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domingo, 1 de julho de 2018


Edifiquemos nossa casa sobre a rocha firme


*Padre David Francisquini

Dos ensinamentos emanados dos livros sagrados, é relevante aquele proveniente da parábola da vinha abandonada. Inteiramente dominada pelas ervas daninhas, suas cercas haviam caído, permitindo aos animais de entrar e sair, devastando o que restava do vinhedo.

Se não é próprio à virtude da sabedoria o homem iniciar uma obra e deixá-la inacabada, mais insensato é abandoná-la depois de concluída, seja por imprevidência, falta de zelo ou de coragem para mantê-la próspera e produzindo frutos.

Assim diz o Profeta Jeremias: “Numerosos pastores destruíram a minha vinha, pisaram a minha propriedade, trocaram a minha deliciosa herança em deserto e solidão. Devastaram-na, e ela está de luto diante de Mim. [...] Semearam o trigo e colheram espinhos; receberam a herança, mas não lhes aproveitará; envergonhados sereis dos vossos frutos, por causa da grande cólera do Senhor".

A vinha plantada, cultivada, resplandecente, descrita pelo profeta é a esposa de Cristo, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, hoje numa situação muito próxima à descrição bíblica sobre a vinha do Senhor. Basta olharmos ao nosso redor a decadência moral e religiosa manifesta na displicência, quando não na cumplicidade em face da conjuração dos ímpios, daqueles que deveriam ser os seus guardiães.  
Para dar um exemplo, a avalanche de erros que contagia por todos os rincões da terra grande número de jovens e crianças, sem reação alguma por parte dos vigilantes da grei do Senhor. A situação se apresenta tão grave que, sem uma assistência muito especial da graça, os fiéis não poderiam continuar crendo que as portas do inferno não prevalecerão em todo o orbe.

Nem sempre é fácil distinguir a verdade do erro. A parábola ensina que, movidos pelo demônio, há na vinha do Senhor os semeadores de más sementes – hoje personificados em modernistas e progressistas – que, ao germinarem e crescerem, acabam por dominar o que foi arduamente plantado e cultivado pelo Senhor.

Em meus numerosos contatos, não apenas em âmbito regional, venho constatando uma ação quase sistemática das prefeituras no sentido de contratar artistas que, no mais das vezes, farão a apologia das drogas, da prostituição, do amor livre e da violência para os seus munícipes. Ouvi dizer que até sacerdotes costumam frequentar esses ambientes...

            Os evangelistas São Lucas, São Mateus e São Marcos se referem à vinha plantada e cultivada pelos lavradores do Senhor. É uma clara alusão à vinha que Deus plantou desde o início da criação do mundo, contratando os operários para a manutenção de seu cultivo.

Assim como o inimigo penetrou nos recintos da Sinagoga antiga a ponto de induzi-la a cometer o pecado de deicídio, assistimos em nossos dias ao final de um processo demolidor iniciado há séculos por inimigos visando à destruição do edifício milenar da Santa Igreja Católica.

Na previsão do que disse Nossa Senhora em Fátima – “a Rússia espalhará seus erros pelo mundo” –, nem sequer a Igreja de Cristo foi poupada do flagelo. E a própria Mãe de Deus promete um castigo jamais visto... Aliás, as suas palavras são um eco da profecia de Isaías:

"Que coisa há que eu devesse fazer mais à minha vinha, que lhes não tenha feito? Far-lhe-ia acaso injúria em esperar que ela desse boas uvas em lugar das labruscas que produziu? Pois agora vos mostrarei o que hei de fazer à minha vinha: arrancar-lhe-ei a sebe, e ficará exposta ao roubo; derrubar-lhe-ei o muro, e ficará sujeita a ser pisada.

