Limpar a poeira e tirar o mofo I
Pe. David Francisquini
A propósito de recentes estatísticas apontando o
crescimento das facções protestantes em detrimento da religião católica,
recordo-me que no final da década 1960 um jornalista muito arguto e pouco fiel à
nossa santa fé chegou a afirmar que o Brasil não tardaria a se transformar no
maior país ex-católico do mundo.
À época, eu cursava o Seminário Menor no Paraná e já
podia perceber a transformação paulatina e persistente nos meios católicos
através de sacerdotes ditos progressistas. Com ou sem pretexto, eles
compareciam no Seminário a fim de fazer reuniões, acenando sempre para uma
mentalidade nova a contrarrestar valores então vigentes, qualificados não sem
alguma malícia de “empoeirados” ou cobertos de mofo.
Por ser conservadora, a diretoria do referido seminário
começou a sofrer pressão de um órgão do Vaticano e do episcopado paranaense
para se adaptar aos novos tempos, sob pena de abandonar aquela casa de formação
sacerdotal. Seu ex-reitor deve possuir em seus arquivos os documentos que
exigiam a sua cabeça e a dos demais sacerdotes que o coadjuvavam.
A diocese tinha cerca de cem seminaristas menores, doze
mil congregados marianos e filhas de Maria, além de outras associações de
leigos. Um sacerdote aggiornato do
Rio Grande do Sul, encarregado pelo bispo, visitava uma a uma dessas
associações, sempre propondo limpar a poeira e tirar o mofo através da
modernização, mesmo que precisasse desautorar o sacerdote que dirigia as
referidas associações.
Num ambiente assim hostil ao ensino tradicional, surgiu
uma nova liturgia. O altar do santo sacrifício da Missa foi substituído por uma
mesinha de frente para o povo, músicas profanas foram introduzidas nas
celebrações, o espírito religioso dos fiéis cedeu lugar a uma mentalidade
mundana, e muitas vezes se parodiavam os protestantes. Já no Seminário Maior em
Curitiba, presenciei e ouvi de um sacerdote no sermão a apologia do
protestantismo ao afirmar que a Igreja havia mudado sua posição.
À noite
daquele mesmo dia, com a presença de todos os seminaristas, católicos e
protestantes se reuniram numa igreja da capital paranaense. No púlpito se
revezavam padres e pastores. Houve padres que ousaram defender o fim do
celibato. A partir daí, muitos sacerdotes passaram a sofrer de um mal que ficou
conhecido como “crise de identidade”, outros ainda lamentavelmente abandonavam
o sacerdócio em decorrência das novidades surgidas a partir do Concílio
Vaticano II.
Para os avisados a notícia da redução do número de
católicos no Brasil não chega a surpreender, pois o ambiente vinha sendo
amplamente preparado, como se pode observar na leitura do livro “Em defesa da Ação Católica”, de Plinio
Corrêa de Oliveira. Nessa obra, escrita em 1943, o autor mostra a mudança não
apenas de comportamento, mas igualmente de doutrina, a partir de uma ala
modernista que se tornou atuante já na década de 1930, não respeitando os
tradicionais ensinamentos da Santa Igreja.
Às vezes me pergunto se o clero brasileiro, sobretudo o
episcopado, está realmente preocupado com a defecção e apostasia dos católicos
que passam a engordar as fileiras do protestantismo. Fala-se muito em
ecumenismo nos meios católicos, mas como o clero teria deixado escapar tantas
ovelhas de seu rebanho? São os católicos que estão fazendo proselitismo para
esvaziar os ambientes das seitas protestantes, ou são estas que se aproveitam
da decadência religiosa e do clero? Como fica o dogma de que fora da Igreja não
há salvação?
Essas
perguntas me vêm ao espírito ao imaginar a situação alarmante daqueles que
apostataram ao renegar a fé recebida no santo batismo. Qual teria sido a causa
mais profunda desse abandono em massa – um terço dos católicos – da fé no único
Deus verdadeiro e da religião única e verdadeira desse mesmo Deus que é a Santa
Igreja Católica Apostólica Romana? Para responder tais interrogações,
precisamos analisar a vida religiosa antes do Concílio Vaticano II, assunto que
fica para um próximo artigo.