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terça-feira, 23 de abril de 2019


Bem-aventurados os que não viram,
 e, contudo, creram

Pe. David Francisquini

Inconsolável, ao romper do dia de domingo, Maria Madalena foi visitar o Santo Sepulcro. Ao se aproximar dele foi tomada de grande surpresa, pois se deparou com um anjo, cuja aparência era de um relâmpago, sentado sobre a grande e pesada rocha que ele mesmo havia removido do túmulo de Jesus Cristo.
Santo Agostinho comenta que depois das zombarias, dos açoites, dos suplícios da Cruz, do vinagre e do fel, da morte e descida à região dos mortos, Jesus retornou à nova carne, fazendo ressurgir a salvação para os homens pelos sofrimentos daquela carne, já agora ainda mais bela, pois retinha a contemplação da divindade.
Nosso Senhor havia sido depositado no sepulcro na sexta-feira. Enquanto era lícito trabalhar, os seus amigos prepararam os unguentos e os perfumes, a seguir, segundo ordenava a lei, guardaram o repouso do sábado. Terminada a véspera, quando todos já poderiam voltar às atividades, adquiriram o que ainda faltava para o cumprimento de suas devoções, a unção do Senhor.
De súbito, as santas mulheres se depararam com o sepulcro vazio, pois fora destruída a morte. O inferno foi derrotado, a terra restabelecida com o céu. A ressurreição de Cristo manifesta a grandeza de sua divindade e de seu poder. Estava morta a morte, e Cristo passou a reinar sobre a Terra.
O esplendor e a elevação da ressurreição de Cristo movem os corações dos
apóstolos à esperança e à fé que Cristo é o Senhor da vida e da morte, porque todo o poder lhe fora dado no Céu e na Terra. As santas mulheres haviam anunciado a eles o que viram e ouviram do anjo, sementes de fé e de luz que deveriam anunciar por toda parte Cristo ressuscitado, vencedor da morte.
Em decorrência de o diálogo entre Eva e a serpente ter sido desastroso para a humanidade, o diálogo entre o Anjo do Senhor com as santas mulheres foi fundamental para mover  os apóstolos a propagar até os confins da terra a Redenção e o milagre de Cristo ressuscitado, penhor de nossa ressurreição, pois se Ele não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa fé.
Aquelas mulheres fortes, cheias de respeitoso temor e, ao mesmo tempo, maravilhadas pela grandiosidade do milagre da Ressurreição, foram impelidas a apressar os passos para anunciar que Cristo não mais jazia entre os mortos.
Tomados pela notícia, Pedro e João correram até o sepulcro para se certificarem da boa nova. A partir dali, passaram eles a difundir, a semear a semente da verdade de fé católica sobre a ressurreição de Cristo.
Como a fé não provém da exterioridade das coisas, mas das invisíveis, Jesus proíbe Maria Madalena de tocá-Lo, pois deveria acreditar n’Ele ressuscitado contra todas as aparências. Contudo, permite que as outras duas Maria abracem os seus pés e os osculem, a indicar que com suas carnes humanas, era Ele mesmo.
As mulheres tinham percebido que os guardas haviam notificado aos pontífices e sacerdotes de que Cristo não se encontrava mais no sepulcro. Ademais, eles se utilizaram de um ímpio estratagema para negar a ressurreição de Cristo, espalhar que os guardas teriam recebido dinheiro para mentir que o corpo de Cristo teria sido roubado.
O anúncio da verdade da ressurreição foi reforçado pelos próprios adversários de Cristo que lacraram a tumba com o selo imperial, proibiram de tocar naquele sepulcro, além de tê-lo munido com guardas. Todos esses cuidados serviram para tornar a verdade da ressurreição incontestável, como afirma São João Crisóstomo.
Enquanto uns acataram com simplicidade de coração a verdade da boa nova, outros se afundaram no precipício da perversidade e da malícia, negando a verdade conhecida como tal. Foi o que aconteceu com essa gente, pela sua impiedade.
O certo é que Cristo ressuscitado passou a ser um fato apologético de transcendental grandeza entre os judeus, para a missão que recebera do Pai. Ele não fora o pretenso impostor ao afirmar que depois de três dias ressuscitaria, pois de fato ressuscitou.
Imaginemos Cristo Ressurrecto olhando para os nebulosos dias contemporâneos e compreendendo tanta moleza, tanta malícia, tanto ódio à sua obra. Peçamos a Ele e ao Imaculado Coração de Maria que iluminem nossas mentes, aqueçam nossos corações, façam triunfar a Santa Igreja o quanto antes sobre os seus inimigos.

sábado, 30 de março de 2019


O que é pior, matar o corpo ou a alma?

