Senhor, por que pareceis dormir?
Padre David
Francisquini
No último domingo, dia 5 de
junho, cinquenta dias depois da Páscoa, a Santa Igreja celebrou a grande festa
da descida do Espírito Santo sobre a Virgem Maria e os Apóstolos reunidos no
Cenáculo. Trata-se de uma das datas mais importantes do calendário litúrgico,
juntamente com a Páscoa e o Natal.
O termo “Pentecostes” vem do
grego pentēkostḗ, que significa “quinquagésimo”, em referência aos 50 dias
que se sucedem à Páscoa. No Antigo Testamento, o Pentecostes era celebrado
apenas pelos judeus, no fim da última colheita do ano, como forma de agradecer
a Deus pela comida. É também conhecida como celebração da Lei de Deus, em
memória do dia em que Moisés recebeu as Tábuas com as Leis Sagradas.
Essa festividade aconteceu
especificamente na primeira Páscoa depois de o povo de Israel sair da
escravidão do Egito e receber os Dez Mandamentos enviados por Deus. Mas, no
Antigo Testamento, o dia de Pentecostes é citado com outros nomes, tais como
‘Festa da Colheita ou Sega’ (Êxodo 23.16), ‘Festa das Semanas’ (Deuteronômio
34.22) e ‘Dia das Primícias dos Frutos’ (Números 28.26).
No Novo Testamento, a
comemoração de Pentecostes é citada no livro dos Atos dos Apóstolos, no
capítulo 2, quando narra o momento em que os apóstolos receberam os dons do
Espírito Santo: “Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo
lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e
encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de
línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos
cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito
Santo lhes concedia que falassem” (Atos dos Apóstolos 2:1-4).
Os fiéis católicos sabem que
a festa do divino Espírito Santo é comemorada com toda solenidade e se estende
por oito dias. Tão importante é este tempo, que os domingos seguintes estão
concatenados entre si e são chamados ‘domingos depois de Pentecostes’. A
importância dessa solenidade se acentuou a partir do século IV, e conferiu à Igreja
o valor do batismo e da crisma administrados aos catecúmenos na vigília de
Pentecostes para aqueles que não os receberam no Sábado Santo.
Com o fato histórico
descrito nos Atos dos Apóstolos, fica estabelecida a promulgação solene da
verdadeira Igreja de Jesus Cristo, que se dá na difusão do evangelho e
administração do Batismo. As línguas de fogo sobre os apóstolos indicam a
difusão da verdadeira fé e da palavra de Cristo contidas nos evangelhos e nas
epístolas: Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19). A
Igreja, esposa de Jesus Cristo, se inicia pelo esplendor e grandeza desta ação
no mundo no dia desta solenidade, onde se encontrava reunidos os discípulos do
Senhor.
Com a descida retumbante do Divino Paraclito sobre
os apóstolos, estes se tornaram instrumentos eficazes da graça para transmitir em
toda a face da terra a doutrina ensinada por seu Divino Mestre. Não é de
estranhar que a vinda do Espírito Santo no Cenáculo deu-se com grande estrondo;
com um vento impetuoso e a aparição de destacadas línguas de fogo sobre todos
os que se encontravam no recinto sagrado, onde Jesus Cristo instituiu a
Eucaristia e o Sacerdócio católico. Todos ouviram em seus próprios idiomas, com
enorme fascínio, o que os apóstolos falavam sobre as maravilhas de Deus.
São Luís Grignion de
Montfort, no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, descreve a
relação entre o grande acontecimento de Pentecostes e os pregoeiros do Reino de
Maria. Fundamenta ele que a ação de Maria no Cenáculo sobre os apóstolos seria
semelhante à graça que receberão aqueles que lutarão pela vitória indelével da
Igreja em uma era inteiramente marial, pulverizando o processo revolucionário
multissecular desencadeado há séculos com o declínio da Cristandade.
Este grande santo francês,
que viveu no século XVIII, num momento em que o movimento revolucionário
grassava fortemente em toda a França, não por acaso lançou, com um brado
pungente, os seus justos e zelosos anseios de ver restabelecida a ordem
universal de outros tempos, fazendo ecoar os anseios do salmista: Levante-se
Deus, e sejam dispersados os seus inimigos (Sl. 67, 1-2); Erguei-vos, Senhor,
por que pareceis dormir? Erguei-Vos.
Acalentava São Luís Grignion
no mais profundo de sua alma, o ideal profético de instauração de uma
civilização ainda mais aperfeiçoada do que a de outrora. Segundo os perenes
ensinamentos daquela que é Mãe e Mestra da verdade, a Santa Igreja Católica
Apostólica Romana ensina, guia, governa, santifica e define as verdades de Fé com
vistas à salvação eterna dos homens, em todos os séculos.
Ao se referir ao reino
profetizado por ele, São Luís fala que nessa era marial as almas estarão
embebidas do amor de Deus, e serão instrumentos do Espírito Santo para
constituir uma era de fogo na qual a face da terra será renovada pela ação da
Santa Igreja. Convém ressaltar o relacionamento existente entre Maria e os
apóstolos, unidos em oração no Cenáculo, pois Maria é o elo entre a Igreja e
Deus, pois sendo Mãe de Jesus Cristo, tornou-se a Mãe da Igreja.
De fato, o Espírito Santo
operou uma transformação naquelas almas, que passaram a difundir as verdades
ensinadas por Nosso Senhor. Pela fé, não somente temos certeza na promessa divina
de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, mas confiamos que
algo extraordinário ocorrerá nos tempos atuais, diante da crise na qual Ela se
encontra.
De tal modo extraordinário,
que é impensável instaurar o Reino de Maria sem a ocorrência de uma ação
extraordinária do Espírito Santo sobre as almas. Como pela ação de Maria no
Cenáculo foi possível a vinda do Espírito Santo, assim também será em nossos
dias, para que os escolhidos sejam verdadeiros condutores para a difusão da
verdadeira civilização em toda a face da terra, em que Cristo será o centro e o
rei da sociedade temporal e espiritual.