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domingo, 8 de maio de 2016

Fátima, misterioso aviso
Padre David Francisquini
            
O dia 13 de maio de 2017 – do qual apenas um ano nos separa – revestir-se-á de invulgar importância. Será o centenário de um acontecimento histórico que marcou profundamente o século XX e continua a marcar o século XXI: uma Senhora de aspectos deslumbrantes aparece em Fátima, Portugal, a três crianças na Cova da Iria, e lhes revela uma Mensagem destinada ao mundo inteiro.
            Era a Santíssima Virgem, que abria assim ao mundo contemporâneo o caminho da conversão e de radiosas esperanças, o que devia dar-se através da oração, da penitência, da mortificação e da mudança de vida. Bastou que Nossa Senhora lhes aparecesse para que as crianças levassem a sério o que a Mãe do Céu lhes dissera.
            Lúcia, Jacinta e Francisco – assim se chamavam – procuraram meios de se oferecer a Deus como vítimas pelos pecados do mundo, a fim de consolar o Coração Imaculado de Maria. Caso a humanidade atendesse aos pedidos de Nossa Senhora em Fátima, converter-se-ia a Rússia, evitar-se-iam as duas guerras mundiais, e seria afastada a crise sem precedentes que grassou na Igreja.
        
    Mas, como tal não se deu, a Rússia espalhou seus erros pelo mundo subvertendo toda a sociedade, sobretudo a família e a religião, a humanidade foi afogada em duas grandes guerras que ceifaram milhões de vidas e, – quem poderia imaginá-lo – com o Concílio Vaticano II e o pós-Concílio, a fumaça de Satanás penetrou na Igreja, segundo constatou o próprio Paulo VI.
            Segundo ele, pensava-se que "viria um dia ensolarado para a história da Igreja, veio pelo contrário, um dia cheio de nuvens, de tempestade, de escuridão, de indagação e de incerteza". "A Igreja atravessa hoje um momento de inquietude. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até à autodemolição (...). A Igreja é golpeada pelos que d'Ela fazem parte".
            Por sua vez, diante do predomínio desse quadro, João Paulo II expressou-se com as seguintes palavras: "É necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade que os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se perdidos, confusos, perplexos e até desiludidos: foram divulgadas prodigamente ideias contrastantes com a verdade revelada e desde sempre ensinada; foram difundidas verdadeiras e próprias heresias, no campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se até a liturgia; imersos no "relativismo" intelectual e moral, e, por conseguinte, no permissivismo, os cristãos são tentados pelo ateísmo, pelo agnosticismo, pelo iluminismo vagamente moralista, por um cristianismo sociológico, sem dogmas definidos e sem moral objetiva".
           
É também esclarecedor o que afirmou ainda o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé e futuro Bento XVI: “Os resultados que se seguiram ao Concílio parecem cruelmente opostos à expectativa de todos, a começar do Papa João XXIII e depois de Paulo VI (...). Os papas e os padres conciliares esperavam a nova unidade católica e, pelo contrário, se caminhou para uma dissensão, que – para usar as palavras de Paulo VI – pareceu passar da autocrítica à autodemolição. Esperava-se um novo entusiasmo e, em lugar dele, acabou-se com demasiada frequência no tédio e no desânimo. Esperava-se um salto para frente e, em vez disso, encontramos ante um processo de decadência progressiva...”. E conclui: “Afirma-se com letras claras que uma real reforma da Igreja pressupõe um inequívoco abandono das vias erradas que levaram a consequências indiscutivelmente negativas.”
            As consequências da crise religiosa, sobretudo em questão de fé e moral, são desastrosas em todos os campos e não se restringiram ao interior da Igreja.  Basta olhar para o ambiente que nos cerca, para verificar a crise que abala a família, os costumes, a política, a economia, a educação e o comportamento humano.
            Essa crise agravou-se no Brasil com a ascensão do PT ao Poder, mas mesmo antes, nos governos que o antecederam, já grassava nas faculdades, nos estudos fundamental e médio, na vida intelectual, moral e psicológica, paulatinamente trabalhados no sentido do pensamento do regime petista, ou seja, do socialismo marxista.  
Dilma com Fidel Castro
            O Partido dos Trabalhadores se baseia numa concepção ateia e materialista da sociedade e utilizou todos os meios para se instalar definitivamente no Poder a fim de implantá-la. Não estranha que, com a eventual queda da atual Presidente, o novo governo componha venha a compor seu ministério com nomes caros aos atuais mandatários petistas e a FHC, conforme noticiou o Jornal "El País" de 28 de abril de 2016, em matéria escrita por Afonso Benites e intitulada: "Michel Temer prepara primeiro escalão com nomes de confiança de Lula e FHC”.
            Se for assim, conclui-se que tudo caminha para a continuação do petismo sem o PT.  Tudo isso se deu progressivamente, através das ideias novas plantadas dentro da Igreja em conúbio com os desideratos da Revolução universal que procura encaminhar a humanidade rumo ao caos. Daí se compreende a apreensão de Nossa Senhora em Fátima com os rumos que se delineavam em 1917 com a ascensão do bolchevismo na Rússia, dizendo que este país seria a grande ameaça para a Igreja e para o mundo.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Relembrando doutrina oportuna em
situações de crise grave

Padre David Francisquini

           
Das sociedades, a primeira e a mais natural 
de todas é a família
Aristóteles, filósofo grego, século IV a.C., afirmou que o homem é um animal político. Bem mais tarde, no século XIII, Santo Tomás de Aquino, em parte com base na doutrina daquele, colocou os fundamentos da doutrina social católica, que começa com uma constatação: por ser contingente, o homem precisa viver em sociedade para atingir seus fins naturais.
            Por essa razão, os problemas sociais e políticos em geral, condicionam fortemente a busca de nossa perfeição humana e até sobrenatural. No estudo deles, o que se convencionou chamar pensamento aristotélico-tomista ilumina até hoje os nossos caminhos. É com base nele que volto os olhos para a terrível realidade brasileira.
            Das sociedades, a primeira e a mais natural de todas é a família. De sua normalidade depende a sanidade das outras sociedades da ordem temporal, até da suprema delas, o Estado. É no interior da família, embebido de afeto e presidido pelo exercício da autoridade, que surgem os costumes e os caracteres que darão depois rumo à escola, às empresas e aos vários órgãos do Poder Público.
            Não pretendo tratar hoje do tema mais debatido no Brasil, o impedimento da Presidente, sem antes lembrar que, de longe, a perder de vista, o mais importante para o futuro pátrio não é o que acontece em Brasília, mas a promoção da virtude no interior dos nossos lares.
            É mais do que chegada a hora de pôr os olhos na Pátria, sacudida por um intenso e tantas vezes caótico debate, envolto no clamor popular majoritário para que a Presidente seja afastada. Afastada por que motivo? — Por ter violado a lei. E volto a Santo Tomás de Aquino, segundo o qual a lei é a ordenação da razão para o bem comum, promulgada por quem tem a seu cargo a comunidade. Ele falava da lei humana. Tinha em vista, como sua inspiradora, a Lei natural, que é o reto agir da natureza.
           
Na encíclica Libertas Praestantissimum, Leão XIII [monumento ao lado] ensinou com precisão a respeito, ligando-a à razão eterna (ou Lei eterna):
“Tal é, acima de todas, a Lei natural que está escrita e gravada no coração de cada homem, porque é a razão mesma do homem que lhe ordena a prática do bem e lhe interdiz o pecado.
“Mas esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se ela não fosse órgão e intérprete duma razão mais alta à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem obediência.
“Sendo, na verdade, a missão da lei impor deveres e atribuir direitos, a lei assenta sobre a autoridade, isto é, sobre um poder verdadeiramente capaz de estabelecer esses deveres e definir esses direitos, capaz também de sancionar as suas ordens por castigos e recompensas; coisas todas que não poderiam existir no homem, se ele desse a si próprio, como legislador supremo, a regra dos seus próprios atos.
            “Disto se conclui, pois, que a lei natural outra coisa não é senão a lei eterna gravada nos seres dotados de razão, inclinando-os para o ato e o fim que lhes convenha; e este não é senão a razão eterna de Deus, Criador e Governador do mundo”.
São Tomás de Aquino
            E o que é a razão ou Lei eterna de Deus? Aqui recorro de novo ao Doutor Angélico. Lei eterna, pontua Santo Tomás, é a “razão ou plano da divina sabedoria, enquanto dirige todos os atos e movimentos das criaturas” (I-II. Q. 93, a 1). De outro modo, é o plano de Deus, a Providência Divina para o governo de suas criaturas. Assim, em cada criatura temos a lei própria de sua natureza; a Lei eterna é causa de todas elas.
            Na linguagem corrente, falamos com fundamento em leis divinas. A lei natural, em certo sentido, é lei divina, pois tem sua raiz no Criador. E é grave não a levar em conta. Os Dez Mandamentos, expressão da Lei natural, partem da Revelação; são leis divinas, no sentido de que vieram de Deus por meio de Moisés. A Igreja, quando legisla, com base no mandato de Cristo, nos impõe leis divinas, pois é divina a base de seu poder. São as legítimas, necessárias e justificadas liberdades da linguagem corrente.
            Por isso, com boa escora, podemos dizer que o governo petista, nos 13 anos em que vem infelicitando o Brasil, tem agido obstinada e repetidamente contra as leis divinas. Basta observar seu histórico (ou prontuário). Mas não me limito ao governo petista no Executivo. Qualquer ramo do Poder, Executivo, Legislativo, Judiciário, e membros de qualquer partido político, quando agridem leis naturais, como, por exemplo, o direito à vida desde a concepção, o casamento monogâmico e indissolúvel, a propriedade privada, agem contra mandamentos divinos.
            Continuo na mesma trilha. A autoridade existe para o bem dos governados. Se um pai de família lesa gravemente o bem do filho (de ser nutrido e educado retamente, segundo sua condição), por Direito natural e, no caso brasileiro, por legislação existente, a guarda deve lhe ser retirada. O mesmo se aplica ao professor, ao superior religioso, ao diretor de empresa etc.
            No caso do governo de um país, a autoridade existe para o bem comum. Havendo lesão grave a este, depois de pesadas prudentemente as razões em causa, pode ser o caso de sua substituição, se nos ativermos ao Direito natural.
            No caso brasileiro, considerando de momento não o Direito natural, mas a legislação positiva, os instrumentos estão na legislação constitucional e infraconstitucional. E como se pode lesá-lo? Por exemplo, com o emprego generalizado da corrupção, com impostos exorbitantes, aplicando políticas que destroem o emprego, a renda e as perspectivas de melhoria social.
No Congresso Nacional, manifestação contra a implantação da
“Ideologia de Gênero” nas escolas
            Lembro ainda, e com relevo, a difusão da Ideologia de Gênero, as tentativas de legalizar o aborto e a eutanásia, a leniência no combate às drogas, o favorecimento da prostituição e dos métodos antinaturais de limitação da natalidade, bem como o golpear constante as instituições a fim de impor ao Brasil um regime bolivariano, que nos tiraria a liberdade, sujeitando-nos a um regime socialista ditatorial.
            Tudo isso constitui matéria para o juízo de que o governo federal lesa gravemente o bem comum. Entre nós, o acento tônico até agora está na violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, sobre a qual não preciso me estender, porquanto os jornais e o noticiário de televisão têm divulgado informações de sobejo. E, ademais, pretendo enfatizar aspectos doutrinários da questão, pastoralmente mais úteis.
            Posta a situação anômala, compete ao povo, por suas manifestações e pelo emprego da legislação pertinente, substituir o governo por outro que, por juízo prudencial, lhe seja favorável ou pelo menos lese em menor escala o bem comum.
            Para terminar, lembro aqui princípio do Direito natural, ensinado também no Direito Romano: Salus populi suprema lex esto (A salvação do povo seja a suprema lei). De outro modo, acima da legislação positiva, como sua fonte inspiradora, está a salvação do povo. Que Nossa Senhora Aparecida nos ilumine a todos para agir com prudência e coragem nesta hora de gravíssima crise para o Brasil.

terça-feira, 29 de março de 2016

No ápice da derrota, o ápice da vitória

Pe. David Francisquini

Rogier Van der Weyden
Na aparência, Nosso Senhor Jesus Cristo na sepultura Se apresentava como o grande derrotado. Quem seria capaz de imaginar que depois de tantos milagres, como a transformação da água em vinho, da ressurreição de mortos, da multiplicação de pães e peixes, da pesca miraculosa, da cura de cego de nascença, além do poder que possuía sobre os demônios e a natureza, Ele terminaria a sua vida de maneira tão trágica?
A multidão que se aproximava para ver, ouvir e tocar o Divino Salvador, encontrava-se silenciosa diante de seu Corpo sem vida no Santo Sepulcro, sob a guarda de soldados. Mas Jesus jazia ali como triunfador glorioso, impondo terror aos seus inimigos, pois mesmo apesar de morto, aniquilado e derrotado, precisava ser vigiado como inimigo perigoso, tendo o seu sepulcro sido lacrado com o selo imperial de Roma e provido de guardas.
Rogier Van der Weyden
Por que tanto temor diante de um morto? Ainda havia pouco o Mestre de Nazaré lembrara aos seus inimigos que se eles derrubassem o Templo em três dias Ele o reedificaria... Na verdade, falava de seu próprio corpo mortal. Elucida-o a figura de Jonas em relação a Cristo, pois tendo passado no ventre da baleia três dias e três noites, simbolizou o Filho de Deus no ventre da terra por três dias, quando ressurgiu dos mortos.
Depois que Cristo Nosso Senhor dormiu o sono da morte no alto da Cruz, na Sexta-feira Santa às três horas da tarde, foi sepultado logo depois com ajuda dos seus discípulos José de Arimateia, Nicodemos e São João Evangelista, além de algumas destemidas mulheres que estavam aos pés da cruz. Com a devida permissão para O retirar da Cruz, seu Corpo foi sepultado num jardim próximo dali.
Mas ao terceiro dia, pela madrugada, sua alma santíssima uniu-se ao corpo que estivera morto. Para entender o mistério da Ressurreição, recorremos a uma comparação simbólica. Ao lançar o semeador a semente na terra, para que dela surja nova vida, é imperativo que morra. Assim aconteceu com Cristo que, colocado no sepulcro, resplandeceu como luz ao terceiro dia, o que prova a sua divindade.
A aurora, que é o desdobramento do próprio sol que ela anuncia, desponta para que o dia recomece. Assim, glorioso e refulgente, vitorioso da morte e do mundo, Cristo ressurge nesse dia com o seu próprio poder e virtude; dia glorioso, que passou para a História como primeiro da semana e, portanto, consagrado a Deus, porque Jesus Cristo selou sua missão divina de Homem-Deus. Como Vítima adorável, sacrificou-se pelos homens para redimi-los e lhes abrir as portas do Céu.
Maria Tereza Vidgal
Ele funda depois a sua Igreja e A enriquece com os tesouros divinos da salvação. Sua maneira de ressurgir foi própria, pois que “não está nas leis da natureza, nem homem algum teve jamais o poder de passar da morte à vida por própria virtude. Isto cabe ao poder de Deus, como se depreende das palavras do Apóstolo: 'Embora fosse crucificado na fraqueza, vive, todavia, pelo poder de Deus'” (II Cor. 13, 4 e Catecismo Romano de Trento).
Por ser Homem-Deus, a divindade nunca se separou do corpo nem da alma. De onde estavam postas as condições para que Cristo ressurgisse dos mortos por virtude própria. Por força da união hipostática – pela qual a divindade e a humanidade estão unidas tão estreitamente à pessoa do Verbo numa só pessoa – ao ser homem não deixou de ser Deus, Senhor da vida e da morte.
“Cristo ressurgiu dos mortos, como dos que dormem; porquanto por um homem veio a morte, assim também por um Homem veio a ressurreição dos mortos. E como todos sofrem a morte em Adão, assim todos terão vida em Cristo.  Cada qual, porém, conforme sua ordem. Cristo como primeiro de todos, em seguida os que pertencem a Cristo” (Romanos, 6, 9). Nossa Senhora, pela missão que ocupa como Mãe e Corredentora, ao contemplar Cristo Morto e sepultado, é o modelo exímio da Fé, do espírito de Fé e do senso católico.
Fra Angelico
Hoje, as possibilidades de ressurreição plena de todas as coisas segundo a Lei e a Doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo parecem tão irremediavelmente sepultadas quanto aos apóstolos parecia irremediavelmente sepultado Nosso Senhor Jesus Cristo no seu sepulcro. Os verdadeiros devotos de Nossa Senhora recebem d’Ela, entretanto, o inestimável dom do senso católico, sabendo que tudo é possível, e que a aparente inviabilidade dos mais ousados e extremados sonhos apostólicos não impedirá uma verdadeira ressurreição de todas as coisas.

Nossa Senhora nos ensina a perseverança na Fé, no senso católico, na virtude do apostolado destemido, mesmo quando parece tudo perdido. A ressurreição virá logo, porque tem a promessa de Nossa Senhora de Fátima, do triunfo do Imaculado Coração de Maria (cfr. Via Sacra de Plinio Corrêa de Oliveira, O Legionário).

segunda-feira, 21 de março de 2016

A última Ceia: a Missa de sempre

Pe. David Francisquini 


A Quinta-feira Santa nos conduz a uma verdadeira intimidade sacral com o mistério da alegria e da tristeza, pois enquanto o Divino Mestre reunia os seus discípulos no Cenáculo para a Ceia, que ficou gravada de modo indelével na História, afigura-se nos o quadro aterrador de um dos d’Ele, ali presente, que se tornaria o protótipo dos traidores de todos os tempos: Judas, o infame.
Noite memorável em que o mistério do amor do Salvador aos homens se manifestou ao lavar Ele os pés dos seus discípulos, lembrando-os de que não viera para ser servido, mas para servir. Noite em que — para ficar conosco até a consumação dos séculos — Ele instituiu o sacerdócio católico, o sal que salga, a luz que ilumina a Terra pelos bons exemplos e pela pregação da Boa Nova ensinada por Ele.
Jesus Cristo muito aspirou estar com os seus discípulos na instituição da Eucaristia, quando celebrou com antecipação o santo sacrifício da Cruz e inovou misteriosamente o antigo Sacrifício por meio do pão e vinho. O antigo dava lugar ao novo, pois um Deus Se fez homem e Se sacrificaria na Cruz derramando seu preciosíssimo Sangue.
Mosaico na Catedral de Monreale
Uma lição que surge desse acontecimento se traduz por excelência na constituição divina da Santa Igreja, na instituição do sacerdócio, na Eucaristia, na Santa Missa, quando se oferece Jesus Cristo a Deus pelo perdão de nossos pecados, único meio de reparar a falta de nossos primeiros pais.
A Igreja sempre revestiu a Santa Missa de sacralidade, beleza e riqueza, em razão dos tesouros divinos e dos méritos infinitos de Jesus Cristo para benefício das almas. Com a transubstanciação do pão e do vinho, operada através da consagração, Ele permanece conosco com seu corpo, sangue, alma e divindade.
Ao celebrar a primeira missa no Cenáculo, Nosso Senhor ordena aos Apóstolos a fazer a mesma cerimônia dizendo: “Todas as vezes que fizerdes isto, fazei-o em minha memória”. Não se trata de mera recordação, mas de uma realidade que faz parte da Santa Igreja Católica e que os protestantes não possuem. Um ato do próprio Salvador do mundo, que Se serve do sacerdote para renovar o sacrifício que nos redimiu.
Se Jesus Cristo colocou o sacerdote como instrumento hierárquico, só ele pode celebrar e renovar esse sacrifício. Isso o diferencia do simples leigo e contraria frontalmente os erros luteranos. Ademais, tal sacrifício, pertencente à Igreja Católica, é único, insuperável, inalienável.
Nada agrada tanto a Deus, faz tanto bem às almas e causa tamanha confusão nas hostes humanas e angélicas submissas a Satanás, do que a Santa Missa como a Igreja sempre a celebrou. Pode-se também compreender o ódio de Lutero votava a ela, ao afirmar ser algo medieval, a qual só lembrava ter Cristo se imolado por nossos pecados. Não! A Missa é propiciatória, razão do ódio das potestades infernais.
São Pio V
Se a Missa pertence à constituição divina da Igreja, torna-se claro que os heresiarcas não podem suportá-la, nem tampouco o sacerdócio hierárquico, sagrado e revestido de um poder conferido na ordenação sacerdotal para oferecer sacrifício por seus próprios pecados e pelos pecados do povo, compadecendo-se daqueles que erram. Compreende-se como a Igreja, através dos séculos, revestiu com toda sacralidade o mistério sagrado do culto para intensificar a piedade dos fiéis, tornando-se assim o centro da vida cristã.
Ao promulgar o Missal Romano, o Papa São Pio V, pela autoridade hierárquica apostólica, aplicou o zelo, a força e o pensamento no sentido de conservar na sua autêntica pureza tudo o que diz respeito ao culto católico. Ele realizou essa obra para todos os séculos, a fim de preservar dos ataques luteranos e dos futuros inimigos da igreja, algo que tanto eleva e compõe a vida interna da Esposa de Cristo.
 “Lex orandi lex credendi”. A oração regulada por um decreto papal que enaltece e põe em destaque o modo de se cultuar a Deus, no caso a Santa Missa, um sacrifício propiciatório incruento que aplica os méritos da Paixão a todos os membros da Igreja. O sacerdote principal é Nosso Senhor Jesus Cristo e, secundariamente, o celebrante é o padre sagrado e ordenado.
Missal Romano promulgado por ão Pio V, em 5 de dezembro de 1570
Na promulgação do Missal editado em 1570, São Pio V afirma que nenhuma autoridade poderá impedir a celebração da Missa impropriamente chamada de tridentina, sob pena de incorrer em cisma ou heresia. Por quê? Porque a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, em virtude de sua faculdade apostólica, decretou que a Missa a partir do Concílio de Trento seria irremovível, e isso para sempre.
Qualquer celebrante tem, a partir de então, o indulto, a permissão e o poder irrestritos de usar aquele Missal sem nenhum escrúpulo de consciência e sem incorrer em nenhuma pena, sentença e censura. São Pio V usou de suas atribuições como sucessor de Pedro, Vigário de Jesus Cristo, para se contrapor à pseudo-reforma luterana que envolveu a liturgia e a mudança na forma doutrinária.
Para salvaguardar o culto católico de qualquer inovação extravagante, sem respaldo na Tradição e no Magistério, sempre em vigor de maneira ininterrupta, São Pio V nos concedeu um verdadeiro tesouro protegendo a Missa contra a investida de seus inimigos. Não se trata de preferência, mas de coerência com o que pensa e ensina a Igreja, que não contradiz seu passado glorioso, seja no culto litúrgico, seja na sua doutrina.

São Pio X celebrando a Missa
Por isso nós a aclamamos una, porque a coesão e a unidade só se explicam em Deus, d’Ele provêm e a Ele conduzem, porquanto o Pai enviou seu Filho para renovar todas as coisas. Continuidade eterna, imutável, cheia de perfeições e grandezas, pois o próprio Cristo instituiu a Santa Missa como um sacrifício no qual se renova o sacrifício d’Ele no Calvário, e não para agradar os luteranos...

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Outros eram os tempos, outros os ventos...

Pe. David Francisquini




             Ao analisar o cenário interno e externo da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana a partir de meados do século passado, um observador verificará que muita coisa mudou.
            Foram introduzidas reformas profundas na liturgia, na disciplina, no comportamento social através do ecumenismo, na teologia, na moral individual e familiar, na protelação da administração dos sacramentos do batismo, da crisma, da confissão e da comunhão.
            Não vou me ocupar das particularidades dessas transformações, mas apenas apontar as manobras sutis e cavilosas propostas por tantos agentes que operaram no silêncio e na noite, como salteadores e ladrões que se apoderam dos bens alheios. Houve, igualmente, silêncios enigmáticos, conscientes e premeditados, visando introduzir nos meios católicos ideias já condenadas por São Pio X em sua Encíclica Pascendi, no início do século XX.
            Como uma engrenagem bem azeitada, tais mudanças obedeceram a um processo desde a morte de São Pio X (1914). Os meios católicos foram sendo modificados paulatinamente, os expoentes contrários ao modernismo condenado por aquele Papa, foram afastados de seus cargos e substituídos por outros menos rigorosos e até defensores de doutrinas heterodoxas. O rigor doutrinário baixou até às capilaridades, pois mesmo os candidatos ao sacerdócio já se apresentavam aos seminários contagiados por ideias avessas à sã doutrina.
            O campo se encontrava descuidado e, portanto, apto para que nele grassassem as
Mons. Annibale Bugnini - Reformou a Semana Santa
no tempo de Pio XII e fez parte da comissão litúrgica
 na elaboração da Nova Missa  de Paulo VI
ervas daninhas como o joio e a cizânia. Em meados do século passado, os seminaristas que mais tarde tornar-se-iam párocos e bispos já se encontravam eivados dos princípios e das doutrinas da filosofia e da sociologia modernas, conduzindo-os consciente ou inconscientemente ao marxismo-leninismo então em voga. Cunharam até uma nova teologia para servir de caudal aos inovadores, chamada Teologia da Libertação.
            Pregadores começaram a silenciar verdades fundamentais sobre a salvação eterna, a negligenciar o ensino dos Mandamentos da Lei de Deus, as devoções populares como a recitação do terço, as coroações a Nossa Senhora, as procissões, para se ocuparem de temas temporais como o bem-estar das pessoas neste mundo, impregnando-as de ideias socialistas e até mesmo comunistas ao abordarem temas como fome, pobreza, minorias,  marginalizados. O reino de Deus deveria realizar-se aqui na Terra e agora.
            Como ocorreu esse minucioso e profundo trabalho revolucionário nas fileiras católicas e em todos os campos da cultura, da arte, da liturgia, dos costumes, nas maneiras de ser, no interior das famílias, no trato social, na economia, na política? No campo das ideias, houve a rejeição da filosofia aristotélico-tomista, cujo valor e grandeza haviam sido ressaltados por Leão XIII em razão de sua elevação e sublimidade, pois nem a fé podia esperar que a razão lhe conferisse mais argumentos.
Cardeal Augustin Bea-dedicou o resto de sua vida a
questões ecumenismo e inter-religiosos - primeiro 
Presidente do Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos
            Concomitante a isso não se ouvia mais a voz dos sinos, que deixaram de soar, de emitir os seus apelos, pois as sentinelas da casa do Senhor deixaram de vigiar e defender as ovelhas. Minguaram as missões, que pregavam as verdades eternas e sempre convidavam os fiéis à frequência dos sacramentos, ao afervoramento religioso e ao combate aos erros e aos vícios, além de proibir os católicos de procurar qualquer composição com seitas protestantes.
            Pouco a pouco, foram sendo introduzidos nos salões paroquiais divertimentos profanos como bailes e danças, com a finalidade de adquirir fundos para obras de assistência social. As músicas religiosas populares foram substituídas por outras de sabor protestante e mundano. Erodidos os bons costumes, a mentalidade e a espiritualidade de outrora se extinguiram. Verificou-se um abandono de todo o passado glorioso da Santa Igreja que remontava a Constantino e ao Concílio de Trento.
            O progresso dessa implacável revolução só foi possível devido às ideias luteranas que foram sendo introduzidas nos meios católicos, sempre apresentadas como perspectivas de modernizar a Igreja, de torná-la mais aberta, mais democrática e compreensiva em relação àqueles que recusavam — rejeitarão sempre, apesar de todas as concessões — os princípios emanados do supremo Magistério e a vida da Igreja verdadeira como um todo.
            Uma análise retrospectiva do desastre decorrente das medidas contemporizadoras da Hierarquia católica leva a concluir que os fiéis teriam reagido energicamente se desde o princípio tivessem compreendido para onde a Barca de Pedro estava sendo conduzida. Se, por exemplo, soubessem que a mentalidade herética de um Pelágio ou de um Jansênio voltaria a ter cidadania dentro da Igreja, não se confiando mais na graça, nos meios sobrenaturais e divinos, para se acreditar apenas nos próprios esforços.
            Fatos como o silêncio, a ausência de sacerdotes nas paróquias, leigos cada vez mais à frente das mesmas e dirigindo a comunidade religiosa, tendem a acentuar a ideia de que a presença do padre não é necessária, podendo ele aparecer apenas em certas ocasiões, pois o resto o leigo realiza. E, diante de tudo isso, conclui-se o quanto a Igreja se distanciou de seu passado santo e glorioso, quando o essencial se passava em torno do altar, na celebração da Missa, nas bênçãos do Santíssimo, nas festas do padroeiro…
            A igreja matriz irradiava a imagem de uma verdadeira família paroquial, um centro de onde emanava o bem, o fervor, a ortodoxia, a pureza de costumes; era o ponto monárquico de tudo. Por isso se chamava matriz, porque mãe de várias capelas que leigos bem formados não deixavam de frequentar a fim rezar e estudar a doutrina cristã. Outros eram os tempos, outros os ventos, outros os rumos: a glória de Deus e a salvação das almas.

            O sacerdote estava compenetrado de seu dever sagrado como ministro do Altíssimo, de seu poder incomparável, por ter sido ordenado sacerdote segundo a ordem de Melquisedec. E sentindo-se capaz de combater o mal e seus agentes, de abrir as portas do Reino do Céu. É difícil aquilatar o poder que exerce neste mundo um padre inteiramente fiel à sua missão, pois ele se torna o sal que salga e a luz que ilumina.