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sábado, 9 de janeiro de 2016


Maria e José: corte e serviço régios


*Padre David Francisquini


São Pedro Julião Eymard comenta que Deus Pai, ao enviar seu Filho à Terra, quis fazê-lo com honra, pois Ele é digno de toda honra e de todo louvor. Por isso Lhe preparou uma corte e um serviço régios. Deus desejava que seu Filho encontrasse recepção digna e gloriosa, se não aos olhos do mundo, pelo menos aos seus próprios olhos.

A corte do Filho de Deus compõe-se de Maria e de José. Com efeito, São Bernardino de Siena afirma que Maria foi a mais nobre das criaturas que jamais houve e haverá. São Mateus mostra que Ela é descendente de catorze Patriarcas, catorze Reis e catorze Príncipes. Também em São José desfechou toda a dignidade patriarcal, régia e principesca.

Jesus, Maria e José constituem o mais luminoso exemplo de vida e de instituição familiar, civil e religiosa. Ao lermos nos Santos Evangelhos e nos escritos dos Santos o que a piedade popular convencionou chamar com toda propriedade de Sagrada Família, podemos tirar lições profundas que à maneira de farol nos servem de guia em meio à tempestade.

Sim, em meio à procela que se abate hoje sobre os verdadeiros seguidores de Jesus Cristo, pois até Ele foi odiado no seu Presépio e ameaçado de morte, a ponto de a Sagrada Família se vir obrigada a buscar refúgio no Egito. “Que José tomasse o Menino e partisse para o Egito”, porque Herodes O procurava para matá-Lo.

Quando o anjo apareceu, José dormia, distante dos cuidados da terra e das preocupações mundanas. Somente ele, como chefe da casa, era digno de gozar das visões do alto. O embaixador celeste então lhe diz: “Levanta-te, toma o menino e a Sua Mãe”. Com estas palavras, o anjo reconhece outro título de Maria: Mãede Jesus, que é Deus.

Como chefe da família de Nazaré, José se apresenta incumbido de preservar os fundamentos de sua família, e com isto torna-se exemplo para todos os casais.

Ao levar Jesus e Maria para o Egito, José cumpria o que estava escrito na Escritura: do Egito chamei meu Filho. O próprio Jesus teve de fugir de seu povo para se abrigar junto a outro povo que outrora fora perseguidor dos hebreus. Assim agindo, José levava um remédio para curar os males que afligiram o Egito, como as dez pragas.

Nosso Senhor levou a luz para esses povos que estavam submersos nas trevas. José, ao partir com Jesus e Maria, saiu durante a noite, no meio das trevas. Ao voltar para a Judéia, ele o fez durante o dia porque aquelas preocupações haviam passado.

Como pai adotivo e esposo de Maria, competia a São José por direito conduzir o Menino Deus a diversas regiões, prefigurando os apóstolos que deveriam levá-Lo ao o mundo inteiro por meio da pregação. São Lucas descreve a ida do Menino, aos 12 anos de idade, com os pais a Jerusalém, ocasião em que se manifestou n’Ele a sabedoria.

Tendo a sabedoria se manifestado no Menino, e com ela a expressão da universalidade das coisas e dos tempos, a luz de Cristo chegou a todos os lugares em todos os tempos. Acabada a festa, o Menino deixou-se ficar em Jerusalém.

Ele quis assim Se ocultar, não para contrariar seus pais e deixá-los preocupados, mas para fazer a vontade do Padre Eterno. Sendo Jesus o Filho de Deus, objeto de tanto cuidado por parte de seus pais, como pôde ter sido esquecido? Cabe, porém, ressaltar o costume que há entre os judeus de que os homens e as mulheres podiam ir em comitivas distintas, enquanto os meninos podiam ir com o pai ou com a mãe.

Após três dias que pareceram uma eternidade, Jesus e Maria encontraram por fim seu Divino Filho. Ele estava no Templo, sentado entre os Doutores da Lei, que ora O escutavam, ora Lhe perguntavam, pasmos com a Sua sabedoria.

Maria manifesta a dor que sentia em seu coração: Teu pai e eu te procurávamos aflitos. E Ele disse:Não sabias que devo me preocupar com as coisas que são de Meu Pai? Para dar a entender que há em Jesus duas naturezas distintas: a divina e a humana.

