Noite bendita, de encanto e de luz
Não obstante o movimento dos
fiéis de um lado para outro, a fim de se purificarem no tribunal da Confissão,
o silêncio e o recolhimento no ambiente da igreja paroquial refletem muita paz
e tranquilidade. Alguns se prostram diante do grande Presépio para rememorar a
magna data do nascimento do Redentor, outros visitam o Santíssimo Sacramento,
pois Deus está ali, presente no sacrário. Enfim, todos se preparam para a Missa
de Natal, a “Missa do Galo”.
Durante o longo e terrível
cativeiro de Babilônia, no qual os judeus ficaram afastados de sua tão
afeiçoada pátria e, sobretudo, do altar, por muito tempo não se ofereciam mais
sacrifícios, pois desaparecera o fogo do lugar onde o haviam ocultado. Neemias
implora então a Deus, atrai o fogo do Céu e a vítima é consumida em sacrifício
pelos pecados do seu povo.
O Natal poderia ser chamado,
na expressão de Santo Afonso Maria de Ligório, a festa do fogo. Nosso
Mestre e Senhor Jesus resplandece com a intensa luz do seu divino amor, pois
veio trazer o fogo à Terra, e seu desejo é que se inflame. Não há lugar mais
distante em Israel em que seu nome não fosse repetido e reconhecido. A religião
fundada com o Sangue divino difundiu-se por todos os cantos da Terra.
Antes de sua vinda, os
homens adoravam os animais, o sol, as criaturas brutas. Eles não conseguiam
compreender um Deus oculto e invisível, eterno e transcendente, criador do Céu
e da Terra. Amavam as criaturas que viam, e não um Deus que não viam.
Quis Deus então tornar-se
uma criança encantadora e terna, e reluzir em seu presépio com uma formosura
inigualável o reflexo mais perfeito da criação. Deus tornou-se homem de
inefável candura e esmero. Por obra do Espírito Santo, sua Mãe Santíssima nos
trouxe visivelmente um Deus. Razão suficiente para os fiéis em suas casas
prepararem presépios para lembrar o Natal de Jesus Cristo.
Será que todos procuram
preparar também seus corações com uma boa confissão, a fim de que o Menino
Jesus possa ali nascer e repousar? Quantos são os que passam a noite de Natal
pensando e comentando o tempo da infância, bafejado pela graça primaveril do
Santo Natal? Quantos ainda comentam as graças que pairavam nos ambientes
natalinos? E a comunhão com piedade e devoção naquele dia, questão de honra
para um cristão? As igrejas ficavam repletas de fiéis para comemorar o Santo
Natal de Jesus Cristo. Depois da Missa do Galo, voltavam todos para suas
respectivas casas para a ceia natalina.
Adão, pelo pecado de
desobediência e soberba, privou para si e para os seus descendentes não apenas
o paraíso terrestre, mas também o paraíso celeste. Ele que convivia com Deus na
aragem das tardes, uma vez que a delícia do Pai é o convívio com os filhos. De
um lado, competia à Justiça divina punir os nossos primeiros pais pelo imenso
pecado cometido. De outro, fazer uso de sua infinita Misericórdia.A Justiça pede
o castigo, afinal, um Deus infinito foi ofendido. A Misericórdia, contudo, se
sentiria derrotada caso o homem não fosse perdoado. Questão insolúvel? Não.
Deus decide que, para
redimir o homem, Alguém inocente deveria padecer a pena de morte na qual a humanidade
incorrera. Como nenhuma criatura fosse capaz de oferecer uma morte condigna
para absolver pena infinita, o Filho de Deus se ofereceu como Vítima. Santo
Afonso ensina sobre Jesus Cristo: “Meu Pai, uma pura criatura, um anjo,
não poderia oferecer a vós, majestade infinita, uma digna satisfação pela
ofensa do homem.[…] Eu vosso unigênito Filho, encarregar-me-ei de resgatar
o homem perdido, descerei à Terra, tomarei um corpo humano, morrerei para pagar
a pena que ele deve à vossa Justiça; essa será assim plenamente satisfeita e os
homens se persuadirão do nosso amor”.
Santo Afonso põe ainda nos
lábios de Jesus, dizendo sobre o Divino Infante: “Meu Pai, já que os
homens não podem aplacar a sua Justiça por suas obras, nem por seus
sacrifícios, eis-me aqui, o vosso Filho Unigênito, revestido da carne humana, e
pronto a expiar as faltas humanas, por meus sofrimentos e por minha morte.”Assim
o faz falar São Paulo: “entrando no mundo não quiseste ser hóstia, nem
oblação, mas me formaste um corpo […] e eu disse: eis-me que venho […] para
fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hb, 10, 5).
No Credo cantamos et
incarnatus est de Spiritu Sancto. Por que se atribui a encarnação do Verbo
ao Espirito Santo? Todas as obras “ad extra” pertencem às três Pessoas da
Santíssima Trindade, como defendem os teólogos, pois têm por objeto as
criaturas. São Tomás de Aquino pergunta por que é atribuído só ao Espírito
Santo, e dá a razão.
Ele diz que todas as obras
do amor divino são atribuídas ao Espírito Santo, que é o amor substancial do
Pai e do Filho; ora, a obra da encarnação é o efeito do puro amor de Deus pelo
homem, o grande amor de Deus para conosco. “O Verbo eterno veio ao mundo
principalmente para que o homem soubesse quanto Deus o ama; jamais Deus fez
resplandecer aos olhos dos homens a sua adorável caridade, como quanto se fez
homem”.
Nessa noite bendita, de
encanto e de luz, de inocência e de candura, de beleza e de esplendor, Jesus é
o fogo, a chama que de tal forma incendeia os nossos corações de amor, que nem
todas as águas dos rios poderiam apagá-la. Apesar do rebaixamento no qual o
Menino Deus quis nascer, não há criatura capaz de exaltar a sublimidade e a
perfeição de seu amor para conosco.
Quanto mais esse Deus se
humilhou fazendo-se homem para nos salvar, tanto mais tornou conhecida e
exaltada a grandeza de sua bondade e de seu amor, levando- nos a amá-Lo com
denodo e ternura.
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(*) Sacerdote da Igreja do
Imaculado Coração de Maria (RJ).