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domingo, 20 de março de 2022

 

O relojoeiro, o relógio e a hora de Deus

Padre David Francisquini

 

Não há quem não tenha perplexidades em relação ao estilo de vida a que somos obrigados a viver. Não se detém para elevar a mente a Deus, pensar como se vive, quem nos impôs ou nos impõe este corre-corre no qual nunca encontramos tempo para nos dedicar àquilo que realmente importa. Às vezes penso que diante de Deus o mundo moderno é uma máquina para distrair o homem de seu verdadeiro fim, no mais das vezes coadjuvado pela maldade inata, em decorrência de nosso pecado original.

Com tais pensamentos me veio a lembrança a fábula do bom relojoeiro que, tendo feito um belo e artístico relógio o pôs à prova, ou seja, experimentar se além de seu engenho e arte ali aplicado ela atenderia o fim para a qual foi realizada, isto é, marcar o tempo em horas, minutos e segundos. Mas o seu relógio, por um capricho qualquer, contrariando os planos de seu idealizador, se negou a cumprir a missão.

E quem ficou ‘provado’ foi o relojoeiro, que perplexo se perguntou de que lhe servia um relógio que não marca as horas, mas, por condescendência, ainda o deixou num bom lugar em seu ateliê. Se isso aconteceu com um relógio, figuremos obra do Criador que tudo fez perfeito, ordenado, para que cada criatura atendesse retamente o seu fim, em harmonia com o universo, concorrendo ao mesmo tempo para refletir as Suas perfeições infinitas.

Entre as criaturas, o homem moldado à imagem e semelhança do Criador, colocado num lugar ímpar do universo, porque além da matéria ele é também espírito, ou seja, um resumo do próprio universo. Para entendermos isto é fundamental considerar algumas noções básicas, como saber que todo ser tem uma finalidade única, simplesmente por ser criatura.

Se os homens agissem retamente, cumprindo com o fim para os quais foram criados, procurariam edificar uma sociedade que amasse perfeitamente a Deus. Historicamente isso aconteceu. Foi durante o tempo em que desabrochou a doce primavera da fé, nos séculos XII e XIII, ou seja, na Idade Média. Aliás, os homens não faziam mais do que a sua obrigação de atender o seu fim, e tinham o cêntuplo nessa vida, pois eram felizes.

Como se tornou diferente o homem moderno que vive como se Deus não existisse e até O negando ou mesmo blasfemando contra Ele, quando não O declarando morto. Como o relógio da fábula, o homem também movido por um capricho consciente e, portanto, culposo, se negou e se nega no mais das vezes a cumprir o fim para o qual foi criado. Consequência: Além de ser infeliz na terra o será ainda mais na eternidade.

Bastaria o Catecismo para mostrar o valor do homem. Ele ensina que fomos criados para conhecer, amar e servir o nosso Deus neste mundo, e depois, como prêmio, termos o céu por toda a eternidade. Com efeito, não faz sentido que seres racionais e possuidores de uma alma imortal, honrados com a encarnação do Filho de Deus, dignificados com o Seu precioso Sangue se rebelem contra o seu Criador, mas é o que aconteceu com os nossos pais de quem somos herdeiros.

Numa palavra, o homem foi criado para um fim sublime, ou seja, para a glória de Deus, cada qual no estado de vida que escolheu por vocação divina. Foi-lhe pedido apenas que fizesse a vontade do Criador, cumprindo a sua Lei, os Mandamentos. Assim procedendo ele teria paz e prosperidade como a conheceram os medievais. Hoje, ao negar obediência e submissão a Deus ele só pode encontrar desolação e aflição de espírito, o que lhe traz imensa infelicidade.

Pintura representando uma cidade medieval

Orgulhoso e sensual, o homem hodierno não se move senão para caminhar em direção contrária às apontadas por Deus, assemelhando-se ao relógio do conto, ou ainda pior, aquela outra criatura que, ao receber a prova, lançou um brado de revolta, o “non serviam”, o não servirei, que ecoará por toda eternidade. Isso pode-se passar com o indivíduo como nos grandes acontecimentos como nessa boçal agressão da Rússia à Ucrânia.  