Buscam e encontram o Menino no Templo, para amá-Lo e seguir os Seus ensinamentos. Saindo do Templo, encontramo-Lo no lar de Nazaré, levando a vida como um filho exemplar, ensinando-nos a humildade e a obediência, pois a obediência é o fundamento da vida cristã.

Assim se resume o restante da vida de Jesus na casa de Nazaré. Na obediência aos pais, ensinava a todos os homens que todo aquele que se aperfeiçoa na vida da graça e da virtude deve abraçar a obediência como meio infalível de se chegar ao bem. Ele se submeteu humilde e respeitosamente ao trabalho corporal.



Embora honestos e justos, seus pais eram pobres e tinham de buscar sustento para a vida com o próprio suor. E Jesus tomava parte nos trabalhos de seus pais obedecendo-lhes em tudo. A propósito, disse Santo Agostinho: “o jugo de Nosso Senhor tem asas que nos elevam acima da terra”.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

DEIXAI VIR A MIM AS CRIANCINHAS. MAS AI DE QUEM AS ESCANDALIZAR!

*Padre David Francisquini

Ao contemplar o Natal do Menino Jesus, vem-nos ao espírito uma atmosfera repleta de luz, bondade, ternura e elevação. A gruta, que outrora fora uma estrebaria, transformou-se no centro dos corações dos homens, pois foi ali que Deus se tornou menino para fazer parte da natureza humana e elevá-la ao mais alto grau, ao ápice da criação.
Um Deus que se faz criança – frágil, delicada, terna, nobre e real, pois é da dinastia de David – torna-se herdeiro de um trono, pois nasceu para reinar na sociedade, nos reinos, nas leis, na magistratura, nos governos e nos corações, alçando os homens à dignidade de seus filhos. Foi Ele quem disse que ninguém pode amar mais os seus do que quem dá a vida por eles.
Jesus é um lírio no campo, com todo o seu perfume e alvura. Por isso os anjos cantam no Céu a melodia que ouvimos na noite de Natal: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. Enquanto Ele se une às criaturas racionais, os benefícios do Deus-menino são estendidos a todos os seres animados e inanimados, mas, sobretudo, aos homens.
Certamente os pastores levaram suas crianças para adorá-Lo e oferecer-Lhe presentes. Em sua vida pública Jesus exclamou: "Deixai vir a mim as criancinhas, pois delas é o reino do céu". E também: "Quem escandalizar uma dessas criancinhas que creem em mim melhor lhe fora que atassem uma pedra de moinho e lhe atirassem nas profundezas do mar, pois os seus anjos veem a face do meu Pai que está no céu".
Natal! Como não pensar no Menino Jesus, na primeira Comunhão das crianças? Aquele que nasceu na gruta de Belém se torna nossa comida e bebida em nossos altares. Aquele que se reclinou no presépio quer se reclinar nos corações de todas as crianças que já completaram o uso da razão, mais ou menos aos sete anos, como ordenou o Papa São Pio X.
Para se entender melhor o Natal e a Eucaristia, bem como o amor que Cristo depositava nas crianças por causa de sua inocência e humildade, convém expor as palavras do próprio decreto que as admite à primeira Comunhão:
"As páginas do Santo Evangelho manifestam às claras o singular amor que Jesus Cristo teve aos meninos, durante os dias da sua vida mortal. Era suas delícias estar no meio deles; costumava impor-lhes as mãos, abraçava-os e abençoava-os. Levou a mal que os seus discípulos os apartassem dele, repreendendo-os com aquelas graves palavras: deixai que os meninos venham a mim, e não os proibais, pois deles é o reino de Deus (Mc 10, 13. 14. 16)”.
E continua: “E quanto estimava a sua inocência e a candura de suas almas, bem o manifestou quando, chamando a um menino, disse a seus discípulos: Na verdade vos digo, se não vos fizerdes como meninos, não entrareis no reino dos céus. Todo aquele que se humilhar como este menino, este é o maior no reino dos céus: e aquele que receber um menino tal como estes em meu nome, a Mim é que recebe (Mt 18, 3. 4. 5)".
Em confirmação ao que ensinou o Papa São Pio X, será citado o texto: "O centenário do decreto Quam singulari é uma oportunidade providencial para lembrar e insistir em que as crianças tomem a primeira comunhão tão logo atinjam a idade da razão, que hoje parece até ter-se antecipado. Não é recomendável, portanto, a prática cada vez mais comum de aumentar a idade para a primeira comunhão. Pelo contrário: é preciso antecipá-la ainda mais".
Essas palavras textuais são de autoria do cardeal Antonio Llovera Cañizares, então Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, e foram publicadas no  L'Osservatore Romano,  no dia 8 de agosto de 2010. Em 2005, o cardeal Dario Castrillón Hoyos, Prefeito da Congregação para o Clero, declarou por ocasião do Ano da eucaristia:
Não são poucos os que, ao lado de São Pio X, estão convictos de que essa prática de levar as crianças a terem acesso à primeira comunhão a partir da idade de sete anos trouxe à Igreja grandes graças. Não nos devemos esquecer, além de tudo, de que na Igreja primitiva o sacramento da eucaristia era administrado aos recém-nascidos, logo depois do batismo, sob a espécie de poucas gotas de vinho. Permitir que as crianças possam receber Jesus eucarístico o mais cedo possível foi, por muitos séculos, um dos pontos firmes da pastoral para os menores da Igreja, costume restaurado por São Pio X em sua época, e louvado por seus sucessores".
No Cânon 914 do Código de Direito Canônico é estabelecida a obrigação dos pais e