“E farei com que fique deserta; não será podada nem cavada; e crescerão nela os espinhos e os abrolhos; e mandarei às nuvens que não derramem sobre ela a chuva. A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel e os homens de Judá, a planta na qual ele tinha as suas delícias; e esperei que praticasse a retidão, e eis que só a iniquidade, e que praticasse a justiça, e eis que somente se ouvem clamores" (Is. 5, 4-7).

Hoje, a Santa Igreja padece com a infiltração comunista, com a Teologia da Libertação, e com todos os erros que foram tomando corpo depois do concílio Vaticano II. Erros esses reiteradamente denunciados pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, por exemplo, no abaixo-assinado com 1.600.368 (um milhão, seiscentas mil, trezentos e sessenta e oito) assinaturas, coletadas em 1968 e enviadas em seguida ao Papa Paulo VI, pedindo-lhe medidas contra a infiltração comunista na Igreja.

Cooperadores da TFP brasileira em campanha do Abaixo-assinado de 1968
Padre David, em Bragança Paulista, quando era seminarista,
 colhendo assinaturas contra a infiltração comunista na Igreja
Infelizmente, essa petição angustiada não mereceu nenhuma resposta ou providência do Sumo Pontífice. A partir de então, uma defecção da fé, da moral e dos costumes vem dizimando instituições como a família, um dos pilares da sociedade. A que abismos chegaremos se Deus não intervier?


No entanto, fiquemos atentos à Sua voz em nossas almas, pois quem souber ouvi-la e guardá-la no coração, será como alguém que edificou sua casa sobre a rocha firme, e não sobre a areia, como faz o insensato. Mesmo que caia a tempestade, transbordem os rios e soprem os ventos, ela permanecerá de pé, pois essa rocha firme é a Santa Igreja, contra a qual Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno não prevalecerão.

segunda-feira, 21 de maio de 2018


“Estarei convosco todos os dias”

*Pe. David Francisquini

           
Jesus Cristo, que se imolou e se ofereceu a Deus Pai por nós no alto do Calvário, é o mesmo que diariamente se imola em nossos altares em oferenda a Deus por nossos pecados.  A fim de comemorar a presença real de Nosso Senhor na Eucaristia, a Igreja Católica instituiu a festa de Corpus Christi, celebrada sempre com beleza, suntuosidade e requinte. Em decorrência deste caráter sagrado, a procissão eucarística se reveste de elevação e nobreza.
            A Eucaristia — ao mesmo tempo sacramento e sacrifício, sinal distintivo e visível da graça — é o próprio Jesus Cristo que se dá em alimento enquanto se imola e se oferece a Deus Pai no sacrifício da nova Lei. A missa é o símbolo do que existe de mais alto, de mais sagrado, de mais perfeito, pois liga Deus aos homens, o Céu à Terra. Aquele mesmo Jesus que se encerrou no ventre materno de Maria se encerra nas nossas igrejas sob as espécies do pão e do vinho.
            Nos Evangelhos, Cristo se autodenomina maná que desceu do céu, cordeiro que foi imolado, “o pão que darei é minha carne”. Como os judeus se escandalizavam com tais palavras, Jesus foi além: “Se não comerdes a carne do filho do Homem, não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeiramente comida, o meu sangue verdadeiramente bebida”.
            Na consagração eucarística ficam apenas as aparências de pão e de vinho. Pode-se fazer uma comparação com o que se passa no interior de um ovo que se transforma em ave e, contudo, sua casca não muda, permanecendo a mesma. As substâncias de pão e vinho se transformam em corpo e sangue pelo mistério da transubstanciação que se opera na Consagração, permanecendo os acidentes do pão e do vinho. Daí a razão de Cristo estar presente todo inteiro, tanto na espécie de pão quanto na de vinho, mas o sacrifício está representado e retratado nas duas distintamente.