Com efeito, qualquer conflito na política internacional atual causa grande inquietação em todo o orbe, não apenas em razão dos danos financeiros e econômicos, mas o receio de serem utilizados armamentos atômicos. Com efeito, a injusta invasão da Ucrânia pela Rússia causa não poucas apreensões. Nesse contexto, é oportuno recordar que Deus se utiliza dos nossos desvarios para punir a própria humanidade.  

Mais do que nunca podemos entender por que Nossa Senhora em Fátima se referiu duas vezes à Rússia em suas aparições em Portugal. Aliás pouco antes de o comunismo se implantar lá. A primeira, enquanto sendo flagelo de Deus para castigar os homens que se afastaram dos ensinamentos de seu Filho e da Igreja. A segunda, foi a referência à conversão da Rússia, seguida pelo triunfo de seu Imaculado Coração.

O que salta aos olhos é que tanto a crise interna que assola a Igreja quanto a tensão internacional crítica entre as nações parecem anunciar que uma iminente guerra se espalhará pelo mundo, pois Putin não se contentará em escravizar apenas mais uma nação, mas seguramente dará azo às suas pretensões expansionistas de caráter revolucionário, partindo para outras aventuras. Além dele, temos a China, aliada do neocomunismo russo, que também constitui outra ameaça. Ainda agora o mundo padeceu e ainda padece com os efeitos do vírus proveniente de lá...

Por outro lado, com atos de fé e heroísmo, a Ucrânia diz ‘não’ ao globalismo neocomunista de Putin, com a sua mentirosa defesa da família e de outros valores tradicionais da nossa fé. Tanto o globalismo dele quanto o globalismo liberal do Ocidente estão direcionados ao mundo socialista, igualitário e ateu da república universal.

cidade ucraniana de Mariupol
Mesmo porque, as mais profundas fímbrias da alma fiel aos mandamentos da Lei de Deus anseiam e bradam incessantemente por uma sociedade hierárquica e sacral, atributos da civilização cristã, em cuja atmosfera envolvente impera o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Rezemos, pois, a fim de que estejamos convertidos e preparados para o desfecho dos acontecimentos trágicos que já se realizam, bem como os que se prenunciam por vias dolorosas, porém necessárias, como necessária é a intervenção de Deus sobre este mundo que entronizou a impiedade. Será a realização das promessas de Nossa Senhora, a hora de Deus.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

 

Encanto e desencanto em tempo de COVID (II)

Padre David Francisquini


 

Como havia prometido, volto ao tema do artigo anterior, com o seu complemento indispensável. Com efeito, os fiéis clamam por ouvir de seus pastores palavras que ecoem as do divino Salvador, ávido de levar as almas para o Céu. Tal voz não pode faltar quando as almas mais se acham desamparadas.

Será que esses pastores puseram limites à vocação que o próprio Deus lhes deu? Atente-se para o que afirma o Concílio de Trento sobre a obrigação que lhes é imposta: devem providenciar e facilitar o acesso dos fiéis aos sacramentos, para que assim possam assegurar o seu destino eterno, ministrando-lhes, em caráter de urgência, não protelatório, sob pena de pecado grave, o sacramento da Extrema Unção ou Unção dos Enfermos.

Numa situação de pandemia como a atual, é triste ver que nenhuma voz se levanta em defesa dos fiéis hospitalizados nas clínicas. Contudo, o paciente tem direito a assistência ampla. Da parte das autoridades sanitárias não o permitir é extrapolar dos limites da mera atribuição médica, conforme veremos.

Assim procedendo, seja em hospitais particulares seja nos públicos, elas invadem a competência da autoridade espiritual e religiosa, mesmo que não a reconheçam, porquanto o ordenamento jurídico estabelece garantias desta natureza aos enfermos que desejarem cuidados espirituais.

Apresentar, no momento da internação, termos que impedem essa garantia, é aproveitar-se da fragilidade de quem não apenas se encontra doente, mas também de seus familiares, como foi o caso de um fiel que fui atender em Campos dos Goytacazes. Na verdade, não consegui chegar até ele, pois fui impedido de entrar, apesar de ter passado quase todo o dia na portaria do hospital.

O documento alegado não tinha e não tem valor jurídico, pois impede a liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal, razão pela qual entreguei o caso a um advogado, na expectativa de que ele conseguisse, por meios jurídicos, insistir no direito do paciente ao atendimento espiritual.

