A semente em terra fértil (II)
*Pe.
David Francisquini
Em recente artigo – A semente em terra fértil – tive ocasião de salientar a têmpera do
homem do campo, formada primordialmente pela contemplação e reflexão. Hoje
volto ao tema entrevendo uma montanha que se eleva no seu panorama. Ela estará
sempre como uma bússola a nortear sua imaginação cheia de princípios, ainda que
incipientes, sobre as virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade.
A partir daquele mirante, o camponês poderá analisar o
que acontece ao seu redor como uma chuva mansa que cai sobre a relva e ressoa
harmonias às quais ele poderá associar as dádivas e as bênçãos de Deus sobre
ele, sua família e seu campo. Enquanto a vegetação se beneficia da água, ele
agradecerá a Deus, o Pai de todos, que faz chover sobre os justos e os
injustos.
Enquanto os pássaros em revoada se põem a cantar, o
camponês pensará no céu, nos anjos e nos santos, que numa homenagem perene
louvam a Deus. Ao ver um passarinho apanhar um inseto e com ele alimentar seus
filhotes, o camponês se lembrará de Deus que o ajuda sempre a alimentar seus
filhos e educá-los para a vida.
De quando em quando, ele ouve um mugido do gado
pastando, e se lembrará de Deus, bendizendo-O no fundo de seu coração por não
se ter esquecido dele nas labutas diárias. Enquanto os cães ladram durante a
noite, ele é levado a pensar nas sentinelas que Deus lhe deu como vigia para
si, sua família e seu patrimônio.
Na iminência ou
mesmo durante uma tempestade com relâmpagos e trovões, ele poderá se recordar
da justiça divina que premia os bons e castiga os maus. O temor de Deus, início
da sabedoria, o levará a fazer propósitos firmes de abandonar o erro e o pecado
e não transgredir mais os mandamentos divinos.
Não nos esqueçamos de que o homem do campo também
padece das conseqüências do pecado original; o que o diferencia dos outros em
nossos dias é o fato de ele se encontrar no habitat que lhe é próprio. Com
efeito, ao contemplar a natureza, ele se lembrará da vida perfeita e incriada,
ou seja, do próprio Deus que é o Pai da vida, d’Aquele que distribuiu seus bens
sem medidas.
Não é sem motivo que o camponês reza o Pai Nosso, oração
perfeita composta pelo próprio Homem-Deus. Não é sem motivo que ele não deixa
de rezar a Ave-Maria à Mãe das mães. Enquanto reza ele reflete, e seu
pensamento o leva a voar para uma região longínqua, ao dia de sua morte terrena
e de seu encontro com Deus.
Se o seu caráter se tornar indomável, ninguém conseguirá
dobrá-lo, devido à sua fé e ao seu amor a Deus. Enquanto ele estiver na terra,
não há outro sentido senão o de passar seus dias amando e glorificando a Deus
sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O que continuará na terra
será o seu exemplo, o seu valor de luta e de intrepidez.
Tais considerações nos fazem reportar à Escritura
Sagrada, com Deus sujeitando o homem a tirar da terra o seu sustento com
trabalhos árduos todos os dias de sua vida. Se assim o fez, foi de Pai para filho,
pois entre espinhos e abrolhos seu herdeiro formará o caráter ao comer o pão
com o suor de seu rosto, até que volte à terra da qual ele foi formado.
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