            Foi tal a alegria de Cristo ao instituir a Eucaristia na última Ceia, segundo relata São Lucas, que Ele mesmo desejou comer com os discípulos o cordeiro pascal antes de padecer. “Digo-vos, pois, que não mais o comereis até que isto se realize no reino de Deus”. O júbilo do Divino Mestre na instituição da Eucaristia é surpreendente e repleto de unção.
            Ele fica conosco nos altares dia e noite, nimbado pela luz de uma lamparina que Lhe faz companhia. Quem comunga a hóstia consagrada come a carne de Jesus Cristo. Assim o Filho de Deus encarnado fundamentou esta verdade: “O Pai que vive me enviou, eu vivo pelo Pai, assim também o que me comer viverá por mim. Este é o pão que desceu do Céu. Não como o maná que os vossos pais comeram e, contudo, morreram. Quem comer deste pão viverá eternamente”.
            O pão e o vinho consagrados são um dogma para os cristãos, pois o pão se transforma em carne e o vinho em sangue. Aquilo que contemplamos pela fé supera a natureza, como afirma Santo Tomás, pois as espécies diferentes são apenas sinais que ocultam coisas exímias, esplêndidas, uma realidade que é o cume do amor de Cristo para conosco, que não nos deixa órfãos, porque está sempre conosco nesse sacramento divino.
            Ao comungar, o justo e o perverso recebem vida e morte, pois ao consumir essa realidade transcendental e real, conseguem para si a eternidade feliz ou infeliz. Por isso São Paulo Apóstolo afirma que cada um deve examinar a si mesmo, ao receber a Eucaristia, pois quem comunga indignamente come ou bebe a sua própria condenação. E São Tomás continua dizendo que ao receber a Eucaristia, “morte do mau, vida do bom”, ele vê como a mesma comida produz efeitos contrários, isto é, vida e morte.
            Ao fiel e digno comungante são reservados maravilhosos efeitos, como o aumento da vida na alma — a graça santificante — e a eterna bem-aventurança; purifica como o fogo; enfraquece as más inclinações como a ira, a inveja, a avareza, a deslealdade, apaga os pecados veniais. Como o sol que sobrepõe a aurora, a Santa Comunhão esparge luz e calor, e promove as graças atuais. Também aos enfermos é de grande e indispensável benefício, dando-lhes conforto, soerguimento e até a cura dos males de corpo e de alma.
           
Tão misteriosa é esta ação sacramental que o sacerdote, ao pronunciar as palavras da consagração sobre o pão e o vinho, empresta o seu aparelho fonador a Cristo, pois fala em nome de Cristo — in persona Christi, ou seja, como se fosse o próprio Cristo que estivesse pronunciando aquelas palavras que operam a transubstanciação. É um verdadeiro mistério de nossa santa Fé.
            O que os olhos não veem, a fé nos declara como realidade, a presença real de Cristo, presente real e substancialmente em nossos altares. O Céu se liga à Terra como um sol que afasta as trevas da noite. Diz Santo Afonso: “Os gentios imaginaram tantos deuses, mas não engendraram nenhum tão amoroso como o nosso Deus, que está tão perto de nós e com tanto amor nos assiste”.
            “Não há outra nação tão grande que tenha os seus deuses tão perto dela, como o nosso Deus está presente a todos nós” (Det. 4, 7). A Santa Igreja aplica com razão esta passagem do Deuteronômio à festa do Santíssimo Sacramento". 
A eucaristia é um verdadeiro sol que ilumina a vida cristã. Não há nesta terra o que encante mais e anime tanto, nos cumule de esperança e de alegria que ter Cristo presente entre nós: ‘Eis que estarei convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.

sábado, 12 de maio de 2018


Santa Missa: um sacrifício sem mácula

*Pe. David Francisquini

A Santa Missa é a incruenta renovação do sacrifício do Calvário, ou seja, da Paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi Ele próprio quem a instituiu na Última Ceia, para que seu holocausto na Cruz fosse renovado a cada dia em toda a face da Terra, até a consumação dos séculos.
No momento da Consagração, as espécies separadas do pão e de vinho nos conduzem ao mistério mais sublime da nossa santa Fé, ao se transformarem no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo.