Padre David Francisquini*

O mundo contemporâneo vem se tornando uma máquina para a perdição das almas, pois concorre diuturnamente para o rompimento de todas as barreiras de malícia e perversidade humanas, capazes de estragos bem maiores que as represas de Fundão e Brumadinho… Portanto, crime premeditado, tanto mais quanto seus agentes sabem que abaixo das barragens se encontram jovens e crianças desassistidos.
Nas páginas do Evangelho, Nosso Senhor alertou para o ódio que o mundo devotaria aos que seguem o bem, advertindo-nos para que isso não nos causasse estupefação. Com efeito, o mundo odeia os bons porque O odiou primeiro. Jesus Cristo ressalta o amor e o carinho que tem para com os inocentes ao mandar ir a Ele as criancinhas; e aos adultos pede que se tornem como crianças para entrar no reino dos Céus. Quem acolhe uma criança, acolhe Nosso Senhor.
Recentemente tomei conhecimento de vídeos de dois youtubers circulando pela internet, com 20 a 27 milhões de seguidores, visando à perversão das crianças e dos jovens por meio de jogos, fazendo apologia contra a religião, quanto a virtude, contra Deus ao negar a fé na sua existência, além de proclamar que religião alguma pode satisfazer quem quer que seja, Buda, como também o dragão, derrota Jesus Cristo e o cristianismo, chamam Deus de safado e Poseidon com a sua cauda arrasta Deus, além de zombarias, frenesi e agitação que arrancam a temperança das crianças.
A esse respeito são contundentes as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “E toda planta que não foi plantada por meu Pai Celeste será arrancada pela raiz. Deixa-os; são cegos que conduzem cegos. Ora, se um cego conduz outro cego, ambos cairão no abismo… Mas o que sai da boca parte do coração, é isso que mancha o homem, porque é do coração que sai os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos e as blasfêmias. Estas são as coisas que mancham o homem.”
A advertência das Sagradas Escrituras para situações e atos como este é clara: “Melhor lhe seria que se lhe atasse em volta do pescoço uma pedra de moinho e que fosse lançado ao mar, do que levar para o mal a um só destes pequeninos. Tomai cuidado de vós mesmos”.
Há pais que não se preocupam que os filhos assistam a isso, deixando as crianças à vontade para assimilar cenas que corrompem as suas mentes. Isto está na internet sem nenhuma censura por parte de quem comanda as redes sociais. A censura existe, sim, mas para os vídeos que procuram promover o bem moral da sociedade, como a defesa da família e da juventude.
 Aos vídeos desses youtubers podem ser aplicadas igualmente as palavras de Jeremias profeta: “Maldito o homem que confia em seu semelhante e se firma em um braço carnal e cujo coração se afasta do Senhor. Ele será como a tamargueira no deserto, e não verá chegar a felicidade; habitará, porém na esterilidade do deserto em terra salobra e inabitável”.
Muitos pais pedem ajuda e conselhos para educar bem os filhos. Outros, preocupados com um futuro sombrio, sugerem escrever um livro ressaltando os pontos primordiais da educação da prole. Mas nada teria valor se os pais não se empenharem numa vigilância contínua do comportamento e hábitos de seus filhos.
