Até quando, justo Senhor, Deus das
vinganças? (II)
♦ Padre David Francisquini
No artigo anterior – Até
quando, justo Senhor, Deus das vinganças? – prometi voltar ao assunto do aborto.
Apenas para recordar um ponto importante, torno a citar Santo Agostinho, quando
trata dos homens que se movem por amor a Deus e aqueles que se movem por amor
egoístico, colocando entre este último o pretenso direito da mulher de decidir
sobre o seu próprio corpo no caso do aborto.
Com efeito, é com interesse –
e muita preocupação – que vimos acompanhando o desenrolar da ação (ADPF 442), proposta
pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, pedindo a descriminalização do
aborto até a 12ª semana de gestação. Não precisaria dizer que se tal proposta for
aprovada, escancarará as portas da legislação brasileira para todo tipo de
aborto.
Para esse Partido Socialista
– na verdade comunista radical –, a lei em vigor viola os princípios
fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não
discriminação, além de outros direitos como ‘liberdade’ e ‘igualdade’. Na minha
formação sacerdotal estudei ciências naturais, ética, filosofia, sociologia e,
é claro, teologia dogmática e moral, não sendo difícil, portanto, perceber a
inconsistência desta ação.
Pela mesma razão, entendo a completa
impossibilidade de juízes – máxime os da Suprema Corte – julgarem procedente a
ação desse pequeno partido político libertário, que prega a liberdade para tudo
e para todos, menos para o nascituro inocente e indefeso. É um verdadeiro
absurdo sustentar o “direito fundamental da mulher” de tirar a vida de um ser gerado
em seu próprio ventre, ainda que resultante de um pecado.
Constitui uma gravíssima ofensa a Deus e à própria
dignidade da mulher atribuir-lhe o direito de matar seu filho. Só num mundo muito
decadente alguém ousaria sustentar o contrário. Se for admitido hoje o
princípio de que se pode tirar a vida de uma pessoa inocente pelo simples fato
de ela não ser desejada, assistiremos amanhã à matança de qualquer pessoa que
venha a prejudicar o nosso egoísmo.
Em passado recente, esta
macabra história tornou-se realidade em inúmeras ditaduras, na Europa e em outras
partes do mundo. Jesus Cristo ensinou que “haveis de chorar e de lamentar, enquanto
o mundo há de se alegrar: vós estareis tristes, mas a vossa tristeza se
converterá em gozo”.
Quando está para dar à luz, a
mulher sente-se preocupada. Mas sua aflição se transforma em alegria com o
nascimento do filho. É a verdadeira imagem de Cristo ressurreto, que veio à luz
no domingo da Ressurreição, pois a ordem natural não se contrapõe à ordem
espiritual. Essa imagem empregada pelo Filho de Deus simboliza perfeitamente o
ódio que seus inimigos tinham d’Ele, pois era inocente.
Mulher que sofreu aborto espontâneo |
Cristo no seio da terra
representa uma criança no ventre materno, e assim como Cristo ressurgiu dos
mortos, assim a criança virá à luz do mundo. Há também na epístola de São Paulo
aos efésios (cap. 5, 22-33), na qual ele trata da sublimidade do matrimônio, tal
como a união de Cristo com a Igreja. Se o marido é a cabeça da mulher, Cristo é
a cabeça da Igreja. Cristo ama a Igreja e se entrega a Ela para torná-La mais resplandecente
e gloriosa.
Como Cristo ama a Igreja,
assim o marido deve amar a sua esposa como se fosse o seu próprio corpo, porque
ninguém aborreceu a sua própria carne. Antes, a nutre e dela cuida como Cristo procede
em relação à sua Igreja, pois somos membros de seu Corpo Místico, de sua carne
e de seus ossos. E o aborto é a violação do princípio da relação íntima existente
entre Cristo e a Igreja, o esposo e a esposa. E mais. Enquanto São Paulo fala
de luz, de santo, de imaculado e sem rugas, o aborto fala de destruição, de
trevas, de morte e de corrupção.
O fruto do primeiro momento
de um relacionamento entre um homem e uma mulher se chama embrião. Ele contém
em grau pequeno um ser vital que não tardará a nascer homem ou mulher. Afirmar,
em nome da dignidade da mulher, que ela pode eliminar a seu bel-prazer a vida
de um filho gerado em seu ventre, contraria rotundamente os princípios mais
elementares da racionalidade e da sanidade mental. O livro do Eclesiastes narra
que o abortado é como algo que não conheceu a luz do sol, não teve o seu nome
ilustrado entre os vivos; sobretudo, não foi levado à pia batismal.
Isaías, profeta, narra o
horror daqueles que morrem na guerra pelo fio da espada, cujos corpos
estendidos por terra são pisoteados pelos cavalos e pelos guerreiros, comparando-os
aos abortados que não têm sepultura nem honra. Com efeito, a situação do
abortado é pior que a do morto na guerra, sem lar, sem o aconchego da família nem
sepultura. E o abortado foi morto por uma pena capital imposta por lei humana...
Ancorada em bons teólogos e no
Catecismo da Santa Igreja, a moral católica nos ensina que só é lícito matar
alguém em legítima defesa da própria vida ou numa guerra justa, ou ainda no
cumprimento de uma execução penal ditada por um tribunal legitimamente
constituído. Nenhuma autoridade, por mais soberana que imaginar se possa, poderá
autorizar ou legitimar tal prática.
A expectativa dos
brasileiros é a de que os juízes do Supremo Tribunal Federal julguem com reta
consciência esta questão, não se deixando influenciar por pressões daqueles que
defendem a cultura da morte, nem mesmo por alguma convicção ideológica própria
que vá nesse sentido, mas que pautem seu voto na lei natural, na Lei de Deus e
na Constituição brasileira, que garantem o direito à vida desde a concepção.
Em oração e sempre
vigilantes, rogamos a Nossa Senhora Aparecida que proteja o Brasil do pecado do
aborto, que brada aos céus e clama a Deus por vingança. Que os brasileiros sejam
obedientes aos preceitos de Deus, que nunca desampara seus filhos.