parte de trás da casula - (paramento litúrgico)
parte de trás da casula - (paramento litúrgico)
A separação dessas espécies indica a morte mística. Os grãos de trigo secados ao sol, debulhados, moídos, amassados e cozidos ao forno simbolizam um processo no qual a ideia de uma trituração se encontra subjacente. Quanto às uvas, elas são preparadas e espremidas no lagar para dar o vinho [na foto ao lado, trigo e uva estilizados no sacrário]. Este procedimento na preparação do pão e do vinho nos faz adentrar na dolorosa Paixão de Cristo.
No Calvário houve derramamento de sangue e no Altar o sacrifício é incruento, mas a Vítima é a mesma: Jesus Cristo, que se imolou por nós. Pode-se compreender então o ódio dos inimigos da Fé contra a grande realidade do Altar — o centro da vida cristã — anunciado pelo profeta Malaquias: “Entre todos os povos, e em todos os lugares da Terra, do nascer ao pôr-do-sol, oferecer-se-á, à glória de Deus, um sacrifício sem mácula”.
Com a vinda do nosso divino Salvador, constituiu-se um vínculo perene entre o Céu e a Terra, pois o sacerdócio da nova Lei — fundado por Jesus Cristo — passou a ter a missão superior e grandiosa de oferecer sacrifício pelos pecados do seu povo: “Tu és sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedec”. Em toda a Terra, a qualquer hora do dia, é oferecido o sacrifício puro, sem mancha, santo e imaculado.
ornamentos da casula
Não poupou o Altar o processo revolucionário que se desencadeou contra a Cristandade medieval e cujo lúgubre curso, agora estertorante, vive seus últimos dias. Já a falsa Reforma luterana havia mudado a Missa por ser ela o centro de unidade da Igreja, juntamente com o Papa, sua cabeça visível. Tal reforma procurou extirpar tudo aquilo que dizia respeito ao sacrifício, à expiação, à impetração e imolação, ao afirmar que tudo não passava de mera lembrança.
Para a falsa Reforma, não há simplesmente distinção entre sacerdote e leigo, pois ela nega o caráter indelével que assinala e distingue o padre do simples fiel. Assim, todos poderiam oferecer a Missa, a qual não passaria de um ato de louvor, de uma ação de graças, de uma ceia celebrada com pão e vinho distribuídos de mão em mão a todos os presentes.
Em sua “missa” celebrada em língua alemã, Lutero conservou algumas orações sem valor intrínseco, porque desligadas do verdadeiro sacrifício instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, o ato mais sublime de nossa Fé, como expressão do sacrifício latrêutico — ato de reconhecimento e adoração a Deus como Senhor dos senhores —, foi extirpado pela heresia protestante.
ornamentos da casula
Como a Santa Missa é o sacrifício da nova Lei, sua celebração deve revestir-se da mais alta expressão de nobreza, elevação, dignidade e inocência. Junto ao altar, o celebrante — que é o sacrificador e representante da Vítima adorável — se eleva acima de toda a comunidade católica qual novo Monte Calvário, em que a Missa se     transforma, atingindo seu cume no momento da Consagração, quando Cristo se imola.
No sacrifício da nova Lei, o sacerdote não pode ter esposa nem filhos, por ser um seguidor de Cristo, cuja Cruz ele traz em suas costas, impressas no paramento [foto abaixo]. Este também tem um significado, por revestir alguém que vai operar algo de grandioso no altar onde Cristo se oferece pelos nossos pecados.
Ao se oferecer em holocausto por toda a humanidade, Jesus Cristo instituiu um sacrifício para os seguidores de sua Igreja, a única e verdadeira. Os fiéis que assistem a Missa unindo-se às intenções do sacerdote beneficiam-se dela, pois Cristo morreu para nos dar os meios de salvação. Se pelo batismo somos incorporados à Igreja como seus membros vivos, sê-lo-emos a Cristo no Altar por seu sacrifício, seus dons e oferendas, podendo inclusive, sempre que estivermos em condições, nos unir intimamente a Ele na sagrada Comunhão.
O mesmo ódio que rondou em torno do Calvário ronda hoje, em aras da igualdade, em torno do altar. Ele visa suprimir o verdadeiro sacrifício da Missa com mutilações e supressões para descaracterizá-lo e torná-lo mais ‘humanista’, mera ceia desprovida do caráter sagrado. Como o Cânon era recitado em silêncio, ninguém percebeu a modificação que ele sofreu, por parte de Lutero, suprimindo a ideia de união do sacrifício com a Santa Igreja.
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O requinte e a beleza do cerimonial de uma época têm íntima ligação com a mentalidade e os costumes dessa época, com sua maneira de pensar, sentir e julgar. Se, numa manifestação de orgulho e sensualidade, lhe forem subtraídos esses predicados, ela decai, por exemplo, no modo de trajar de seus contemporâneos, que se torna vulgar.
Creio que isso explica de algum modo o avanço galopante do ateísmo, da laicização e das ideias revolucionárias que vêm destruindo todos os valores morais e espirituais da sociedade, como a perda do fervor religioso, da noção de moral e, portanto, do pecado. O resultado desastroso não poderia ser senão o esvaziamento dos ambientes católicos.