 Atitude como esta por parte das autoridades sanitárias não passa de uma tirania em nome da saúde, uma perseguição religiosa que se instala aos poucos no Brasil e no mundo. Na cidade vizinha de Itaperuna, um doente morreu sem assistência espiritual porque um padre também não pôde entrar na UPA onde ele se encontrava.

Diante de tais entraves, é de suma importância recordar ao público o que estabelece a nossa legislação. Graças a Deus, muitos advogados católicos, entre eles o Dr. Miguel Vidigal, vêm se interessando em amparar os desvalidos nestas circunstâncias. De São Paulo ele vem arregimentando colegas de todo o Brasil para que ofereçam assistência jurídica gratuita aos hospitalizados que desejam receber assistência espiritual.

Assim, aponta ele que o artigo 5º da Constituição reza que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, assegurando o livre exercício do culto, o acesso aos locais de culto e a realização das suas liturgias. O inciso VII do referido artigo garante também, na letra da lei, a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

No plano infraconstitucional, respaldado pela mesma Magna Carta, a lei nº 9.982/2000 dispõe, no art. 1º, os termos do acesso assegurado em todos os estabelecimentos hospitalares públicos e privados, aos estabelecimentos prisionais, civis e militares, a todas as confissões religiosas para o atendimento religioso aos internados, de comum acordo com estes ou com seus familiares, dependendo das circunstâncias.

Para reafirmar o que diz o artigo acima, é importante notar que em momentos como o que vivemos não é de esperar a profissão de fé por parte dos organismos estatais. Mas é imperativo moral que seus representantes manifestem respeito, proteção e garantia do direito à assistência religiosa a todos os cidadãos, mormente os que se encontram em situação de iminente perigo de vida.

Qualquer ação ou inércia no sentido de restringir tais direitos inalienáveis configura crime perante o ordenamento jurídico pátrio, um criminoso desserviço à sociedade, uma afronta ao próprio Deus, pela desobediência aos seus Mandamentos, valendo esta afirmação para crentes e não crentes nos ensinamentos divinos, já que todos, sem exceção, disto prestarão severas contas no momento que o Senhor nosso Deus os chamar.

            E agora, como conciliar os nossos propósitos mesquinhos com as sábias palavras das Escrituras sagradas: Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida? (Mt 16, 26).

Em nenhum outro momento da nossa história se viu tamanha afronta, mesmo em tempos de contágios como a lepra, o cólera, a tuberculose, entre outras doenças de maior contágio que a peste chinesa. Conforme documentos e depoimentos de médicos, divulgados nas redes sociais, nunca se serviu de pretextos tão capciosos para negar aos mais necessitados a assistência religiosa que lhes é devida.

Nossa Senhora da Saúde

Ainda nos antigos tempos de Seminário, surpreendeu-me ler sobre a malícia dos comunistas promotores da guerra civil espanhola de 1936, que antes de assassinar os católicos, procuravam a todo custo fazer com que eles abandonassem a fé para só então executá-los, a fim de encher o inferno de apóstatas e pecadores.

Ainda me recordo do bem espiritual que auferi dessa leitura, e hoje sinto a mesma malícia diante desta circunstância com a qual me deparo, ou seja, de procurar eliminar Deus da sociedade e das instituições. Não é difícil vislumbrar, nessas proibições das autoridades sanitárias que impedem um sacerdote de cumprir o seu dever, a mesma maldade, o mesmo ódio que se encontra no bojo de toda revolução anticristã, o ímpeto em perder o maior número possível de almas. 

Roguemos à Santíssima Virgem Maria que venha nos socorrer nessas circunstâncias, para que muitos levantem a voz em favor da Igreja, de Deus e das almas.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

 

Encanto e desencanto em tempo de COVID

Padre David Francisquini


O colapso da fé que assola o mundo atual é sem dúvida o pior dos males que grassam na sociedade contemporânea. O reflexo desse flagelo não está apenas nas almas, mas nos ambientes, nos costumes e nas instituições. As pessoas sem fé vivem como se Deus não existisse, à procura desenfreada do gozo da vida, do amor irrestrito ao presente, do desprezo pelo passado e por todos os valores morais e religiosos.

Ao excluir Deus de suas vidas, ipso facto, o homem faz da existência uma chanchada, um carnaval, uma piada, além de outras futilidades que o fazem pular, rir, gritar, cantar. Hoje ele tenta preencher o vazio de Deus, além do trabalho, com automóvel, lazer, celular, vídeos de entretenimento e outros joguinhos do gênero...