Além disso, devemos seguir o conselho de São Pedro apóstolo ao exaltar a importância da oração e da vigilância, pedindo sempre a Deus para que sejamos sóbrios e nos cuidar, pois, o demônio é como o leão que está ao nosso redor procurando nos devorar. Resisti-lhes, pois, firmes na fé.
Os pais, por direito natural e pela autoridade que exercem sobre os filhos, devem ter o maior interesse na formação deles ao formar um lar cristão em que sejam refletidas e difundidas as virtudes cristãs; onde eles devem ser modelos de fidelidade e de elevação para iluminar a vida dos filhos; formar um lar em que os filhos passem a amar a Deus e a viverem a vida de Jesus Cristo no dia a dia. Nada mais prejudicial e nefasto do que confiar nos filhos que vivem livremente fazendo o que desejam.
De nada adianta construir um lar sobre a areia, pois sem convicção doutrinária e religiosa seguramente cedo ou tarde ruirá. São Paulo ensina os deveres dos filhos para com os pais e vice-versa ao sentenciar: “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. Honra teu pai e tua mãe, que tem promessa, a fim de que sejas feliz e tenhas larga vida sobre a Terra. E vós, pais, não provoqueis à ira dos vossos filhos, mas educai-os na disciplina e nas instruções do Senhor”.
Ainda mais adiante, o Apóstolo aconselha a fortalecer-nos no Senhor e no poder da sua virtude revestindo-nos da sua armadura para mais bem resistir às ciladas do demônio contra os principados e a potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares.
Pede ainda para tomar a armadura de Deus e resistir no dia mau e ficar de pé depois de ter vencido tudo. A vigilância, o espírito sobrenatural, a frequência aos sacramentos, a oração, sobretudo o terço, a explicação da doutrina cristã com exemplos de vida prática, confrontando com o mundo de hoje, são meios eficazes para os pais poderem formar bem os seus filhos.
O diálogo entre pais e filhos alimenta a confiança mútua. A autoridade paterna é uma autoridade inalienável que representa a autoridade de Deus, que vela e governa o universo com Sabedoria, assim os pais devem se comportar em relação aos filhos.
Educar os filhos não é apenas dar o alimento, a vestimenta, o remédio e a vida de lazer. Educar os filhos é incutir neles o espírito de luta, mostrar-lhes que vivemos num vale de lágrimas, que é preciso combater com galhardia e nobreza aqueles que desejam implantar o reino de satanás num mundo sem Deus e sem fé.
É bom lembrar aqui, o que diz Mons. Ségur, em seu livro A escola sem Deus: “Quem é mais culpado, quem envenena o corpo ou mata a alma? Não é a alma que nos torna homens? A alma é cem vezes, mil vezes superior ao corpo. Portanto, se envenenar e matar o corpo é um crime tão cruel, o que diremos de quem mata a alma?
“A Terra está repleta de gente que dia e noite envenena as almas não com arsênio, mas com doutrinas abomináveis, que, penetrando pouco a pouco no espírito, fazem-no incrédulo, ímpio e rebelde, e, chegando até ao coração, lhe inspiram o gosto pelo mal, o ódio a Deus e o hábito do vício. Esses envenenadores púbicos são todos — que de um modo ou de outro — ensinam o erro quer na religião quer na política”.
Pior do que matar um corpo humano é destruir a fé das crianças e dos jovens.
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(*) Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso Moreira (RJ).