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(*) Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso Moreira (RJ).

domingo, 8 de abril de 2018


Meu Senhor e meu Deus!


Pe. David Francisquini*

Pode parecer surpreendente, mas a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo não foi disposta para ser presenciada pelo povo em geral, mas apenas por algumas testemunhas previamente escolhidas, como os apóstolos e os discípulos.
Ao contrário da Paixão de Cristo, que, como afirma Santo Tomás de Aquino, foi manifestada a todo o povo e transcorreu numa natureza passível, mortal, conhecida de todos pela lei comum, como ele descreve em sua Suma Teológica.
Como a Ressurreição se operou para glória do Pai, não convinha por isso que fosse revelada a todos, mas somente àqueles que tinham a missão de difundir a Boa Nova por toda a Terra.
Não há prova tão convincente da divindade de Jesus Cristo quanto à sua Ressurreição gloriosa três dias depois de ter padecido e morrido na Cruz. A verdade da Ressurreição — sem a qual, segundo São Paulo, nossa fé seria vã — transparece nas páginas dos Evangelhos que narram o aparecimento de Jesus Cristo a seus discípulos, falando, comendo e bebendo com eles, além de oferecer seu divino Corpo para ser tocado, bem como mostrando o sinal dos cravos.
Os discípulos ficaram reluzentes de alegria e júbilo incontido. Não lhes restavam dúvidas de que Cristo ressurgira dos mortos. Mais ainda. Pode-se dizer que a Ressurreição foi gloriosa, pois Cristo não quis conviver com os seus fiéis discípulos como outrora, mas aparecendo-lhes de quando em quando, para não dar a entender que seu corpo era mortal, mas um corpo imortal.
Nisso, a verdade da Ressurreição apresenta um esplendor que nos confirma na fé e na esperança de podermos contemplar Jesus Cristo um dia no Céu. Na verdade, ao ressuscitar impassível, glorioso e com frequentes aparições, Ele quis certificar os seus discípulos dessa verdade sublime.
Cristo teve o cuidado minucioso de não induzi-los ao erro, acreditando que vivia como antes. Para isso aparecia-lhes de quando em quando, de maneira surpreendente e inusitada, pondo-se de repente entre eles estando fechadas as portas, ou então desaparecendo igualmente a seus olhos.
A psicologia do Salvador e a sua divina capacidade de ensinar tornaram sua didática muitíssimo superior à nossa, respeitando, contudo, o processo humano de aprendizado. Com efeito, Cristo procura ensinar seus fiéis discípulos a se guiarem pela fé, pela razão, pelo raciocínio, pela lógica, pela disciplina e pela coerência, constituindo uma verdadeira escola de formação.
Ele quis gravar em seus corações a verdade de que é verdadeiro Deus e Salvador do mundo. Não estabeleceu a escola das aparências, dos sentimentos, do ver para crer. Quis e quer assentar os alicerces da verdadeira doutrina, o luzeiro que enxota as trevas do paganismo.
Uma palavra surpreendente repreendeu Tomé, que havia dito que só acreditaria se tocasse a mão no lado e o dedo nas chagas do Mestre, ensinando com isso a todos os seus irmãos na fé. De fato, Jesus surge entre eles e manda Tomé tocar seu divino lado e suas chagas gloriosas. Tomé as toca e, em seguida, faz a sua profissão de fé exclamando: “Meu Senhor e meu Deus!”.
Jesus, por sua vez diz: “Tu, Tomé, creste porque viste. Bem-aventurados aqueles que não viram e creram”. Nosso Senhor ressalta a fé ao destacar a doutrina por meio do tato, o último dos sentidos do homem… Afinal, Tomé não havia acreditado em seus companheiros que lhe haviam dado a boa-nova da ressurreição de Cristo.
Somente no domingo, no mesmo dia da Ressurreição, Cristo apareceu cinco vezes, como narram os Santos Evangelhos: primeiramente, às santas mulheres no Santo Sepulcro; depois, ainda a elas, quando voltavam do Sepulcro; outra vez a Pedro; uma quarta vez aos discípulos de Emaús, e, por fim, a vários discípulos reunidos no Cenáculo, sendo que Tomé não se encontrava entre eles.
Antes de sua gloriosa Ascensão ao Céu, Nosso Senhor apareceu várias vezes a seus discípulos, inclusive a Tomé [pintura ao lado], que estava com eles, no Mar de Tiberíades e no monte da Galileia, para lhes indicar que Aquele mesmo Cristo que fora crucificado e tratado duramente pelo ódio lhes aparecera.
A escola de formação fundada por Jesus Cristo ficou gravada profunda e perenemente nas almas de seus discípulos, dando-lhes a esperança da vitória de Cristo na Terra, conquistando-a para o reino de Deus. Não há um lugar nesse Vale de Lágrimas onde não se tenha noção de que a Igreja Católica é a Igreja fundada por Jesus Cristo, a Arca da Aliança e Porta do Céu, que convida a todos a tomarem parte d’Ela.
Tal escola nunca foi, não é, jamais será a desse ecumenismo pós-conciliar banal, que confirma as pessoas no erro. Ao ressuscitar, Nosso Senhor disse a seus discípulos: “Ide por toda parte e pregai o Evangelho; quem crer e for batizado, será salvo, e quem não crer será condenado”. Portanto, a Ressurreição de Cristo vem manifestar a divindade e a indefectibilidade da Santa Igreja, fora da qual não há salvação.
No ato de fidelidade dos Apóstolos e dos discípulos do Senhor se assentam os fundamentos da Civilização Cristã na Terra. O esplendor e a grandeza dessa civilização, hoje quase em ruínas, conheceram o seu auge de glória na Idade Média. Outra civilização — mais esplendorosa, mais majestosa, mais hierárquica —, dar-se-á contudo com o Reino de Maria, profetizado em Fátima: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará.”

