Ninguém pode servir a dois senhores
Pe. David Francisquini
A
avassaladora demolição atual das instituições e dos usos e costumes vigentes
até há pouco escancaram para o leitor uma crise sem precedentes, ampla e
universal que atinge todos os setores da vida social. Ainda que para efeito
didático dessas linhas, ouso dar-lhe um nome: apostasia. Por sua natureza, tal crise se reduz a um sistema
doutrinário que procura conduzir o desregramento das paixões ao seu mais alto
grau.
Basta considerarmos a tão propalada ideologia de gênero, inserida na
revolução cultural, que surge para demolir nos seus aspectos mais
transcendentes o próprio ser, ao negar que nascemos homem e mulher para
propagação da espécie. Essa nova ideologia parece ter saído dos antros
infernais, pois traz em seu bojo um verdadeiro ódio a Deus, o sumo bem, Autor da
diversidade das criaturas e de sua hierarquização.
Ao
criar, Deus manifestou sua suma bondade e sabedoria, pois quis comunicar suas
perfeições às criaturas para que elas fossem um reflexo d’Ele, e ao refleti-Lo Ele
pudesse ser mais conhecido e contemplado pelos homens enquanto Criador de todas
as coisas, visíveis e invisíveis, como nós rezamos no Credo. Neste movimento de
conhecer e amar nós teríamos todas as predisposições para bem servi-Lo.
Historicamente
isso aconteceu. Como nos ensinou o Professor Plinio Corrêa de Oliveira, “a
Cristandade medieval não foi uma ordem qualquer, possível como seriam possíveis
muitas outras ordens. Foi a realização, nas circunstâncias inerentes aos tempos
e aos lugares, da única ordem verdadeira entre os homens, ou seja, a
civilização cristã”. Com toda razão, Leão XIII pôde afirmar que naquele tempo a
filosofia do Evangelho governava os Estados.
Para
os incréus, basta contemplar tudo que a Cristandade foi capaz de fazer: as
catedrais, os castelos, as universidades, os hospitais, enfim tudo aquilo que
ainda atrai os viajantes à Europa. A vida terrena para o homem era uma espécie
de antecâmara do céu. E não foi por outro motivo que o demônio desencadeou uma
Revolução a fim de destruir até os fundamentos a ordem por excelência que
reinava naquela doce primavera de fé.
Odiar
em princípio toda e qualquer desigualdade é colocar-se filosoficamente contra
os elementos que há entre a criatura e o Criador, e, portanto, representa um
ódio metafísico contra o próprio Deus. Infelizmente, foi o que se passou com a
decadência da Idade Média, com o advento de Lutero e sua revolução protestante,
com a revolução francesa, com a revolução comunista que agora, nos seus
estertores, parece caminhar para o seu trágico fim.
Com
efeito, a fúria que se manifesta contra os símbolos de nossa Redenção, contra o
próprio Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua Mãe Santíssima se concretiza em peças
blasfemas como "O Evangelho Segundo
Jesus, Rainha do Céu", exibido em unidades do Serviço Social do
Comércio – SESC com o patrocínio de órgãos como Itaú Cultural e Instituto Tomie
Ohtake. Outro exemplo foi a exposição denominada “Queermuseu: Cartografias da diferença na arte brasileira”,
patrocinada pelo Banco Santander.
Tais
iniciativas vão muito além de simples quedas a que a fragilidade humana está
sujeita depois do pecado original, mas estão revestidas de um ódio que gera
erros doutrinários, levando até mesmo à profissão consciente e explícita de
princípios contrários à lei moral e à doutrina revelada, constituindo um pecado
contra o Espírito Santo.
Todos
nós assistimos a erosão da família na sociedade civil, e até mesmo dentro da
Igreja Católica, que deveria ser a sua defensora natural e espiritual, mas que,
em vez disso, em reuniões e encontros católicos abre espaço para adúlteros e
homossexuais, administra o sacramento da Comunhão e da Confissão para pecadores
sem o firme propósito de emenda de vida.
Outro
acontecimento escandaloso foi a comemoração dos 500 anos da revolução protestante
de Lutero, que pregou a supressão do celibato eclesiástico e a introdução do
divórcio, além de ter sido responsável pela decadência moral que atinge o paroxismo
de nossos dias. Das tendências, dos estados de alma, dos imponderáveis
protestantes surgiram outras revoluções, como a revolução francesa, a revolução
comunista e a revolução estruturalista.
Creio
ser do Pe. Leonel Franca a afirmação de que a sociedade moderna ataca tudo o
que a sustenta e sustenta tudo o que a demole. O destaque dado nos meios
católicos aos festejos da revolução luterana percorreu todos os níveis da
hierarquia eclesiástica. Segundo informa boletim da Unisinos, “Lutero no seu tempo
julgado como herético e excomungado pelos papas, neste ano será comemorado pela
filatelia vaticana com um selo que recorda os 500
anos da Reforma Protestante”...
Diante da tragédia de nossos dias,
recordo aqui um ensinamento de Pio XII:
"Embora
os filhos do Século sejam mais hábeis que os filhos da luz, seus ardis e suas
violências teriam, sem dúvida, menor êxito se um grande número, entre aqueles
que se intitulam católicos, não se lhes estendessem mão amiga. Há os que parecem querer caminhar de acordo com os nossos
inimigos, e se esforçam por estabelecer uma aliança entre a luz e as trevas, um
acordo entre a justiça e a iniquidade. .... Como se absolutamente não estivesse
escrito que não se pode servir a dois senhores. São eles muito mais perigosos
certamente mais funestos do que os inimigos declarados”.