*Pe. David Francisquini
De repente, os pastores que cuidavam de suas ovelhas nos
arredores de Belém ouviram um canto magnífico: “Glória a Deus nas alturas, e
paz na terra aos homens de boa vontade”. Diante do inesperado, eles se
dirigem apressados rumo à manjedoura, onde encontraram o Menino reclinado e
envolto em panos, sob os olhares enlevados e vigilantes de Maria e José.
Segundo a tradição, a neve caía mansamente. Enquanto
todos dormiam no aconchego dos seus lares, um pobre casal se encontrava na
gruta fria, pois não encontrara guarida nem mesmo em casa de parentes, pois
José e Maria viviam em Nazaré e se encontravam ali em razão de uma obrigação
cívica, um recenseamento.
Noite de luz e
neve cobrindo a terra, circunstâncias ideais para se cantar a glória do Filho
de Deus que acabava de nascer para habitar entre nós, para governar a Terra,
conquistar as almas e lutar contra o demônio. Acontecimento tão espetacular que
espargiu alegria no universo inteiro e causou pavor nas hostes seguidoras de
Satanás.
Toda a natureza se regozijou em homenagem a Jesus que
acabava de nascer: as fontes se tornaram mais cristalinas e jorravam com
melodia encantadora de modo a elevar os espíritos; as flores desabrochavam mais
bonitas e exalavam inexcedível perfume em honra ao recém-nascido; as estrelas
brilharam com maior intensidade a fim de prestar justa vassalagem ao
Menino-Deus.
A despeito de ser noite, por todas as partes do mundo a
mesma cena se repetia. E em toda a Terra se cantou e ainda se canta: “Noite
Feliz, noite feliz. Oh! Jesus, Deus de amor, pobrezinho nasceu em Belém. Eis na
lapa Jesus nosso bem, dorme em paz oh! Jesus. Dorme em paz oh! Jesus!”.
Estamos comemorando 2014 anos deste magno acontecimento
que dividiu a História em duas partes: antes de Cristo e depois de Cristo! Se
de um lado, como afirmou Santo Agostinho, podemos exclamar “oh feliz culpa
que nos mereceu tão grande Salvador!”, de outro devemos nos perguntar o que
fizemos do Sangue precioso do Redentor? O que resta de Cristandade em nossos
dias? Dói dizê-lo, mas o mal penetrou até nos lugares mais sagrados da Terra.
Creio ser bem o caso de repetir com Plinio Corrêa de
Oliveira as palavras contritas, mas plenas de zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos,
que ele escreveu em ‘O Legionário’ por ocasião do Natal de 1946. Elas
serão por certo o melhor presente que podemos oferecer ao Menino Jesus neste
Natal:
“Vede-nos, Senhor, e considerai-nos com compaixão. Aqui
estamos, e Vos queremos falar. Nós? Quem somos nós? Os que não dobram os dois
joelhos, e nem sequer um joelho só, diante de Baal.
“Os que temos a vossa Lei escrita no bronze de nossa
alma, e não permitimos que as doutrinas deste século gravem seus erros sobre
este bronze sagrado que vossa Redenção tornou. Os que amamos como o mais
precioso dos tesouros a pureza imaculada da ortodoxia, e que recusamos qualquer
pacto com a heresia, suas obras e infiltrações.
“Os que temos misericórdia para com o pecador
arrependido, e que para nós mesmos, tantas vezes indignos e infiéis, imploramos
vossa misericórdia – mas que não poupamos a impiedade insolente e orgulhosa de
si mesma, o vício que se estadeia com ufania, e escarnece a virtude.
“Os que temos pena de todos os homens, mas
particularmente dos bem-aventurados que sofrem perseguição por amor à vossa
Igreja, que são oprimidos em toda a Terra por sua fome e sede de virtude, que
são abandonados, escarnecidos, traídos e vilipendiados porque se conservam
fiéis à vossa Lei.
“Aqueles que sofrem sem que a literatura contemporânea se
lembre de exaltar a beleza de seus sofrimentos: a mãe cristã que reza hoje
sozinha diante de seu presepe, no lar abandonado pelos filhos que profanam em
orgias o dia de vosso Natal; o esposo austero e forte que pela fidelidade a vosso
Espírito se tornou incompreendido e antipático aos seus; a esposa fiel que
suporta as agruras da solidão da alma e do coração, enquanto a leviandade dos
costumes arrastou ao adultério aquele que devera ser para ela a coluna de seu
lar, a metade de sua alma, "outro eu mesmo"; o filho ou a filha
piedosa, que durante o Natal, enquanto os lares cristãos estão em festa, sente
mais do que nunca o gelo com que o egoísmo, a sede dos prazeres, o mundanismo
paralisou e matou em seu próprio lar a vida de família. O aluno abandonado e
vilipendiado pelos seus colegas, porque permanece fiel a Vós.
“O mestre detestado por seus discípulos, porque não
pactua com seus erros. O Pároco, o Bispo, que sente erguer-se em torno de si a
muralha sombria da incompreensão ou da indiferença, porque se recusa a
consentir na deterioração do depósito de doutrina que lhe foi confiado. O homem
honesto que ficou reduzido à penúria porque não roubou.
“Estes são, Senhor, os que no momento presente,
dispersos, isolados, ignorando-se uns aos outros, entretanto, agora, se acercam
de Vós para oferecer o seu dom, e apresentar a sua prece. Dom tão esplendido na verdade, que se eles Vos pudessem dar
o sol e todas as estrelas, o mar e todas as suas riquezas, a terra e todo o seu
esplendor, não Vos dariam dom igual”.