*Pe.
David Francisquini
Ao
chegar às cercanias de Ars, no vale do Saône, na França, o peregrino descortina
um panorama grandioso e fascinante, evocativo de muita paz e muita bondade, que
coexiste harmoniosamente com o heroísmo decorrente de grandes feitos de seu
glorioso passado. Apenas mais um cenário francês? – Não! Ali viveu e santificou-se um homem que
foi proclamado padroeiro de todos os párocos do
mundo, São João Maria Vianney, o Cura d’Ars.
Impossível
não imaginar que naqueles belos campos cultivados, onde prepondera o trigo, camponeses
não contemplassem a figura do Pe. Vianney caminhando por ali e desfiando as
contas de seu rosário em conversa com Deus, com sua Mãe Santíssima, os Anjos e
os santos, louvando e pedindo pelo bem das almas a ele confiadas.
Numa
circunstância dessas, uma jovem passa por ele na estrada. Com perfil ascético,
esquelético mesmo, olhar profundo, observador sutil, capaz de penetrar os
corações e as consciências dos interlocutores, ele se dirigiu a ela e
admoestou-a de modo peremptório, dizendo-lhe que se não mudasse de vida
certamente se condenaria. Ao que ela respondeu: – Mas eu não quero ir para o
inferno. Vou me confessar.
O
santo retrucou: – Não adianta se confessar se você não fugir das ocasiões
próximas de pecado. Confessando-se, você vai voltar para a sua região e
continuará levando a mesma vida pecaminosa. Assustada, ela lhe perguntou: – Então,
para mim não há mais jeito? O padre Vianney aconselhou-a a vender o que possuía
e se mudasse para Ars, pois só naquelas condições ele a atenderia em confissão.
Assim ela fez, e seguramente encontrou o caminho da salvação.
Em
outra ocasião, um camponês violador do preceito do descanso dominical, ao
perceber que o Cura d’Ars vinha pelos campos na sua direção, procurou quase
instintivamente esconder-se atrás de sua carroça cheia de feno, na tentativa vã
de defender-se do olhar contrafeito do santo, pois tinha consciência de que violava
a Lei de Deus não guardando o dia do Senhor.
Com
bondade paternal, o virtuoso padre chamou sua atenção, dizendo-lhe que aquela carroça
simbolizava o transporte de sua alma para se queimar nas regiões eternas... E
prosseguiu silencioso seu caminho por aquelas paragens, sempre rezando, meditando
na bondade de um Pai que tudo criou para o bem dos filhos, e destes que se
esquecem dessa infinita bondade.
Enquanto
isso, na sua pequena igreja, com os poucos fiéis que a frequentavam, ele podia
avaliar a decadência religiosa advinda de outros tempos, de maus pastores que
por ali passaram, de padres pouco zelosos e sem interesse de povoar o céu, de
instruir as almas dos jovens, de formar as consciências para mais bem cumprir
os desígnios de Deus e da santa religião.
Segundo
seus biógrafos, sua grande luta foi contra a indiferença e a ignorância
religiosa reinantes em sua paróquia. Às noites de sábado para domingo os jovens
se aglomeravam numa taberna para beber, se divertir num salão de baile.
Para
o Cura d’Ars não havia mandamento que o baile não violasse, pois assim como um
muro cerca o jardim, assim os demônios estão em torno do baile. Para ele há
tantos demônios quantos são os dançadores.
À
época, poucos padres combatiam tão pernicioso divertimento. No dia a dia, o trabalho,
sem descanso e intermitente, duro e exigente, preenchia a vida daquela gente,
tão acomodada aos bens da terra. Quanto às coisas do alto, estavam longe de suas
cogitações. O sino do campanário tocava em vão para aqueles ouvidos insensíveis
e a igrejinha de Ars continuava vazia, ou quase tanto. O que poderia fazer um
vigário que pregasse e desse o exemplo ilibado de vida sacerdotal?
Os
habitantes de Ars tinham uma fala vagarosa que revelava uma vontade entorpecida,
ávidos de bem estar, inflamados pelo prazer. Tudo era pretexto para se reunirem
em torno de um violão ou uma sanfona e ali passarem horas em bebedeiras,
cantigas, gargalhadas e danças. Padre Vianney não se conformava e fez propósito
de não descansar enquanto não extirpasse as ocasiões de pecado de sua paróquia.
O zelo pastoral do Cura d’Ars fez com que
em Ars o respeito humano fosse invertido: tinha-se vergonha de não fazer o bem
e de não praticar a Religião. O que é um auge de vitória de seu apostolado! Ars
tornou-se também um centro de piedade e religiosidade.
Por isso, os peregrinos admiravam nas ruas
da cidade a serenidade de certos semblantes, reflexo da paz perfeita de almas
que vivem constantemente unidas a Deus. A cidade de Ars continua pequena, com
cerca de 1.200 habitantes. Mas sua fama é demasiadamente grande mundo a fora,
pois mais de 400.000 peregrinos a vistam anualmente. Com efeito, a verdadeira
glória é a dos heróis e dos santos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário