Vigiai!
Tendes olhos e não vedes?
Padre. David
Francisquini
Alguns animais se utilizam de disfarces para se
arremessarem melhor contra a presa. É o caso, por exemplo, do leopardo ao
escolher sua vítima; da cobra, cuja coloração furta-cor serve ao mesmo tempo de
camuflagem e atração; do camaleão, do latim stellio, lagarto, que muda de cor
para passar despercebido. Eles parecem ter inspirado os legisladores na
tipificação de crimes praticados por estelionatários.
Ser racional, o homem vai além: vê, julga e age em
consequência para fazer o bem ou o mal. O ideólogo do mal, por exemplo, opera
com facilidade e está sempre aprimorando suas abordagens a fim de inocular mais
eficazmente o seu ideário. Assim como um
réptil muda a cor da pele por mero instinto, os difusores do mal se transmutam
ao utilizar linguagem capciosa e envolvente para iludir incautos e fazer
prosélitos e simpatizantes.
É o que podemos constatar ao analisarmos a metamorfose do
comunismo e suas influências nocivas nos ambientes, costumes e instituições.
Assim, os agentes revolucionários, tendo por doutrina o igualitarismo e o amor
livre, trabalham ardilosamente para o apodrecimento da sociedade. Ficam sempre
à espreita para golpear um valor que concorre para a sustentação do mundo no
qual vivem.
As suas metamorfoses táticas visam apenas alcançar seus
objetivos, não importa o campo de atuação. Restrinjo-me ao erro declarado ou
larvado que passou a grassar nos meios católicos por meio da infiltração
comunista ou das ideias comunistizantes da Teologia da Libertação que vem
descaracterizando o povo fiel. Na verdade, ao longo deste último século o meio
religioso foi acossado a se adaptar ao mundo moderno.
Entre o clero, para não falar de algumas personalidades
de destaque até do episcopado, passou-se a ter uma concepção do comunismo e do
socialismo que nunca correspondeu à realidade. Chega-se a ouvir com certa
frequência que o comunismo morreu, e, portanto, que as condenações pontifícias
de outrora perderam a razão de ser.
Procura-se justificar o caráter “desprovido” de ideologia
de partidos comunistas quando se ocupam de questões sociais, como os interesses
dos marginalizados e excluídos; das minorias; do direito à prática do aborto e
da prostituição; da erradicação da homofobia e da igualdade de gênero; do
direito às manifestações públicas em paradas homossexuais; a defesa exacerbada
do meio-ambiente...
Convém, contudo, focalizar que o mundo contemporâneo
encontra-se numa fase tal que pretende tragar, com reformas antinaturais e
contrárias à Lei de Deus, o que ainda resta de ordem, como a família e a propriedade.
Diga-se, aliás, que a Revolução passa da fase propriamente comunista para o
campo cultural e místico, a fim de instaurar o caos social.
Lembremo-nos que a Igreja, até meados do século passado,
tinha uma posição clara, definida, categórica a respeito da ideologia marxista,
impondo até mesmo penas canônicas ao católico que colaborasse ou defendesse a
ideologia ateia, pois, entre o socialismo e a doutrina social da Igreja havia
uma oposição irreconciliável. De lá para cá, vem-se configurando um distanciamento
paulatino de tudo aquilo que ensinaram os Papas, os Santos e os Doutores da
Igreja.
Frei Gilvander Luís Moreira, promovendo revolução |
Cumpre notar que os líderes revolucionários fingem
desconhecer que no final do processo de transformação e da consequente
consolidação de seus planos haverá um nivelamento drástico das classes num
patamar social aviltante, porquanto uma minoria desfrutará das benesses que o
novo sistema lhe proporcionaria. É o que ocorre em Cuba há mais de meio século
e agora também na Venezuela. Algo disso começou a esgueirar-se no Brasil na era
do PT.
Outra tese revolucionária é a de que só se alcança a
dignidade humana através do estabelecimento da igualdade de todos, ainda que na
miséria. Se o empregado é teoricamente igual ao patrão, este último acaba por
se sentir livre da obrigação moral de lhe prestar assistência e proteção. Em
nome dessa igualdade os empregados são lançados contra as classes mais
favorecidas que os protegiam em sua própria dignidade, nos costumes e nas suas
necessidades.
Por sua vez, os empregados ficam entregues à própria
sorte e passam a explorar cada vez mais o empregador, ancorados, aliás, em leis
favorecedoras da luta de classes. Esse quadro prenuncia uma profunda
desmoralização, geradora de miséria espiritual e material, com vícios de toda
ordem a devorar os salários e agravar mais e mais a triste situação de um povo
alheio à fé, desguarnecido das leis e desprovido de lares.
Cabe, pois, aludir à advertência do nosso Divino Mestre:
“Vigiai e orai para não cairdes em tentação”. Que tentação? – A de nos
deixarmos envolver pelo otimismo sedutor, produto da propaganda revolucionária,
e nos tornarmos cegos, como muitos homens verdadeiramente cegos, que nada veem
através do coração ou do pensamento, mas só com os olhos do corpo. Se lhes
perguntarmos se Babilônia e Palmira existiram de fato e foram destruídas, eles
responderão que sim, pois podem ver as ruínas de edifícios encobertos pelas
areias do deserto. Mas se lhes dissermos que a sociedade atual está sendo
destruída, não irão nos compreender e rir-se-ão de nós, porque veem à sua volta
os campos cultivados, as casas e cidades habitadas pelos homens. O que dizer a
esses cegos, senão o que o Senhor disse a outros semelhantes: “Têm olhos e não
veem” (Sl. 115, 5 e 135, 16, Delassus, Espírito de Família).
Sob os auspícios de Nossa Senhora Rainha, cuja festa no
calendário tradicional se celebra no dia 31 de maio, peçamos-Lhe que difunda
luzes para que a nossa sociedade conturbada escape das armadilhas veladas ou
declaradas de seus predadores. Que sua festa nos traga a clareza de espírito
capaz de discernir essas armadilhas e seus encadeamentos, que nos impedem de
agir em conformidade com a nossa fé.