Bondade não significa fazer concessões
Pe. David Francisquini
A santidade
infinita de Deus odeia o pecado e o persegue, pois este contraria as perfeições
divinas. Em contrapartida, a sua insondável bondade ama o pecador e, por sua
misericórdia, procura atraí-lo, utilizando-se de todas as gentilezas para
extirpar do coração de seus filhos a maldade absoluta, para que vivam e se
convertam de seus pecados.
Para
isso o Filho de Deus se encarnou, tornou-se homem e “humilhou-se a Si
mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso também Deus
O exaltou, e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome; para que, ao nome
de Jesus, se dobre todo o joelho no Céu, na Terra e no Inferno”, afirma São
Paulo Apóstolo.
Com
efeito, os sofrimentos pelos quais Nosso Senhor Jesus Cristo passou durante a
Paixão são inexprimíveis e culminaram com a morte ignominiosa pelos nossos
pecados. Ele, que já havia nos deixado os sacramentos e o Seu próprio corpo
místico consubstanciado na Igreja como fonte de salvação.
Cabe-nos
repetir com a tradição que Jesus Cristo deu os meios para um fim que é remédio
para a nossa natureza corrompida, e não para que abusemos deles continuando na
vida de pecado.
Jesus expulsa os vendedores do templo |
Se
Deus usa de misericórdia em relação ao pecador é para arrancá-lo do pecado, não
sendo outro o objeto da súplica do Senhor da paciência, da calma e do silêncio
enquanto pecamos, escreve o Pe. Tissot.
Deus
age assim não para que a pessoa permaneça no pecado, mas para que o extermine
completamente, porque, uma vez extirpado, o pecador abandona o mau caminho com
bons propósitos de arrependimento e de emenda de vida. Ao mesmo tempo, Cristo
sai triunfador, por ter-se aniquilado a Si mesmo e assim exterminado a
iniquidade do pecado que se opõe ao fim do homem.
Bondade
não significa fazer concessões, estimular a prática dos vícios, usufruir de sua
liberdade para permanecer nas desordens morais do pecado. Nada disso.
Representa o objeto da bondade e da misericórdia divinas.
Para
tomarmos um exemplo gritante em nossos dias, bondade é o contrário do que vimos
assistindo em relação à comunhão de recasados e de divorciados, ou ainda das
segundas núpcias, ao se lhes permitir aproximar da mesa de comunhão. Isso não
passa de protuberante abuso da misericórdia divina.
É
lamentável constatar a sede e o afã de novidades de uma ala ponderável do
clero, disposta a afrontar os ensinamentos multisseculares do Magistério da
Igreja em nome da Misericórdia.
Ao
se abrirem as portas dos sacramentos aos que vivem publicamente em estado de
pecado sob a alegação de que Deus é bom e não condena ninguém, de que não somos
juízes e que por isso não podemos julgar, e que cada qual siga a sua
consciência, fica estabelecido o relativismo moral e religioso.
Santo Afonso Maria de Ligório |
“Não
merece a misericórdia de Deus aquele que se serve da mesma para ofendê-Lo. A
misericórdia é para quem teme a Deus e não para o que dela se serve com o
propósito de não temê-Lo. Aquele que ofende a Justiça pode recorrer à
Misericórdia; mas a quem pode recorrer o que ofende a própria Misericórdia?”.
Quem
ofende a Deus confiante de ser perdoado porque Deus é bom e misericordioso tem
uma malícia própria em escarnecer de Deus, em zombar de Deus para continuar a
pecar e a usar dos sacramentos sem preencher as condições para recebê-los.
Receber
os sacramentos sem estar em estado de graça é profanar o próprio sacramento.
Quem recebe a sagrada comunhão em pecado mortal comete um sacrilégio, pois é
preciso ter coração puro, recolhimento, espírito de fé, sem apego algum ao
pecado.
Quem
assim não procede imita o sacrilégio de Judas, que imediatamente após ter
recebido a sagrada comunhão em estado de pecado, saiu do cenáculo impelido pelo
demônio, como afirma São João Crisóstomo:
“Quem,
utilizando-se de pretexto da misericórdia, vive em estado de pecado mortal sem
deixá-lo, comete horrível sacrilégio, fica afastado do caminho do Céu que é o
caminho reto, caminho de luz e de verdade, e não de trevas.
“Se
tu, fiado na divina misericórdia, não temes fazer mal-uso dela em tempo
oportuno, o Senhor vai retirá-la de ti, porque a Deus pertence a vingança.
Chegada a hora da justiça, Deus não espera mais, cai sobre o pecador
emperdenido como um raio justiceiro.”
A
respeito do magnífico pensamento sobre a impunidade em que Deus deixa o
pecador, assim expressa Santo Afonso: “Deus o deixará sem castigo nesta vida, e
nisto consistirá o seu maior castigo. Compadeçamos do ímpio […] não aprenderá
justiça” (Is 26, 10).
Referindo-se
a esse texto, diz São Bernardo: “Não quero essa misericórdia, mais
terrível que a ira. Terrível castigo, quando Deus deixa o pecador em seus
pecados e parece que nem lhe pede contas deles” (Sl 10, 4).
Inferno |
Desgraçados
os pecadores que prosperam na vida mortal! É sinal de que Deus reserva para
lhes aplicar sua justiça na vida eterna! Jeremias pergunta: “Por que o
caminho dos ímpios passa em prosperidade?” (Jer. 12, 1).
E
responde em seguida: “Reúne-os como ao rebanho destinado ao matadouro (Jer
12, 3). Não há, pois, maior castigo do que deixar Deus ao pecador amontoar
pecados sobre pecados, segundo o que diz David: pondo maldade sobre maldade
[…]. Riscados sejam do livro da vida” (Sl 28, 28-29).
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