentidos. Com esse pressuposto, a pedagogia católica não encontrou melhor maneira de lembrar e perpetuar a santidade de uma pessoa do que a retratando através de sua pintura ou escultura.
Por exemplo, quanto mais requintada for uma pintura ou escultura representando as três pessoas da Santíssima Trindade tanto maior será a idéia que o homem poderá fazer delas – dentro, evidentemente, do limite da compreensão do incompreensível. E, guardadas todas as abissais proporções, análoga lembrança poder-se-á aplicar também aos justos filhos de Deus.
Como conhecer um justo nesse mundo? – Aquele que segue ou procura seguir estritamente a vontade de Deus. São José, por exemplo, foi qualificado pelas Escrituras como varão justo. Outros personagens se sobressaem de tal modo na prática amorosa da Santa Lei que se tornam amigos íntimos de Deus, luzes reflexas do próprio Deus.
Na sua sabedoria infinita, o Criador enriqueceu a natureza com uma grande variedade de seres, cada qual retratando uma de suas facetas. Isso para que esses seres não apenas atendessem aos divinos desígnios, mas para servirem de constante convite ao homem para se elevarem à Causa das causas e assim conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo neste mundo.
A pintura e a escultura – “netas de Deus”, na linguagem de Dante Alighieri – são produtos da inteligência do homem que ao enriquecerem com sua beleza os templos sagrados concorrem para o enriquecimento da piedade e da devoção dos fiéis, elevando-os a Nosso Senhor.
Quando moldadas pela piedade e pelo bom espírito, tais obras ficam impregnadas de bênçãos, atuando às vezes por obra do Espírito Santo no íntimo dos corações dos pecadores e movendo-os a mudar de vida.
O próprio Templo de Jerusalém – a Casa de Deus por excelência no Antigo Testamento – era adornado por inspiração divina com uma enorme diversidade de símbolos: palmeiras, a Arca da Aliança, as Tábuas da Lei, a vara de Aarão, os querubins, e tantas outras figuras para lembrar a vinda do futuro Salvador do mundo.
Inclinados infelizmente à idolatria, os hebreus recorriam sempre a esta prática criminosa erigindo e cultuando criaturas em lugar de Deus. Preocupada com a idolatria e mesmo com o panteísmo do povo escolhido, a pedagogia divina no Antigo Testamento tomara todo o cuidado para evitar que as almas fossem influenciadas por tal concepção errônea.
Sendo Deus invisível, absoluto, transcendente, puramente espiritual, dotado de inteligência perfeitíssima e de vontade santíssima, era de certo modo inacessível ao povo hebreu. Daí decorria para eles de um lado a necessidade psicológica de confeccionar imagens, e de outro a proibição de o fazerem, a fim de evitar a idolatria, prática comum no Antigo Testamento.
Com fundamento na doutrina da Santa Igreja e nos seus santos, pretendo no próximo artigo justificar a confecção de imagens a partir da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Até lá.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Façam soar as trombetas!



Padre David Francisquini

No Sábado Santo, vigília da Ressurreição, entre outras cerimônias como a bênção do fogo e a solene procissão do Círio, há o cântico solene da proclamação da Páscoa, chamada na linguagem litúrgica de Precônio Pascal.
Todo o ritual se reveste de muita luminosidade. A coluna de fogo, representada pelo Círio Pascal, nos eleva a um patamar tão alto que toca no próprio Deus. A música solene dignifica e exalta a grandeza do divino Rei, que ressuscitado e na plenitude de sua majestade e poder se levanta da sepultura.
A cruz do Círio exalta a Deus como princípio e fim de todas as coisas, dominador da glória e do império, do tempo e dos séculos, pois Cristo ressurgiu dos mortos, glorioso e triunfante, com as cinco chagas representadas pelos cinco grãos de incenso. Chagas gloriosas que brilham como sóis a colocar em fuga as trevas deste mundo.
Nesse contexto, a voz solene do cantor entoa o Exultet, hino cheio de grandeza e majestade, que se prorrompe em júbilo, convidando as miríades de anjos do céu a exultar de alegria e celebrar com o clangor de suas trombetas os divinos mistérios da vitória de tão grande Rei:
“Exulte o céu, e os anjos triunfantes,

Mensageiros de Deus desçam cantando.
Façam soar trombetas fulgurantes,
A vitória de um Rei anunciando.” [...]


Após ter celebrado e acompanhado as cerimônias tristes, mas belas e ricas de significado da Semana Santa, a Terra inteira se vê iluminada pelos raios que o Rei ressuscitado esparge sobre as almas regeneradas pela ação da graça.
Cristo morre pelos pecados do mundo e ressuscita para manifestar e provar que é o rei da vida e da morte. Ele se debate num duelo persistente e aguerrido, levantando-se da sepultura como rei imortal, glorioso e impassível, triunfador da morte, do pecado e do demônio.
Enquanto de um lado o cantor exalta a grandeza do Rei, de outro ele implora para que o povo fiel obtenha um raio de misericórdia e bondade, para que possa humildemente cantar, louvar e bendizer a Jesus Cristo. Com o afeto do espírito, o canto prossegue, louvando a Deus e ao seu Filho Unigênito, que se dignou vir até a Terra para redimir com o seu precioso sangue a culpa de Adão.
Como outrora os filhos de Israel foram libertados do Egito cruzando a pé enxuto o Mar Vermelho, Cristo dissipou as trevas do paganismo com o fulgor de seus exemplos, de sua doutrina e de seus milagres. E nessa noite verdadeiramente santa de sua Ressurreição, o mundo inteiro foi arrebatado, vendo-se livre dos vícios e das trevas do pecado.
Que aproveitaria ao homem ter nascido se não tivesse sido resgatado? – pergunta o hino, que exclama o excesso do amor de Deus em relação aos homens, ao conceder-lhes tão grande Redentor para redimi-los de sua culpa. Exalta ainda a noite sagrada e ditosa, a única em conhecer o tempo e a hora em que Cristo ressurgiu dos mortos, saindo vitorioso do santo sepulcro.
Para reconhecer ainda mais a majestade dessa noite, canta-se cheio de júbilo: “E a noite será clara como o dia; e a noite será luminosa para me alumiar em minhas delícias.” A melodia recorda a santidade da noite que afugenta os crimes, lava as ofensas, restitui aos culpados a inocência e dá alegria aos tristes; extingue os ódios, restabelece a concórdia e submete os impérios a Deus.
Tenhamos presente que o sacrifício do Homem-Deus, renovado diariamente no altar como uma coluna de fogo acesa pelas mãos de seus ministros, não sofre nenhuma diminuição; pelo contrário, ele comunica a sua luz, porquanto o alimenta a cera que a abelha produziu para compor esse precioso facho.
A referida luminosidade ressalta a excelsitude de tão grandioso Rei, que ressuscitado veio trazer a luz da fé e o facho ardente do fogo do divino amor para fazê-los arder no coração dos homens e elevá-los à dignidade de filhos de Deus por adoção e participação.
Ao despojar os egípcios e enriquecer os hebreus, quer a Igreja significar que sendo Nosso Senhor Deus por natureza, quis tornar-se homem, enriquecer-nos dos dons celestes, quebrar os aguilhões da morte e arrebatar das mãos dos maus o timão da História pela instituição da Igreja como coluna e fundamento da salvação.