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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Remédio para lutar e vencer

                                                          Pe. David Francisquini
A liturgia tradicional celebra no mais alto grau as duas festas que a Santa Igreja comemora nos dias 1° e 2 de novembro. A primeira nos recorda as almas santas que gozam da visão beatífica na corte celeste; e a segunda, as almas que ainda padecem por suas faltas. A Igreja Militante nos convida assim, aqui na Terra, à união com a Igreja Triunfante e a Igreja Padecente, ou seja, com as almas do Céu e do Purgatório.
Convido o leitor a percorrer um pouco essas magníficas paragens dos justos – dos santos, de todos os santos. Quanto ao Purgatório, ficará para outra ocasião. Enquanto na Terra vivemos em meio à miséria e à desolação, sobretudo nos dias de hoje, na corte celeste poderemos nos deslumbrar diante das maravilhas calmas e alegres, próprias a um lugar onde impera a ordem decorrente do bom, do verdadeiro e do belo.


Santo Tomás indaga se Deus, com o seu infinito poder, poderia criar outros seres mais perfeitos que os já criados. Ele afirma que sim, mas faz uma distinção ao apresentar as três exceções: Jesus Cristo, a Virgem Maria e a bem-aventurança eterna, isto é, o gozo do próprio Deus.


Essa bem-aventurança é um bem que absorve o ser humano na contemplação beatífica. Sob tal aspecto, não pode haver algo maior nem melhor que Deus pudesse fazer. Santo Agostinho afirma que nessas três coisas Deus esgota sua ciência, seu poder, sua riqueza e sua bondade. Para que se possa ter uma ideia da felicidade que os bem-aventurados gozam no Céu, basta considerar diferença quase infinita deste com a Terra.

Por maior que seja a felicidade neste mundo, ela não passa de uma morte que vai se aproximando aos poucos. Se quiser, uma vida que vai se extinguindo, ou uma morte que vive por um espaço de tempo, segundo o conceito do Bispo de Hipona. Somos como estrangeiros, peregrinos, transeuntes que fazem uma grande caminhada para um destino infinito, para usar pensamento da Escritura Sagrada.

Ao olhar o que nos cerca, tudo é vil e repugnante, como um cisco comparado à grandeza infinita de Deus, que nos absorve e nos cumula de eterna felicidade, pois Ele é o fundamento e a razão suprema do ser inteligente e volitivo que somos.  Peregrinos nesta terra de exílio rumo à eternidade, uma alternativa nos resta: amar o mundo visível, as coisas perecíveis, desprezíveis, fugazes, que não passam de nuvens que esvoaçam e desaparecem no firmamento, ou amar e viver eternamente para o fim último que é Deus, sentido de nossa existência, porque é eterno, infinito, sólido, incorruptível, verdadeiro e seguro.


No mundo há somente suor, trabalho, tristeza, dor, temor e ilusão – “vaidade das vaidades tudo é vaidade”, advertem-nos as Escrituras Sagradas. O Céu é uma cidade sem sofrimento, onde não há pressa ou sofrimento algum. Nele há paz, descanso, alegria sem par, segurança ilimitada, bem-estar, pois na Corte celeste reina a ordem. É a Casa do Pai. Dentro dela, riquezas indescritíveis, harmonias encantadoras, bens imperecíveis, união estreita e íntima entre os seus cortesões.


Ao observar este vale de lágrimas, o mundo que nos cerca, o que vemos? Pessoas envoltas em amarguras e pecados, traições e desgostos, numa corrida desenfreada atrás de bens materiais, de um gozo fugaz que traz, à maneira de efeito rebote, tristezas e remorsos, de um mundo em que só há confusão e atribulação do espírito.


