Santo Agostinho, Bento XVI e Cuba
*Pe. David
Francisquini
“Hoje é evidente
que a ideologia marxista, na forma em que foi concebida, já não corresponde à
realidade” (S.S. Bento XVI, in OESP
24/3/12, pg. A26).
Perplexo, um amigo me procurou e disse: “Padre, o que
se conclui das palavras de Sua Santidade é que se hoje é evidente que a
ideologia marxista já não corresponde à realidade, antes não era evidente,
portanto, ela correspondia à realidade”.
E acrescentou: “Ora, tendo diversos predecessores de
Bento XVI condenado essa ideologia como intrinsecamente perversa e oposta per
diametrum à doutrina católica, eu simplesmente não compreendo como ela pode
ter sido em algum momento aceitável e correspondido à realidade das coisas”.
Pus-me então a refletir e concluí que não tinha como
discordar, pois de fato muitos Papas afirmaram que o marxismo – ideologia que
nega a Deus e os frutos da Redenção ao pregar o materialismo como ideal
metafísico – é intrinsecamente perverso. E os regimes que o adotam não apenas
pregam, mas combatem por todos os meios, a civilização cristã e os valores
emanados do Supremo Magistério da Igreja.
Enquanto refletia, passavam pela minha mente algumas
notícias que eu acabava de ler nos jornais. Uma delas informava que o cardeal
de Havana, D. Jaime Ortega, chamou a polícia comunista para expulsar de uma
igreja os católicos que ali estavam em vigília de orações para protestar contra
o regime opressor. Outra notícia dizia que o Núncio Apostólico se negou a
receber uma comitiva de católicos perseguidos pelo comunismo que lhe fora pedir
para ter um breve encontro com Bento XVI.
Pensei comigo: se os próprios prelados cuja obrigação é
defender o seu rebanho o tratam deste modo, o que dizer então dos ditadores
comunistas e de seus sequazes?
Entre uma declaração perplexitante e dois fatos
concretos angustiantes recorri a Santo Agostinho. Nele encontrei estas
considerações sobre a Santa Igreja repassadas de unção, que me muito me consolaram.
“Ó Santa Igreja de Deus, tu conduzes e
instruis as crianças com ternura, os jovens com força, os anciãos com calma,
como comporta à idade, não apenas do corpo, mas ainda da alma. [...] Tu ensinas
aos reis que se devem dedicar a seus povos, e prescreves aos povos que se
submetam aos reis. Tu ensinas com cuidado a quem se deve a honra, a quem o
afeto, a quem o respeito, a quem o temor, a quem a consolação, a quem a
advertência, a quem o estímulo, a quem a correção, a quem a repreensão e a quem
o castigo. Tu fazes saber como, se nem todas as coisas são devidas indistintamente
a todos, a todos se deve a caridade e a ninguém a injustiça” (De moribus Ecclesiae, cap.
XXX, nº 63).
Com efeito, após essa bela
apóstrofe de Santo Agostinho, basta um breve exame da doutrina da Igreja e de
sua História para nos darmos conta de até que ponto ela é verídica para todos
os povos e em todas as épocas.
Haveria para o Estado
interesse mais fundamental, mais indispensável, mais sagrado do que se
enriquecer com os inestimáveis benefícios que só da ação da Igreja — acentuamos
a palavra “só” — lhe pode provir? Só a
Igreja é capaz de unir, não só em sociedade, mas numa espécie de convivência
pacífica, os cidadãos aos cidadãos, as nações às nações e os homens entre si pela
lembrança de nossos primeiros pais.
Ressalta ainda o grande Santo Agostinho que, se seguir
o que Nosso Senhor nos ensinou, a sociedade inteira tenderá naturalmente ao
progresso, ao bem-estar e à harmonia.
Exatamente isso é que não existe em Cuba após mais de
50 anos de comunismo, pois seu regime proíbe a propriedade particular assegurada
em dois Mandamentos da Lei de Deus, coíbe a livre iniciativa, nega a família e
a liberdade enquanto direitos fundamentais da pessoa humana. Em suma, Cuba é a própria
injustiça que tornou a vida desumana, fruto da ideologia marxista – tanto de
ontem como de hoje.