Convenhamos, tudo isso parece moldado para fazer esquecer quão grave é a vida, diante das responsabilidades que por sua própria natureza ela nos impõe. Quantas cabeças rolaram ao longo dos séculos, seguidas de promessas de um mundo melhor, onde os homens seriam autossuficientes com o auxílio da ciência e da técnica.

Estas redimiriam o homem do trabalho, das fadigas, das doenças, resolveriam todos os seus problemas, eliminariam a sua dor, a pobreza, a ignorância, a insegurança, enfim tudo aquilo que chamamos de efeitos do pecado original. Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira in Revolução e Contra-Revolução.

Mas como os homens gostam de ser enganados! Na medida em que eles foram abandonando a religião, os confessionários foram desaparecendo das igrejas - o mais das vezes, ó dor, removidos por mãos sagradas - e os consultórios psiquiátricos se multiplicando. Por quê?! Será que as pessoas se sentiram ou se sentem frustradas pelas promessas enganosas, e que a vida neste vale de lágrimas se lhes vai tornando inexplicável?!

Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar (1 Pedro 8). Essa é a advertência do Evangelho sobre o pai da mentira. A história, em muitas de suas páginas, registrou essas ciladas com nome de renascimento, de cultura, de revolução, de guerra... a ponto de hoje mais que nunca podermos afirmar alto e bom som que Satanás é o príncipe deste mundo.

As armas infernais são tão velhas como o demônio.  Basta que seus agentes se apresentem faceiros com um ramo de louro, um metal brilhante ou um prato de lentilhas para abalar a vigilância tão apreciada por Nosso Senhor e cair no seu encanto. Mas o desencanto vem a galope com as aflições de espírito, transformando as pessoas em joguete, em escravo preso às suas garras... Logo elas, que venderam a alma na ilusão de ser livres!

Não se pode por outro lado negar que diante do esforço revolucionário e luciferino para levar os homens à apostasia venha surgindo uma sadia reação, sem dúvida uma ação da graça, que toca o fundo dos corações. As missas tradicionais, por exemplo, vão se multiplicando com muitos dos bons hábitos e costumes de outrora.

Posta esta introdução, passemos aos fatos. A pequena assistência espiritual prestada por sacerdotes aos enfermos, de modo especial aos atacados pela COVID, vem se tornando mais crítica em razão de uma campanha para cercear o atendimento de pessoas nos hospitais, UPAs e demais serviços ambulatoriais. O pretexto é preservar a saúde coletiva.

Afinal, não apenas da assistência médica ampla e eficaz necessita o paciente, mas também, e de algum modo sobretudo, da assistência espiritual, uma vez que nossos corpos são mortais, mas não a alma, cumprindo-nos por isso preservá-la de se perder eternamente.

É perplexitante nesse sentido considerar que a CNBB cuida quase tão-só de questões sociais e políticas, enquanto os católicos precisam recorrer a advogados para que padres tenham o devido acesso ao leito de pessoas enfermas para salvaguardar seus direitos previstos diante de Deus, direitos esses garantidos pela legislação federal.

Aqueles que por missão divina deveriam ser a voz que clama, o sal que salga, a luz que ilumina, quedam silenciosos e omissos, quando não coniventes com a perseguição que sofrem os fiéis abandonados nos hospitais e lugares correlatos sem o apoio moral e religioso. Uma omissão de clamar aos céus!

Nada mais malfazejo para as almas que necessitam de pão, dar-lhes pedra; que necessitam de um peixe, dar-lhes um escorpião, para utilizar as palavras do divino Salvador nesse caso de tanta incúria no atendimento espiritual de ovelhas que clamam pelos pastores.

Deveriam ser eles os primeiros a demonstrar desvelo em lutar com todos os meios lícitos a fim de que as portas do reconforto fossem franqueadas a almas órfãs, e muitas vezes já no umbral da morte. Seguramente a hora mais difícil da vida, o momento em que as pessoas mais precisam de apoio espiritual e encorajamento.

Este silêncio e omissão, sobretudo num momento como esse, só tem um nome: deslealdade para com a missão da Igreja, da glória de Deus e da salvação das almas.

Voltarei em breve ao tema.