do pároco de cuidar para que as crianças, ao atingirem o uso da razão, se preparem convenientemente, a fim de se nutrirem o quanto antes desse alimento divino, após a confissão sacramental.  
Antecipar o máximo possível a idade para admissão das crianças pequenas à primeira comunhão e, por conseguinte, aos outros sacramentos. De um lado, pode ser a reafirmação do primado da graça, e de outro, pode evitar que os pais e as crianças percebam como um pedágio os longos anos de catequese preparatória. Diante da quantidade cada vez maior de adolescentes que se afastaram da prática cristã, não seria melhor confiar mais na graça que nos meios humanos? E não seria também melhor esperar que, mesmo que se afastem – o filho mais jovem da parábola evangélica também se afastou –, a memória dos sacramentos continue neles como uma coisa boa, e não como um esforço cansativo semelhante ao pagamento de um pedágio?”(Cfr. Paolo Mattei, in "Por toda parte a Igreja de Cristo se difunde graças a crianças santas")
Na memória do jovem da parábola, a casa do pai, ainda que distante, continuava a ser um lugar bom, ao qual de alguma forma ele sempre poderia regressar. Palavras de Santo Agostinho reconfortam tal esperança: "Quacumque in parvulis sanctis Ecclesia Christi diffunditur / Por toda parte, a Igreja de Cristo se difunde graças às crianças santas".
É extraordinário ressaltar a importância da comunhão para as crianças, no momento em que uma crise sem precedentes abala a sociedade, sobretudo a família, e transtorna os costumes morais.
Não menos urgente é preocupar-se com as crianças instituindo uma pastoral que não as afaste da comunhão, mas pelo contrário as atraia, pois aí estão as drogas, a criminalidade infantil, a prostituição, os maus exemplos, entre os quais os divertimentos eletrônicos e o acesso rápido à tecnologia da comunicação.
É mais fácil hoje a criança cair nas garras do demônio do que nos séculos XIX e XX,
pois os meios de perdição infantil estão a um click de computador. A única solução é a sagrada eucaristia, Jesus que se torna criança e quer para Si as crianças, antes que elas caiam nas garras de satanás.

O progressismo, ao afastar as crianças da Primeira Comunhão, ao aumentar a idade para que elas se aproximem da sagrada mesa, as perde para o mundo moderno. Devemos comemorar o Natal de Nosso Senhor nesta perspectiva, procurando o tribunal da confissão, a mesa da Eucaristia e, colocar em evidência como centro de toda a vida cristã paroquial, a eucaristia e a devoção à Nossa Senhora.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Maria Imaculada, obra-prima de Deus