sábado, 24 de março de 2018

A coragem de dizer NÃO

*Pe. David Francisquini

Pilatos, o governador romano que cometeu o crime mais monstruoso de toda a História, não foi movido a praticá-lo por qualquer ódio ideológico; tampouco visava à conquista de novas riquezas, nem a comprazer a alguma Salomé. Neste particular difere de Herodes, que para salvaguardar seu trono, seu bem-estar e suas riquezas, perpetrou covardemente a matança dos Santos Inocentes.
Aliás, os grandes tiranos da História — Lenine, Stalin, Hitler, entre outros — por ambição ideológica e ódio a Deus, à Igreja e à Fé, inundaram a Terra com o sangue de mártires.
Pilatos, mesmo afirmando que não encontrou crime algum em Nosso Senhor Jesus Cristo, entretanto O condenou. O que o teria movido?
Plinio Corrêa de Oliveira considera numa de suas meditações sobre a Via Sacra que Pilatos foi levado a condenar o Justo pelo receio de desagradar a César Augusto. Portanto, não queria complicação política que pudesse indispor o povo judeu contra o jugo romano. Pilatos foi mole, indolente, numa palavra, cúmplice daquela pérfida orquestração contra a vida de Nosso Senhor.
Ao querer contemporizar com a mentalidade que grassava no povo judeu, pareceu-lhe que condenando Nosso Senhor à flagelação e à coroação de espinhos, contentaria com isso os judeus, livrando-O da sentença de morte.
Utilizou-se da política característica dos covardes, isto é, de “ceder para não perder”, sempre condenada ao fracasso mais rotundo. Depois de flagelado e “coroado”, Pilatos apresentou Jesus à populaça açulada, mas ela não se contentou e exigiu do governador a morte do Justo.
Grande lição. Quanto mais se cede, mais o inimigo prevalece. Em muitas ocasiões, é preciso saber dizer um “não” categórico, pois não se pode fazer concessões, nem mesmo contemporizar com o mal, pois entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal há um ódio irreconciliável. Não há paz entre os que são de Deus e os que são da serpente, entre a raça da Virgem e a do demônio.
Pilatos não quis seguir a via da verdade, da inocência, as regras de um julgamento reto e justo, mas quis ajustar a verdade ao erro, a justiça à mentira e à iniquidade. Com o gesto infame de “lavar as mãos”, quis isentar-se da culpa pelo sangue inocente que seria derramado. E para estar bem com todos, entregou Nosso Senhor ao populacho para ser crucificado.
Partindo de um governador romano que na condição de juiz reprovasse o Inocente, caberia apenas uma condenação: a morte de cruz, pois não podia haver um crime mais ignominioso e que causasse maiores sofrimentos do que esse.
Santo Tomás afirma que o Homem-Deus quis morrer ostensivamente pregado na cruz, pois entre todos os gêneros de morte, nenhum era mais execrável. Ele o fez para ostentar como o pecado é ignominioso.
Esse gênero de morte foi conveniente por excelência para a satisfação dos pecados de nossos primeiros pais, por terem comido do fruto da árvore contra a vontade de Deus. Convinha que, para satisfazer esse pecado e obedecer à vontade do Padre Eterno, Cristo consentisse em ser pregado no madeiro para recuperar o que Adão perdeu por desobediência.
A sua divina presença santificou a Terra. Andou sobre ela para difundir o Evangelho e operar estupendos milagres, purificando-a com o preciosíssimo sangue vertido. Ao ser elevado na Cruz, santificou o ar que envolvia a Terra e, assim, atraiu a Si todas as coisas.
A figura da cruz, diz Santo Tomás, ao se expandir de um centro único em quatro extremos opostos, significa o poder e a providência de Nosso Senhor esparsos por toda parte, que dela pendente com uma mão atrai o povo fiel e com a outra o povo pagão.
Ao ser condenado à morte injusta na cruz, Jesus Cristo tinha escolhido esse gênero de morte para que fosse o Mestre de todas as dimensões — da largura, da altura, do comprimento e da profundidade —, como símbolo das boas obras, da estabilidade e da perseverança, da esperança perfeita e da graça gratuita.
Como Mestre da Verdade, prega em sua Cátedra, ou seja, a Cruz: “Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.