*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria - Cardoso Moreira-RJ


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

 

Alegremo-nos, a luz brilhou nas trevas

 

*Padre David Francisquini



A Escritura Sagrada narra que hoje nasceu na cidade de David o Salvador que se chama Cristo. Cercado o seu presépio por pastores e animais rudes, ali está com o seu esplendor o Rei da criação. É a imagem do Pai que veio habitar entre nós.

Não temais”, diz aos pastores um dos anjos que anunciam uma grande nova, um nascimento novo e admirável. O anúncio dos mensageiros celestes, as narrações dos evangelistas enchem os nossos corações de alegria e de paz. De alegria, porque Cristo Nosso Senhor veio como criança, terno, amável, doce, comunicando-nos grande esperança.

Envolto em panos, para nos dar segurança de que Ele veio pobre para iluminar a todos. Veio à noite, para indicar a glória de Deus, a difundir raios fulgurantes de luz que iluminam os corações dos piedosos pastores.

Daquela gruta que se tornou o centro da Terra, a Luz do mundo se expande e subjuga a noite do paganismo, espancando as trevas com a beleza e sublimidade de sua grandeza.

“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. Jesus nasce num campo para reunir harmoniosamente em Si todas as classes sociais, ricos, pobres, andrajosos, reis e plebeus, enfim, o mundo inteiro.

Um cortejo angélico veio anunciar esse nascimento para louvar a Deus e atrair os homens. Para convidar os homens a unir suas vozes e prestar um culto ao seu Criador, ao seu Redentor revestido de carne que veio nos ensinar a ciência sagrada. Para bendizê-Lo com os nossos corações e agradá-Lo com as nossas boas obras.

Ao se fazer carne e dar-se ao mundo, Jesus Cristo inicia a sua obra de Redenção pelo gênero humano. Sendo Deus, de um poder infinito, estabelece com perfeição divina a autoria das leis naturais. Ao se apresentar como homem, não segue as regras normais da natureza ao vir a este mundo, nem fere os preceitos do embasamento do principio lógico por Ele mesmo criado.

Nasce sem concurso humano de uma virgem, da qual assume a natureza, conservando a divindade. Ao dar à luz, a Virgem é maravilhosamente preservada do sinal de sua inviolabilidade; afinal, seu Filho Jesus é Deus, ao mesmo tempo homem e transcendente ao próprio homem — pois, no dizer de São João, quem nasceu da carne é carne e quem nasceu do espírito é espírito.

Ao dar à luz a Vida, Maria nos proporciona a plenitude da alegria, pois aquela por cujo meio entrou no mundo a morte, introduzindo na natureza o pecado, geraria na dor e no sofrimento. Mas a que nos deu a verdadeira Vida iluminou todos os povos com os raios de sua generosidade, bondade, misericórdia e perdão.

Não é sem motivo que, ao se submeter ao recenseamento de César, cumpria a Sagrada Família o que foi dito pelo profeta, porque nasceu em Belém, que significa a casa do pão.

Jesus é o pão vivo que desceu do céu, revestido das carnes humanas, que restauraria os homens nas trilhas do esplendor da verdade e alimentaria os homens, reforçando-os com o alimento desse Pão vivo encerrado debaixo das espécies transubstanciadas do pão e do vinho, a partir de um dado momento, perdurando ao longo de toda a História.

A luz é o retrato, a imagem ou símbolo da fé. Ao vir Jesus para os homens, Ele nos trouxe a virtude da fé para iluminar as almas. As trevas são o símbolo do paganismo ou da heresia, da infidelidade, porque a fé não ilumina essas almas.

Ao nascer em Belém, Jesus veio nos comunicar essa luz divina, iluminar todos os homens. Daí o esplendor do Natal, que é comemorado com toda beleza e encanto. Jesus nos veio trazer a vida divina, a vida sobrenatural, a vida da graça. Num recôndito ermo, afastado de qualquer burburinho, nasceu Jesus, encanto dos anjos e dos homens.

            Naquela manjedoura, contemplando o Menino Jesus envolto em panos, elevamo-nos à reflexão de que é o mesmo Deus que ornou o mundo por Ele criado com variedade de belezas. Quis, no entanto, passar por enormes privações em seu divino Corpo, para reparar nossas tão grandes culpas ante o trono de Deus Pai.

Quis nos libertar das cadeias que nos mantêm subjugados ao vício, ao pecado. Eis que temos como sinal do nascimento do Salvador um menino, não entre púrpura, mas em pobres panos que O envolviam; não em berço de ouro cravejado de pedras preciosas, mas em um comedouro para animais.