Padre David Francisquini



Ao considerar o universo em sua unidade e variedade, em sua perfeição e esplendor, em sua hierarquia harmônica e matizada, não se pode deixar de admirar nas criaturas a grandeza sem medida de uma ordem perfeita e equilibrada. Na sua simplicidade e alvura, o lírio, por exemplo, foi enaltecido pelo divino Salvador, quando disse que nem Salomão em toda a sua pompa e majestade se vestiu como um deles.
O sol no seu esplendor faz as criaturas ser aquilo que elas são: um encanto inigualável para o próprio Criador, para os anjos e para os homens.  A gota de orvalho, que não existiria ou não seria vista sem a luz, constitui um pequeno mundo de maravilhas, sobretudo quando repousam sobre graciosas e coloridas pétalas de rosa, que nenhuma troca amistosa de cortesias emula em beleza, leveza e graça. O cristal puro e alvo, atravessado pelos raios do sol é capaz de transformar um ambiente num mundo de fadas. Assim Deus, na sua infinita sabedoria, criou o mundo para cercar o homem de perfeições e de maravilhas que fossem luzes reflexas d’Ele e assim tributar-Lhe as devidas homenagens. Em outro patamar da hierarquia encontram-se as pedras preciosas e semipreciosas, como o jaspe, a esmeralda, a ametista, o brilhante, entre outras.




 Entre os metais, o ouro e a prata são símbolos que refletem realidades superiores, mais altas, mais nobres e distintas. Em seguida, podemos contemplar as flores, as plantas, os arbustos e as árvores. Em outro escalão as aves, os pássaros e tudo que enaltece a Deus e proclama a Sua magnificência dentro desta ordem inexcedível. Há, entretanto, algo mais além, pois tal ordem foi posta por Deus para refletir a Sua obra-prima, Maria Santíssima.



Para utilizar linguagem figurada e simbólica, a Mãe de Deus é um oceano de perfeições e de graças por ser Ela quem é. O grande devoto de Nossa Senhora, São Luís Maria Grignion de Montfort, ao descrevê-La assim se expressou: “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as graças e chamou-as Maria. Este grande Deus tem um tesouro, um depósito riquíssimo, onde encerrou tudo que há de belo, brilhante, raro e precioso, até seu próprio Filho; e este tesouro imenso é Maria, que os anjos chamam o tesouro do Senhor, e de cuja plenitude os homens se enriquecem”.


Convém ressaltar que Cristo, por ser Deus, não podia ter pecado original. Maria Santíssima foi isenta do pecado por um especial privilégio outorgado pelo próprio Deus, por ter sido eleita para d’Ele se tornar Mãe. Ao agir assim, a Santíssima Trindade fez o caminho inverso da primeira mulher que introduziu o pecado no Mundo por sua desobediência, dispondo que Maria fosse o contrário dessa mulher ao inocentá-La e isentá-La da nódoa do pecado original. O que Eva perdeu por orgulho e desobediência, Maria conquistou pela sua humildade e obediência, merecendo que o próprio Deus fizesse n’Ela maravilhas.
O Anjo Gabriel chamou-a de “cheia de graças” e Santa Isabel, de “bendita entre todas as mulheres”. A inteligência de Maria não se ofuscou, sua vontade não se enfraqueceu, e Ela nunca teve inclinação para o mal. Maria conquistou todas as graças e se tornou agradável a Deus. E pelo privilégio singular de ter sido concebida sem pecado, nasceu imaculada – portanto, com o direito, por nascimento e por conquista, à prerrogativa perfeita de ser Mãe de Deus, para que seu Filho redimisse o gênero humano das consequências do pecado original.
Após afirmar que todos pecaram em Adão, São Paulo sustenta com fundamento que, na vontade de Adão, como chefe e cabeça do gênero humano, estavam todas as vontades. Maria Santíssima, pertencendo à raça humana, pertenceu a uma raça pecadora, mas sem ter jamais pecado, pois Deus, por privilégio singular, A preservou no primeiro instante de contrair a nódoa original, já que era predestinada a ser a Mãe do Salvador do mundo. Repugna ao próprio Deus conviver e ser gerado por uma mãe pecadora, pois Jesus Cristo deveria ser a coroa e a perfeição de todas as criaturas.

Por isso a iconografia representa Maria Santíssima esmagando a serpente infernal e tendo os braços abertos para indicar que Ela trouxe o Autor da graça, o Redentor divino que nos deu a redenção e abriu as portas do Céu. No dia 8 de dezembro, o Papa Pio IX proclamou solenemente o dogma de sua Imaculada Conceição. Com estas palavras presto o meu tributo filial à Mãe de Deus, pedindo-lhe que vele por todos os leitores. 