sábado, 16 de fevereiro de 2019


Deus dos exércitos, vinde em nosso socorro!

♦  Padre David Francisquini *

Nas Sagradas Escrituras — de modo particular no Novo Testamento — são variadas e empolgantes as parábolas que servem de ensinamento para a alma cristã. Suas incontáveis lições representam um farol para a vida, que nos encanta e anima.  Os conceitos e figuras utilizados por Nosso Senhor, na maioria das vezes, são da vida campestre. Por exemplo, o pai de família que ao romper da aurora sai para contratar operários para a sua vinha.
Tocante também é a parábola do semeador que plantou a boa semente em seu campo; da figueira que não produzia frutos; da árvore boa que dá bons frutos e da árvore má que dá maus frutos. Por trás dessas parábolas, Cristo Nosso Senhor nos ensina a entender a luta entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro, entre a virtude e o vício. É a luz do farol divino a guiar os homens em meio às trevas deste vale de lágrimas.
Numa recente viagem de ônibus tive ocasião de contemplar lindas plantações emolduradas por uma vegetação caprichosa. A variedade do panorama era encantadora, podendo-se distinguir ali a mão do homem enquanto jardineiro de Deus. Lição dignificante e empreendedora do camponês que se dispôs a lutar pela prosperidade daquelas terras semeando nelas a boa semente, sem descuidar das ervas daninhas que sempre lhe disputam a luz. Estampava-se naquela paisagem uma lição para a vida. Do lado de fora, a exuberância e a vitalidade das plantas; de dentro, a perversidade dos que se esforçam para arrastar as almas na direção do mal.
Uma digressão esclarecedora. Lembro-me da vida simples de um padre de aldeia que passeava pelos campos e se pôs a rezar. De repente, encontrou-se com um caçador acompanhado por um lindo cão. O padre era São João Maria Vianney, o Santo Cura d’Ars [imagem ao lado], que o cumprimenta elogiando a beleza do cachorro, e, ao mesmo tempo, lhe dirige palavras para conquistar o seu coração. Se o cão é tão belo assim, a sua alma deveria ser ainda mais bela, pois é imagem de Deus. O caçador cai de joelhos e faz a sua confissão.
A viagem prosseguia normalmente e minha mente peregrinava por essas considerações. Uma das características de nossos dias é que as trevas quase que circundaram a luz. As belezas criadas estão obnubiladas pela feiura da desordem e do pecado. Não há um momento, uma circunstância, um lugar em que não somos surpreendidos pelo trabalho sistemático e onipresente realizado pelo demônio através de seus asseclas revolucionários a fim de perder as almas.
Dentro do ônibus, as atenções dos passageiros se voltavam para as telas onde era projetado um filme fazendo a apologia do feio, do cacofônico, do monstruoso, de cenas desequilibradas e grotescas. Tratava-se de um desenho animado em que uma figura representava o mal e se jactava não apenas de propagá-lo, mas de encarnar o mal, aliás, para contentamento de quase todos!
Naquela representação, eu percebia o mundo da desordem, além de certa euforia em contrariar a beleza posta por Deus na criação. Por uma associação de imagens lembrei-me de outro cenário, quando celebrava a Santa Missa num vilarejo.
Do cânon até à consagração os pássaros orquestraram uma linda e emocionante sinfonia, como se estivessem honrando o Santíssimo Sacramento que se tornava presente na Hóstia Consagrada, numa espécie de manifestação de união entre a natureza e o Criador. Seria uma luz de esperança de um futuro melhor com a vitória da Santa Igreja e da civilização cristã?
Enquanto a natureza canta e louva a presença de Jesus Eucarístico, os adversários da Igreja conspiram contra toda e qualquer ideia de Deus e de sacralidade no mundo. Pode-se compreender perfeitamente por que os monges contemplavam os pássaros e ouviam seus cânticos para compor as músicas gregorianas.