São desprezíveis os pobres panos? Admiremos, então, o concerto dos anjos! Se nos causa surpresa a manjedoura, contemplemos a nova e esplendorosa estrela, que em céu noturno e límpido anuncia o nascimento do Senhor. Se nas coisas vis e tangíveis acreditamos, deitemos nosso crédito também às admiráveis, veneráveis e celestiais.  

De seu nascimento e infância deram testemunho os anjos e os evangelistas, para que tudo o que Ele fez sem reservas por nós se imprimisse em nossos corações. Honras e louvores se rendam Àquele que, sendo onipotente, rebaixou-se à nulidade para satisfazer a Justiça Divina ultrajada em vista de nossos imensos e inumeráveis pecados.

Por meio da graça e da vida sobrenatural que trouxe ao mundo, Ele nos facilita percorrer o caminho da paz e das virtudes. Seu peregrinar, apropriando-se da pobreza, enobrece sua pessoa como raios de luz que se movem nos céus e iluminam as almas, destruindo a soberba e a vanglória.  

Como pobre, quer enriquecer a todos; como frágil criança, enriquece-nos com a grandeza e soberania de sua bondade. Como rico, presenteia-nos sua infinita sabedoria com o pão da verdade. No estreito espaço daquele rude presépio está o mesmo que traz sob seus pés divinos o assento de seu poder e soberania.

Ele estende sobre a Terra as alegrias do Céu, o esplendor de sua divindade e a grandeza de seu poder. Do presépio no qual está reclinado, projeta-se a restauração do homem, a purificação da Terra. Estende sobre o mundo o esplendor do sol da verdade.

Alegremo-nos e exultemos — já nasceu o Menino Deus!

sábado, 18 de dezembro de 2021

 

Missão de ensinar, guiar e santificar

 

Padre David Francisquini


Nada mais consentâneo com a condição sacerdotal do que fazer uso da autoridade divina das verdades reveladas para cumprir a missão de ensinar, guiar e santificar as almas neste vale de lágrimas.

Com efeito, a crise espiritual que assola o homem pós-moderno — qualificativo utilizado para causar expectativa de “bons fluidos” — é a fonte de tantos males. O ensinamento dos santos ao longo dos séculos consistiu em advertir e instruir os fiéis a propósito da falta de vida interior e de ocupação com tudo aquilo que norteia as almas, a fim de conduzi-las ao seu fim último, que é Deus.

A disposição dos evangelhos, abrindo e fechando o ano litúrgico, nos mostra a importância desses ensinamentos: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação” (Mt. 26, 41), para o qual as pessoas devem se ater sempre, já que a insistência do inimigo infernal é contínua e implacável contra uma pessoa e mesmo povos inteiros.

Não é bem isto que vem acontecendo hoje, em todos os ambientes frequentados por nós? Não é verdade que com suas artimanhas envolventes os asseclas infernais dispersos pela Terra procuram levar-nos para o abismo, ora por meio de ideologias, ora por manobras políticas ou falsas religiosidades? Fica, portanto, a advertência: “Vigiai e orai”!

Eis as maravilhosas afirmações da Escritura, sustentáculo da nossa fé, a nos asseverar com as palavras de São Paulo: Toda Escritura divinamente inspirada é útil para ensinar, repreender, corrigir, formar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, apto para toda boa obra” (II Tim. 3, 16-17).

Ademais, é-nos imensamente vantajoso deixar-nos conduzir por Aquele que é o caminho, a verdade e a vida: “(...) andai enquanto tendes luz, para que não vos surpreendam as trevas; quem caminha nas trevas não sabe aonde vai. Enquanto tendes luz, crede na luz para que sejais filhos da luz” (João 12. 35-36).

Reflita, caro leitor(a), quão benfazejas são essas palavras nesses dias de tanta perplexidade diante das crises que nos assolam, a fim de estabelecermos as balizas do pensamento e o critério de nosso peregrinar pela terra. Podemos ver, tanto no evangelho de São Mateus, quanto no de São Lucas, a narração do último domingo do ano litúrgico, dos acontecimentos que se abateram sobre Jerusalém, como prefigura de todas as épocas de crise.