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

“Ser ou não ser, eis a questão”


*Padre David Francisquini  



São Pio X fulminou o Modernismo como uma anátema.

O Modernismo se metamorfoseou no Progressismo.


Segundo a Palavra revelada e o Magistério perene da Igreja, para haver unidade familiar é imperativo que o vínculo matrimonial seja indissolúvel. Este princípio, vincado até cerca de cinco décadas atrás no espírito dos fiéis católicos, vem se evanescendo em decorrência da revolução cultural que se opera desde então na sociedade civil, bem como do tsunami progressista que faz devastações na esfera religiosa.

Como pároco de uma cidade de porte médio no Norte fluminense, o assunto vem constantemente à baila no meu dia-a-dia, quando fiéis me pedem uma palavra clara que lhes dissipe dúvidas e não poucas perplexidades diante do que vem ocorrendo ultimamente.

Devido a um difuso, mas não menos real patrulhamento ideológico de certos lobbies, não tem sido tarefa fácil para um pastor tratar de púlpito — ou seja, alto e bom som — a respeito do vínculo matrimonial.

Talvez seja essa a razão do silêncio enigmático de muitos confrades sacerdotes sobre matéria tão importante para a vida da Igreja e da sociedade.


Por exemplo, o fato de se deixar aberta a porta dos fundos de uma igreja para que pessoas recasadas ou divorciadas possam entrar para receber a eucaristia — conforme disse recentemente em sólida e corajosa declaração de D. Athanasius Schneider (bispo de Astana, Cazaquistão) — parece-me procedimento análogo ao de alguém que deixa semiaberta a porta de sua casa, facilitando assim a vida do assaltante.

Tal procedimento equivaleria a sujeitar a verdade a conviver com o erro, a lealdade com a mentira e a virtude com o vício. Nesse conúbio espúrio, a verdade perderá o seu direito de se mostrar à luz do dia, do mesmo modo como uma moeda verdadeira é posta fora de circulação pelo advento de uma moeda falsa.

Se recorrermos à filosofia, essa convivência viola cabalmente o princípio de não- contradição, o qual afirma que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Nosso Senhor disse que ninguém pode servir a dois senhores, pois cedo ou tarde haverá de amar um e odiar o outro, e vice-versa.

A essência de toda a verdade nos obriga a nunca tolerar o princípio que a contradiz, pois afirmar uma coisa equivale a rejeitar a que se lhe opõe. Assim como a luz recusa as trevas, a verdade exclui o erro.
Sínodo sobre a família


Fala-se muito hoje de pastoral. O Concílio Vaticano II pretendeu-se tal, e não dogmático. O recente Sínodo sobre a família, realizado na Cidade Eterna em outubro último, transcorreu sob o signo da pastoral, mas certo número de seus participantes procurou valorizar vivências contrárias à doutrina católica, considerada muitas vezes uma espécie de letra morta.

Com efeito, a verdadeira pastoral não constitui um alheamento das questões relativas à fé, à moral e à doutrina, mas visa sempre resgatar o pecador da má vida. É a procura da ovelha desgarrada para trazê-la de volta ao redil.

Como sempre ensinou a Igreja, a moral não varia com a história e a geografia. E não podendo Ela fazer abstração da vida do pecador, impõe-lhe condições para se aproximar da sagrada mesa — fonte da vida —, como a necessidade de se encontrar em estado de graça, isto é, na amizade com Deus. A Igreja, como mãe, coloca-se dia e noite à disposição do pecador através do sacramento da confissão.

Não se pode alegar simplesmente a misericórdia e o perdão de Deus para que os pecadores comunguem sem a confissão e o propósito de emenda, pois seria induzi-los a práticas sacrílegas, considerando que o estado de graça é condição sine qua non para a recepção da comunhão. Esta máxima valeu, vale e valerá sempre em todos os tempos e lugares. Portanto, a afirmação de algo que contradiga a própria verdade objetiva, ou insinue algo diferente dela, equivale a negar o princípio de não-contradição.