Pelo contrário, entende-se também por que os maus, ao observarem tudo isso, procedem de modo contrário, com a intenção clara de negar a Deus e homenagear o demônio por meio da desordem e da cacofonia, sobretudo visando corromper as crianças e os jovens, o futuro e a esperança da Igreja.
Há um trabalho sistemático, metódico e persistente para implantar o caos, a desarmonia e a intemperança, pois só assim se perde a Sabedoria divina, reguladora dos atos humanos. Sonho, aventura, espírito de luta e de cruzada, militância por um ideal, tudo isso é indispensável aos revolucionários quebrar o mais cedo possível nas crianças através de brinquedos monstruosos, músicas, vestes e de certos desenhos animados.
Jesus Cristo foi justo ao ensinar sobre a incomensurável gravidade do escândalo feito a um pequenino que em sua inocência e simplicidade crê n’Ele. Ai daquele que o escandalizar! Ser-lhe-ia melhor amarrar-se à mó de um moinho e se lançar nas profundezas do mar.
Não resta dúvida, aquilo que o canto dos pássaros, o verde dos campos, o brilho de um dia ensolarado, a gota de orvalho a brilhar ao sol nos faz lembrar… Eis a inocência da criança, cujos esplendores gritam dentro dela como um príncipe dentro de um castelo, com desejos de cruzados prestes a se lançarem no campo de batalha e que o demônio tenta destruir com seus símbolos macabros.
Os nobres sentimentos de uma alma de escol como a de Plinio Corrêa de Oliveira estão presentes na oração que ele compôs suplicando a Nossa Senhora a restauração da inocência primeva, na qual quem a reza diz sentir-se tocado por uma saudade indizível, saudade da época em que era amado por Ela na atmosfera primaveril de sua vida espiritual, bem como do paraíso em que vivia sua alma pela grande comunicação que tinha com a Santíssima Virgem e que a Revolução queria destruir.
Observando-se a História, há fatos gloriosos no campo do bem ao lado de acontecimentos desastrosos provocados pelos agentes da Revolução. Com efeito, não houve decadência maior do que aquela iniciada no final da Idade Média, uma crise sem precedentes não apenas na esfera social, mas também de decadência moral, que culminou com o Concílio Vaticano II.
Vem-nos à memória o que se passou com o povo judeu, com o qual Deus operava maravilhas, fazendo cair dos céus o maná, alimento finíssimo e de encantadora alvura, símbolo da eucaristia, ou ainda operando o milagre de transpor o Mar Vermelho a pé enxuto. Apesar dessa especial predileção, esse povo pecou contra o seu Deus, levando à morte seu filho unigênito, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Não obstante todos os feitos gloriosos da Igreja, a crise hodierna atingiu grau surpreendente. Mas não nos esqueçamos da advertência das Escrituras, de que os israelitas não creram nas maravilhas e pecaram, mas que seus dias passaram como um sopro e seus anos acabaram depressa, pois não guardaram a aliança feita com Deus e não quiseram andar segundo a sua lei.
Esqueceram-se dos benefícios e das maravilhas que Deus fez à vista deles.  Sem dúvida, os pecados atraem a justiça divina. Um processo revolucionário desencadeado pelas paixões do orgulho e da sensualidade para destruir os valores da civilização cristã atingiu o seu auge, mas terá o seu fim. Invoquemos a ajuda de Deus e de Nossa Senhora para que esse processo seja destroçado o quanto antes, e alcancemos assim a vitória do seu Imaculado Coração:
 “Tu que estás sentado sobre os Querubins, manifesta-te, mostra o teu poder e vem para nos salvar. Ó Deus, converte-nos, mostra-nos o teu rosto e seremos salvos. Fizeste de nós um objeto de disputa para nossos vizinhos e os nossos inimigos zombaram de nós. Deus dos exércitos restaura-nos, mostra-nos o teu rosto e seremos salvos” (Sl 79).