Pode-se constatar que, de crise em crise, a Igreja instituída por Cristo Nosso Senhor chegou aos tempos atuais. Foram muitas e clamorosas tentativas de subverter sua ordem e ensinamentos no decorrer das centúrias, mas a Santa Igreja preservou e ensinou seus filhos, ministrando-lhes os sacramentos e mostrando-lhes os caminhos da salvação eterna. 

No Ofício Divino, São Jerônimo comenta as palavras do evangelho, dizendo: Quando virdes a abominação da desolação no lugar santo predita pelo profeta Daniel, quem ler entenda          .” Estas palavras se referem ao transtorno da fé que abalou os fundamentos do povo judeu, abolindo o sacrifício e a oblação, deixando o templo desolado por ter perdido a sua função.

Compreende-se, portanto, por que Pilatos colocou no Templo as estátuas de César e de Adriano. Segundo a Escritura, a abominação é chamada de ídolo, e a desolação é por ele ter sido posto no templo desolado e deserto.

Alguém ousaria contestar a semelhança com fatos do nosso cotidiano? Não é bem verdade que assistimos hoje à introdução de ídolos e a realização de cultos idolátricos no interior das nossas igrejas? 

A história recente nos traz à memória, por exemplo, o encontro interreligioso em Assis (1986), acontecimento-símbolo da mentalidade nova que revolucionou o conceito infalível da existência de uma só religião revelada, fora da qual não há salvação. É dogma de fé!

Tem-se, então, um pecado contra a fé, com uma agravante: a introdução de ídolos pagãos, algo abominável diante de Deus, escândalo para incontáveis almas, transtorno da ordem natural e divina que proclama o culto do verdadeiro Deus. Tais acontecimentos, que significam um largo passo rumo à panreligião, constituem uma ameaça cada vez maior para inúmeros fiéis.

Essas considerações devem nos fazer temer as consequências da vida desregrada de nossos dias, que abrange todos os campos da ação humana. Em todos eles os critérios divinos são sistematicamente rejeitados.

Meditemos, por exemplo, nesta advertência de Nosso Senhor, referindo-se aos tempos do anticristo ou prefiguras dele que agem contra Deus, promovendo a desolação em toda a terra: Quando virdes estabelecida no lugar santo a abominação da desolação” (Mt. 24, 15).

Ao ler comentários feitos pelos Padres da Igreja, podemos adiantar-nos em outras considerações que se aplicam bem aos dias atuais, como a introdução da Pachamama no templo de Deus. São Luís Grignion de Montfort já predissera profeticamente: Vossa divina fé é transgredida, vosso evangelho desprezado; abandonada vossa religião; torrentes de iniquidade inundam toda a terra, e arrastam até os vossos servos; a terra toda está desolada; a impiedade está sobre um trono; vosso santuário é profanado, e a abominação entrou até no lugar santo.”

Aqueles que buscam viver segundo a sã Doutrina de Nosso Senhor não devem descer às coisas mais baixas pelo desejo mundano. O que está no campo, não volte atrás para tomar o seu manto”, isto é, não volte às preocupações antigas, tornando a conviver no meio dos pecados passados, que manchavam seu corpo e perdiam sua alma.

Daí a importância da verdadeira fé, da boa orientação católica e da aquisição do senso do discernimento a fim de conhecer o momento de fugir da abominação e se proteger dos perigos de condenação eterna — “Então os habitantes da Judéia fujam para os montes” (Mt. 24, 16).


Cumpre salientar que ouvimos com frequência interpretações protestantes de textos bíblicos atribuindo aos fatos trágicos, mas naturais, ou ainda da inter-relação humana, como sinais da segunda vinda do Messias, muito embora se trate de algo que sempre aconteceu na história do mundo. Estas são interpretações subjetivas.

Na realidade, quando Cristo diz que haverá sinais no sol, na lua, nas estrelas e que as virtudes dos céus serão abaladas, a interpretação mais lógica e prudente está em aplicar essas predições à própria Igreja, com o efeito benéfico de não nos expormos ao debique dos inimigos a propósito de considerações sobre calamidades tantas vezes ocorridas no mundo.

Afinal, a Igreja se assemelha ao sol, à lua e às estrelas. Seu brilho poderá fenecer um tanto, em decorrência da violência inaudita de seus perseguidores e do apodrecimento moral no campo religioso e civil, mas as portas do inferno não prevalecerão contra Ela.