A inflexibilidade em matéria religiosa é norma elementar, enraizada e profunda, pois se não estivéssemos com a verdade não seríamos inflexíveis em relação ao erro. Não podemos ao mesmo tempo agradar o mundo e seguir a Igreja, sob pena de sofrermos a recriminação e a ameaça feita ao servo infiel da parábola dos talentos. O mundo está todo posto no maligno, alerta Nosso Senhor.

A verdade é filha do Céu, ela não pode capitular diante do erro e dos vícios. Não obstante, percebo que causou estranheza e perplexidade ao comum dos fiéis a insistência de certo número de Bispos, no recente Sínodo, em distribuir a sagrada Eucaristia aos divorciados e recasados, e até, em alguns casos, a escancarar as portas para duplas do mesmo sexo. Segundo alguns, é o fim do mundo. Para outros, em vez de defender, sem meios termos, a família, o pouco claro Relatório Final do Sínodo passou a representar uma ameaça para ela e para os bons costumes. Outros ainda viram nele mais um desmoronamento no longo processo de autodemolição da Igreja. Os fiéis, de modo geral, não têm claro que esse documento não é magisterial.

Mais do que o próprio Sínodo, foi o acontecimento em si que desfigurou e contradisse o comportamento da Igreja para com o pecador público, pela falta de equilíbrio ao ressaltar muito mais a misericórdia do que a justiça. Os inovadores opinam que diante de diferentes realidades e culturas, torna-se impraticável a observância de um princípio geral, pois para que cada princípio possa ser observado, antes ele deve ser inculturado. Isto nos leva a concluir que tais inovadores desejam a consolidação de um princípio relativista.

Se cada bispo aplicar o princípio e a doutrina apenas segundo determinado contexto dos hábitos e costumes vigentes em seus respectivos continentes, povos, países ou dioceses, a Santa Igreja perderá,ipso facto, duas de suas características essenciais: Ela deixará de ser una e de ser católica, isto é, universal. E as dúvidas e perplexidades do “menu peuple de Dieu” só aumentariam: A Igreja teria mudado? Os seus princípios, a sua doutrina, a suas leis deveriam adaptar-se a cada lugar, a cada povo?

Como ficaria a universalidade da Igreja, que possui a mesma doutrina, a mesma fé, os mesmos sacramentos, os mesmos ensinamentos, e uma pastoral coerente com esses princípios? Afinal, Ela não pode e não deve discrepar daquilo que Jesus Cristo sempre ensinou pelo Magistério perene. Jamais se poderá, em nome da misericórdia, contrariar a Igreja instituída por Jesus Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra Ela. Dar-te-ei as chaves do Céu, tudo o que ligares na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”.
Padre Pio Brunone Lanteri


Alguém poderia objetar que, caso o Papa quisesse, ele poderia mudar tudo na Igreja. A essa pessoa, pouco versada na teologia católica, eu lembraria as sábias palavras do venerável Padre Pio Brunone Lanteri [quadro ao lado]: “Mas objetar-se-á que o Santo Padre tudo pode: ‘quodcumque solveris, quodcumque ligaveris etc’. É verdade, mas ele não pode nada contra a divina constituição da Igreja; ele é Vigário de Deus, mas não é Deus, nem pode destruir a obra de Deus” (Scritti e documenti d’Archivio,II, “Polemici-Apologetici”, Edizione Lanteri, Roma-Fermo, 2002, p. 1024).

Se o nosso objetante conhecesse um pouco melhor a doutrina católica, saberia que também o Papa, os bispos e os sacerdotes devem, como todo fiel, respeitar as leis natural e divina, das quais o Papa é o guardião supremo por mandato divino.Ninguém pode mudar a regra da Fé nem a constituição divina da Igreja — os sete Sacramentos, por exemplo — da mesma forma como os soberanos temporais não podem mudar as leis fundamentais do reino. Ao violá-las, como lembra Bossuet, “abalam-se todos os fundamentos da terra”.

Cabe indagar a razão pela qual tanto se faz para regulamentar, no âmbito da Santa Igreja, muitas situações de desajuste referentes à vida conjugal. Para tanto, procura-se alargar e atualizar o conceito de família em detrimento do ensinamento deixado por Nosso Senhor: “Não separe o homem o que Deus uniu”.