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018


Noite bendita, de encanto e de luz

♦  Pe. David Francisquini *

Não obstante o movimento dos fiéis de um lado para outro, a fim de se purificarem no tribunal da Confissão, o silêncio e o recolhimento no ambiente da igreja paroquial refletem muita paz e tranquilidade. Alguns se prostram diante do grande Presépio para rememorar a magna data do nascimento do Redentor, outros visitam o Santíssimo Sacramento, pois Deus está ali, presente no sacrário. Enfim, todos se preparam para a Missa de Natal, a “Missa do Galo”.
Durante o longo e terrível cativeiro de Babilônia, no qual os judeus ficaram afastados de sua tão afeiçoada pátria e, sobretudo, do altar, por muito tempo não se ofereciam mais sacrifícios, pois desaparecera o fogo do lugar onde o haviam ocultado. Neemias implora então a Deus, atrai o fogo do Céu e a vítima é consumida em sacrifício pelos pecados do seu povo.
O Natal poderia ser chamado, na expressão de Santo Afonso Maria de Ligório, a festa do fogo. Nosso Mestre e Senhor Jesus resplandece com a intensa luz do seu divino amor, pois veio trazer o fogo à Terra, e seu desejo é que se inflame. Não há lugar mais distante em Israel em que seu nome não fosse repetido e reconhecido. A religião fundada com o Sangue divino difundiu-se por todos os cantos da Terra.
Antes de sua vinda, os homens adoravam os animais, o sol, as criaturas brutas. Eles não conseguiam compreender um Deus oculto e invisível, eterno e transcendente, criador do Céu e da Terra. Amavam as criaturas que viam, e não um Deus que não viam.
Quis Deus então tornar-se uma criança encantadora e terna, e reluzir em seu presépio com uma formosura inigualável o reflexo mais perfeito da criação. Deus tornou-se homem de inefável candura e esmero. Por obra do Espírito Santo, sua Mãe Santíssima nos trouxe visivelmente um Deus. Razão suficiente para os fiéis em suas casas prepararem presépios para lembrar o Natal de Jesus Cristo.
Será que todos procuram preparar também seus corações com uma boa confissão, a fim de que o Menino Jesus possa ali nascer e repousar? Quantos são os que passam a noite de Natal pensando e comentando o tempo da infância, bafejado pela graça primaveril do Santo Natal? Quantos ainda comentam as graças que pairavam nos ambientes natalinos? E a comunhão com piedade e devoção naquele dia, questão de honra para um cristão? As igrejas ficavam repletas de fiéis para comemorar o Santo Natal de Jesus Cristo. Depois da Missa do Galo, voltavam todos para suas respectivas casas para a ceia natalina.
Adão, pelo pecado de desobediência e soberba, privou para si e para os seus descendentes não apenas o paraíso terrestre, mas também o paraíso celeste. Ele que convivia com Deus na aragem das tardes, uma vez que a delícia do Pai é o convívio com os filhos. De um lado, competia à Justiça divina punir os nossos primeiros pais pelo imenso pecado cometido. De outro, fazer uso de sua infinita Misericórdia.A Justiça pede o castigo, afinal, um Deus infinito foi ofendido. A Misericórdia, contudo, se sentiria derrotada caso o homem não fosse perdoado. Questão insolúvel? Não.
Deus decide que, para redimir o homem, Alguém inocente deveria padecer a pena de morte na qual a humanidade incorrera. Como nenhuma criatura fosse capaz de oferecer uma morte condigna para absolver pena infinita, o Filho de Deus se ofereceu como Vítima. Santo Afonso ensina sobre Jesus Cristo: “Meu Pai, uma pura criatura, um anjo, não poderia oferecer a vós, majestade infinita, uma digna satisfação pela ofensa do homem.[…] Eu vosso unigênito Filho, encarregar-me-ei de resgatar o homem perdido, descerei à Terra, tomarei um corpo humano, morrerei para pagar a pena que ele deve à vossa Justiça; essa será assim plenamente satisfeita e os homens se persuadirão do nosso amor”.
Santo Afonso põe ainda nos lábios de Jesus, dizendo sobre o Divino Infante: “Meu Pai, já que os homens não podem aplacar a sua Justiça por suas obras, nem por seus sacrifícios, eis-me aqui, o vosso Filho Unigênito, revestido da carne humana, e pronto a expiar as faltas humanas, por meus sofrimentos e por minha morte.”Assim o faz falar São Paulo: “entrando no mundo não quiseste ser hóstia, nem oblação, mas me formaste um corpo […] e eu disse: eis-me que venho […] para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hb, 10, 5).
No Credo cantamos et incarnatus est de Spiritu Sancto. Por que se atribui a encarnação do Verbo ao Espirito Santo? Todas as obras “ad extra” pertencem às três Pessoas da Santíssima Trindade, como defendem os teólogos, pois têm por objeto as criaturas. São Tomás de Aquino pergunta por que é atribuído só ao Espírito Santo, e dá a razão.
Ele diz que todas as obras do amor divino são atribuídas ao Espírito Santo, que é o amor substancial do Pai e do Filho; ora, a obra da encarnação é o efeito do puro amor de Deus pelo homem, o grande amor de Deus para conosco. “O Verbo eterno veio ao mundo principalmente para que o homem soubesse quanto Deus o ama; jamais Deus fez resplandecer aos olhos dos homens a sua adorável caridade, como quanto se fez homem”.
Nessa noite bendita, de encanto e de luz, de inocência e de candura, de beleza e de esplendor, Jesus é o fogo, a chama que de tal forma incendeia os nossos corações de amor, que nem todas as águas dos rios poderiam apagá-la. Apesar do rebaixamento no qual o Menino Deus quis nascer, não há criatura capaz de exaltar a sublimidade e a perfeição de seu amor para conosco.
Quanto mais esse Deus se humilhou fazendo-se homem para nos salvar, tanto mais tornou conhecida e exaltada a grandeza de sua bondade e de seu amor, levando- nos a amá-Lo com denodo e ternura.
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(*) Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria (RJ).

