Encanto e
desencanto em tempo de COVID (II)
Padre David Francisquini
Será que esses pastores puseram limites à vocação que o
próprio Deus lhes deu? Atente-se para o que afirma o Concílio de Trento sobre a
obrigação que lhes é imposta: devem providenciar e facilitar o acesso dos
fiéis aos sacramentos, para que assim possam assegurar o seu destino eterno,
ministrando-lhes, em caráter de urgência, não protelatório, sob pena de pecado
grave, o sacramento da Extrema Unção ou Unção dos Enfermos.
Numa situação de pandemia como a atual, é triste ver que
nenhuma voz se levanta em defesa dos fiéis hospitalizados nas clínicas.
Contudo, o paciente tem direito a assistência ampla. Da parte das autoridades
sanitárias não o permitir é extrapolar dos limites da mera atribuição médica,
conforme veremos.
Assim procedendo, seja em hospitais particulares seja nos
públicos, elas invadem a competência da autoridade espiritual e religiosa,
mesmo que não a reconheçam, porquanto o ordenamento jurídico estabelece
garantias desta natureza aos enfermos que desejarem cuidados espirituais.
Apresentar, no momento da internação, termos que impedem
essa garantia, é aproveitar-se da fragilidade de quem não apenas se encontra
doente, mas também de seus familiares, como foi o caso de um fiel que fui
atender em Campos dos Goytacazes. Na verdade, não consegui chegar até ele, pois
fui impedido de entrar, apesar de ter passado quase todo o dia na portaria do
hospital.
O documento alegado não tinha e não tem valor jurídico, pois
impede a liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal, razão pela
qual entreguei o caso a um advogado, na expectativa de que ele conseguisse, por
meios jurídicos, insistir no direito do paciente ao atendimento espiritual.
Atitude como esta por
parte das autoridades sanitárias não passa de uma tirania em nome da saúde, uma
perseguição religiosa que se instala aos poucos no Brasil e no mundo. Na cidade
vizinha de Itaperuna, um doente morreu sem assistência espiritual porque um
padre também não pôde entrar na UPA onde ele se encontrava.
Diante de tais entraves, é de suma importância recordar ao
público o que estabelece a nossa legislação. Graças a Deus, muitos advogados
católicos, entre eles o Dr. Miguel Vidigal, vêm se interessando em amparar os
desvalidos nestas circunstâncias. De São Paulo ele vem arregimentando colegas
de todo o Brasil para que ofereçam assistência jurídica gratuita aos
hospitalizados que desejam receber assistência espiritual.
Assim, aponta ele que o artigo 5º da Constituição
reza que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, assegurando o
livre exercício do culto, o acesso aos locais de culto e a realização das suas
liturgias. O inciso VII do referido artigo garante também, na letra da
lei, a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação
coletiva.
No plano infraconstitucional, respaldado pela mesma Magna
Carta, a lei nº 9.982/2000 dispõe, no art. 1º, os termos do acesso
assegurado em todos os estabelecimentos hospitalares públicos e privados, aos
estabelecimentos prisionais, civis e militares, a todas as confissões
religiosas para o atendimento religioso aos internados, de comum acordo com
estes ou com seus familiares, dependendo das circunstâncias.
Para reafirmar o que diz o artigo
acima, é importante notar que em momentos como o que vivemos não é de esperar a
profissão de fé por parte dos organismos estatais. Mas é imperativo moral que
seus representantes manifestem respeito, proteção e garantia do direito à
assistência religiosa a todos os cidadãos, mormente os que se encontram em
situação de iminente perigo de vida.
Qualquer ação ou inércia no sentido
de restringir tais direitos inalienáveis configura crime perante o ordenamento
jurídico pátrio, um criminoso desserviço à sociedade, uma afronta ao próprio
Deus, pela desobediência aos seus Mandamentos, valendo esta afirmação para
crentes e não crentes nos ensinamentos divinos, já que todos, sem exceção,
disto prestarão severas contas no momento que o Senhor nosso Deus os chamar.
E agora,
como conciliar os nossos propósitos mesquinhos com as sábias palavras das
Escrituras sagradas: Que servirá a um
homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um
homem em troca de sua vida? (Mt 16, 26).
Em nenhum outro momento da nossa
história se viu tamanha afronta, mesmo em tempos de contágios como a lepra, o
cólera, a tuberculose, entre outras doenças de maior contágio que a peste
chinesa. Conforme documentos e depoimentos de médicos, divulgados nas redes
sociais, nunca se serviu de pretextos tão capciosos para negar aos mais
necessitados a assistência religiosa que lhes é devida.
Nossa Senhora da Saúde |
Ainda nos antigos tempos de Seminário, surpreendeu-me ler
sobre a malícia dos comunistas promotores da guerra civil espanhola de 1936,
que antes de assassinar os católicos, procuravam a todo custo fazer com que
eles abandonassem a fé para só então executá-los, a fim de encher o inferno de
apóstatas e pecadores.
Ainda me recordo do bem espiritual que auferi dessa leitura,
e hoje sinto a mesma malícia diante desta circunstância com a qual me deparo,
ou seja, de procurar eliminar Deus da sociedade e das instituições. Não é
difícil vislumbrar, nessas proibições das autoridades sanitárias que impedem um
sacerdote de cumprir o seu dever, a mesma maldade, o mesmo ódio que se encontra
no bojo de toda revolução anticristã, o ímpeto em perder o maior número
possível de almas.
Roguemos à Santíssima Virgem Maria que venha nos socorrer
nessas circunstâncias, para que muitos levantem a voz em favor da Igreja, de
Deus e das almas.