A união de um homem com uma mulher, perante a Igreja, tem o caráter de indissolubilidade sacramental. Ninguém pode dissolver o vínculo entre batizados. O que se pode é verificar se alguma causa fez com que o vínculo não existisse; então a Igreja declara que o casamento é nulo (é uma declaração e não uma anulação), pois nem o Sínodo dos bispos nem qualquer outra instância eclesiástica tem autoridade para mudar a doutrina da Igreja.
O que Deus uniu não separe o homem


Ademais, é oportuno aduzir o que explana o bem fundamentado trabalho a respeito do Sínodo Opção preferencial pela Família:


“O Sínodo não tem autoridade para alterar a disciplina da Igreja em matéria de casamento e de família. Somente o Romano Pontífice pode fazê-lo, e em todo caso sempre em coerência com a Verdade revelada e para a salvação das almas.

“A disciplina não pode ser tida como realidade meramente humana e mutável, mas tem um significado muito mais amplo. A disciplina inclui também a Lei divina, como os Mandamentos, que não são sujeitos a alterações, ainda quando não sejam de natureza diretamente doutrinária; o mesmo pode ser dito de todas as regras do direito divino”.

“A disciplina compreende muitas vezes tudo o que o cristão deve considerar como compromisso de vida para ser um discípulo fiel de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Opção Preferencial pela Família – 100 perguntas e 100 respostas a respeito do Sínodo, pp. 9 e 11, Edizioni Supplica Filiale, Roma, 2015).

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

                Crise da Igreja, crise do Brasil

Padre David Francisquini

São José de Anchieta
Com a perceptibilidade própria de um profeta, José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil, assim vaticinou o papel de nosso país no concerto das nações sul-americanas: “A terra em que sopra o Sul conhecerá o Teu nome, e ao mundo austral advirão os séculos de ouro, quando as gentes brasílicas absorverem Tua doutrina”. Com efeito, pode-se dizer que o Brasil nasceu à sombra da Cruz e com ela cumprirá a sua missão.