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018


A Santa Missa e o imenso poder do sacerdote


*Padre David Francisquini


Tanto pelo seu cerimonial quanto pelo sacrifício que nela se realiza — a renovação e perpetuação do próprio holocausto do Calvário —, a Santa Missa é um mistério tão sublime, que sua grandeza e esplendor, sua santidade e profundidade, sua nobreza e excelência ultrapassam o conhecimento dos mortais. No entanto, tudo isso está contido nessa celebração que é o centro da Igreja Católica Apostólica Romana enquanto instituição divina.
A Missa, por sua ação sacrifical, representa simbolismo único ao indicar que o próprio Deus enviou a Vítima para redimir e salvar o gênero humano. No Gólgota, Jesus Cristo morreu uma só vez por todos, com o derramamento de seu sangue e de sua morte física. No altar, essa imolação é renovada diariamente de forma incruenta, e os seus infinitos frutos são aplicados aos membros da Igreja, misticamente, sob as espécies do pão e do vinho.
O santo sacrifício tem por finalidade honrar a Deus como convém num ato de adoração, render-Lhe graças pelos benefícios recebidos, aplacá-Lo e dar-Lhe a devida satisfação pelos nossos pecados,a fim de alcançarmos todas as graças necessárias à nossa eterna salvação.
Missa significa enviada, de acordo com São Tomás de Aquino. “Ide, o envio está feito”, ou, no sentido literal, “ide, foi enviada”. Daí deriva o nome de missa. “Ite missa est“, a Vítima é enviada por meio de um Anjo para que seja aceita por Deus.
Nesse ato litúrgico adornado e enriquecido por sinais, gestos, orações, reverências e cruzes há uma beleza encantadora para a piedade cristã. O que se realiza não são apenas simbolismos, mas uma realidade, pois o próprio Cristo é sacerdote e vítima, através da ação ministerial do celebrante. Até as alfaias sacerdotais utilizadas nesse cerimonial embelezam a Missa, pela variedade de simbolismos. O sinal da cruz na casula do paramento românico [foto acima] indica tratar-se de um sacrifício que está sendo renovado.
Cabe salientar que a Missa tradicional é de uma riqueza incomparável no campo litúrgico, exegético, moral e teológico, constituindo um verdadeiro tratado dessas matérias. Ela invoca a intercessão dos santos, da Virgem Maria e dos santos exponenciais do sacrifício do Antigo Testamento, que se perpetua ao longo dos séculos.
Com efeito, não há um ato mais excelente na Terra do que a Missa, por se tratar do sacrifício do Homem-Deus que se renova em nossos altares debaixo das espécies do pão e do vinho, sendo o sacrifício da antiga Lei prefigura do sacrifício de Cristo. Por isso exclamava o Salmista que suas delícias estavam na casa de Deus, a alegria da sua juventude.
Então, o júbilo dos filhos de Deus é o de se encontrar com o Senhor dos Exércitos, que Se imola e Se oferece a Deus Pai. Ao estarem na casa do Senhor, seus pés não param, porque a casa de Deus está edificada como uma cidade cujas partes estão em perfeita e mútua união.
São Leonardo de Porto-Maurício
m seu livro As excelências da Santa Missa, São Leonardo de Porto-Maurício, da Ordem dos Frades Menores, narra que Santo Isidoro, simples lavrador [ao lado, sua imagem em azulejos] , tomava o cuidado de nunca faltar à Missa pelas manhãs. Deus, para demonstrar-lhe o quanto prezava essa devoção, mandava seus anjos lavrar o campo de Isidoro enquanto ele se encontrava na igreja.
Não é de esperar que Deus faça para o comum dos fiéis milagres tão sensíveis e de tal monta, mas de muitas maneiras irá Ele recompensá-los por esse ato de piedade.
Outro exemplo citado na mesma obra é o de São Venceslau, Rei da Boêmia, que com muita humildade fazia questão de acolitar diariamente a Missa. Além de presentear as igrejas com joias preciosas de seu tesouro, costumava confeccionar com as próprias mãos as hóstias destinadas ao Santo Sacrifício. E sem diminuir em nada a sua dignidade real, cultivava um trigal, e desde a preparação da terra até a colheita, ele próprio moía os grãos, preparava a farinha e as hóstias e as apresentava aos sacerdotes para se tornarem o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Jesus Cristo.
Como é bom o Senhor, que fez maravilhas e Se entregou a nós em sacrifício para expiação dos nossos pecados! Não há como explicar e nem sequer realçar a grandeza do sacerdócio católico, porque é outro Cristo que imola em união com Ele esse sacrifício perene que liga Deus aos homens. Com efeito, nem os Anjos possuem tal poder.