Qual pêndulo que move a engrenagem que marca as horas da História, desde seu nascedouro o Brasil teve de enfrentar lutas, guerras, batalhas de toda ordem para manter-se fiel à sua vocação. Ora contra os calvinistas franceses que desejavam implantar aqui a França Antártica, ora contra os holandeses tomados de ódio ao catolicismo, ora opondo-se à resistência de nativos que tentavam formar uma corrente contrária à evangelização.
Esquadra de Cabal
Fiel ao mandato de Portugal – que apesar de pequenino se destacara como nação propagadora da fé e do império –, Pedro Álvares Cabral, sob a égide da Cruz de Malta, avistou o Monte Pascoal no litoral da Bahia e ali aportou, chamando a terra descoberta de Vera Cruz, e, depois, Terra de Santa Cruz. O Brasil nasce sob o influxo da Cruz e diante dela foi celebrada a primeira Missa.
Os indígenas se avolumavam em torno de grande cruzeiro e do franciscano, e seguiam juntamente com os descobridores os movimentos do rito sagrado da Missa, que renovava de modo incruento o sacrifício da Cruz. A partir de então começaram a chegar evangelizadores para difundir a fé, os bons costumes e a doutrina deixada por Jesus Cristo, povoando a nova terra de cristãos para a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Desembarque de Cabral em Porto Seguro
O objetivo principal dos evangelizadores era fazer dos silvícolas novos cristãos e com isso lhes conceder a maior nobreza que um homem pode receber nesta terra. Batizavam, aproximavam as crianças e os jovens dos sacramentos da confissão e da eucaristia, da assistência frequente à Santa Missa, ensinavam hinos aos índios, que assim alimentavam sua piedade e sua fé, ministravam o catecismo, enfim, pregavam o Evangelho de Jesus Cristo.
Os ministros de Deus se preocupavam em ensinar, formar e educar os indígenas na santa religião, para que pudessem viver bem nesta terra e depois conquistar o Céu. Recurso de grande importância enquanto instrumento da propagação da fé e da boa doutrina, bem como para saber portar-se com nobreza e distinção no convívio social, foi a representação de pequenas peças de teatros promovidas por Anchieta.
Primeira Missa celebrada no Brasil pelo Frei Henrique de Coimbra
Com tal obra de apostolado, os evangelizadores criavam um ambiente psicológico para que os índios pudessem compreender o esplendor e a grandeza do nome cristão. Além da religião, eles procuravam constituir povoados por onde passavam, a fim de contribuir para a vida social civilizada, mesclando-se portugueses e indígenas pelo laço do matrimônio indissolúvel. Os missionários procuraram extirpar a poligamia, a libertinagem, o infanticídio, o canibalismo, as superstições e os cultos satânicos.
Jesuítas catequizando os índios
Os autóctones começaram a viver de maneira digna e nobre. Com isso, em todos os lugares foram constituídos igrejas, capelas, basílicas, mosteiros, casas religiosa e conventos, onde todos podiam cultuar o verdadeiro Deus. Pode-se compreender que por tão grandes feitos o Papa Leão XIII, em 1892, na encíclica “Quarto abeunte saeculo” (Transcorrido o quarto século), tenha qualificado de “façanha mais grandiosa que hajam podido ver os tempos”.
Com efeito, as sementes lançadas pelos evangelizadores da religião cristã vicejaram e frutificaram ao impregnar a atmosfera de uma brasilidade sacralizada que só a Igreja Católica podia proporcionar. Ou seja, os brasileiros foram agraciados por um clima de bênção, de bondade, de doçura, de bem-estar, de harmonia, de equilíbrio, de valor, de empreendimento e de esperança, sem lhes faltar vigor e espírito de luta.
Evangelização dos silvícolas  
Nóbrega e Anchieta foram os expoentes da verdadeira evangelização que fez do Brasil a maior nação católica do mundo. Há muita felicidade em ser brasileiro e muito bem-estar entre os que aqui escolheram para residir e viver. Anchieta e Nóbrega estão nas antípodas da ‘nova evangelização’ empreendida pelo Conselho Indigenista Missionário-CIMI, que não faz senão descaracterizar a identidade e o temperamento nacionais.
Na verdade, tal evangelização não evangeliza, pois seus “missionários” fazem parte de um movimento revolucionário católico-progressista incrustado no seio da Igreja, o qual não visa mais converter, e sim incrementar a luta de classe, violar os mandamentos ‘não roubarás’ e ‘não cobiçarás as coisas alheias’; numa palavra, visa apenas esborrifar gases venenosos do ateísmo marxista. Não seguem a filosofia de Jesus Cristo, mas a de Marx.
Em seu célebre livro Tribalismo Indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil do Século XXI, Plinio Corrêa de Oliveira denuncia o desvirtuamento e a meta da nova evangelização, ao afirmar que “em nossos dias, uma poderosa corrente missionária [...] visa precisamente o contrário: proclama o estado dos silvícolas como a própria perfeição da vida humana, opõe-se à integração dos silvícolas na civilização, afirma o caráter secundário – quando não a inutilidade – da catequese, e não poupa crítica à ação dos grandes missionários de outrora, nem mesmo a de Nóbrega e Anchieta, os quais o Brasil todo venera”.
E prossegue o atilado e combativo líder católico: “Do fundo de nossas selvas, esses neomissionários lançam apelos em prol da luta de classes, que desejam ver corroendo, até às entranhas o Brasil civilizado. O estudo do pensamento dessa corrente neomissiológica é indispensável para quem queira conhecer a grande crise da Igreja no Brasil e compreender de que maneira essa crise tende a contagiar o país, transformando-se, de crise da Igreja, em crise do Brasil”.
Dom Tomas Balduíno, que foi bispo de Goiás e presidente do CIMI, chegou a apregoar: “A convicção profunda dos missionários ligados à Igreja é que estes povos (e eu estou pensando, por exemplo, nos povos indígenas) são os verdadeiros evangelizadores do mundo. Nós, os missionários, não vamos a eles como quem leva uma doutrina ou uma evangelização que o Cristo nos trouxe e confiou, e que nós revestimos com ritos civilizados e cultos”.
Dom Tomás Balduíno com sua nova missiologia 
Prossegue Dom Balduíno: “Vamos a eles sabendo que o Cristo já nos antecedeu no meio deles, e que lá estão as ‘sementes do Verbo’. Temos a convicção de que eles vivem o Evangelho da Boa-Aventurança. E de que por isso se impõe a nós uma conversão às suas culturas, sabedores de que a Boa Nova do Evangelho se encarna em qualquer cultura”.

Que o leitor tire as suas próprias conclusões.