Como num espelho em que se podem contemplar ligeiramente um rosto ou as figuras nele refletidas, assim passam as comodidades, a segurança, o bem-estar da sociedade hodierna, que se debate para manter-se numa aparente estabilidade, que se contorce enquanto avança rumo às profundezas do caos.
Por outro lado, podemos contemplar o mundo de felicidades e esperanças, que nos conduz a desapegar – isso mesmo – de aborrecimentos, tribulações, prantos, tentações, perigos e mil outras provações do gênero. A consideração desse mundo nos dá um lenitivo espiritual que serve de remédio retemperante de nossas forças, a caminho da cidade dos eleitos, lugar que não conhecerá fim.
Não se trata de uma prisão como tantas existentes neste vale de lágrimas, onde os malfeitores e criminosos são punidos, mas da verdadeira pátria dos homens virtuosos, da Jerusalém celeste, que a nossa inteligência é incapaz de compreender, da cidade que nenhuma riqueza da terra pode edificar e em que todos encontram felicidade de conviver; cidade perfeita onde o nosso espírito encontrará a verdadeira felicidade. Pensar na Corte celeste é remédio para lutar e vencer.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Lex orandi lex credendi

Padre David Francisquini

É fato que em muitos lugares a missa tradicional não desfruta de espaço nem de abertura para que seus seguidores possam assisti-la e os sacerdotes celebrá-la. No entanto, já no documento Ecclesia Dei, João Paulo II pedia compreensão, bondade, abertura e acolhimento à porção de fiéis que amam os tesouros da liturgia, que remonta ao tempo dos apóstolos.
Se de um lado surpreende o número crescente de pessoas desejosas de usufruir da liberdade de se abeberarem da liturgia sagrada, na qual se encontram os tesouros do culto católico, de outro lado existem incompreensões e bloqueios por parte daqueles que deveriam utilizar a misericórdia e não fechar as portas de tão esplendoroso e eficaz sacrifício, expressão tão significativa de nossa fé, de nosso amor e devoção que luziu ao longo dois mil anos.
O ódio do heresiarca Lutero se manifestava contra a liturgia da Missa, que ele qualificava de medieval, e também contra o papado. A Missa é o centro litúrgico da vida cristã, e o papado é o receptáculo da autoridade do próprio Jesus Cristo. Lutero não foi reformador nem fez bem algum; quis demolir, com ódio satânico, o edifício sagrado instituído por Nosso Senhor.
S. Pio V retratado em uma das páginas iniciais de um missal
Há um princípio a ser respeitado e conservado, estabelecido em 1570 por São Pio V no decreto Quo Primum Tempore, que cita textos confrontados com os da Biblioteca Vaticana e com escritos de autores consagrados. Trata-se do princípio lex orandi lex credendi  –– a Igreja expressa em sua oração a sua profissão de fé.
Por sua vez, na carta apostólica Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, Bento XVI recorda que “cada igreja particular deve concordar com a igreja universal não só quanto à fé e aos sinais sacramentais, mas também quanto aos usos recebidos universalmente da ininterrupta tradição apostólica, os quais devem ser observados tanto para evitar os erros quanto para transmitir a integridade da fé, de sorte que a lei da oração da Igreja corresponda à lei da fé”.
Atendendo ao desejo de muitos fiéis e sacerdotes que queiram usar o Missal anterior ao Concílio Vaticano II, Bento XVI lembra o cuidado que tiveram os romanos pontífices, em particular de São Gregório Magno e São Pio V. E estabelece que esse Missal, enaltecedor da riqueza e da beleza litúrgica, um tesouro transmitido pela tradição apostólica, deve ser compreendido e acatado com paternal solicitude.
Acrescenta ainda que tal desejo não pode ser impedido de forma alguma, mas acolhido com bondade e compreensão, como estabelece João Paulo II no Motu Proprio Ecclesia Dei, de 1978, exortando os bispos a “que fossem generosos ao conceder a dita faculdade em favor de todos os fiéis que a pedissem”.
A respeito do antigo Missal, Bento XVI recomenda seguir a edição editada por João XXIII (instrução da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei), que reafirma, referindo-se ao antigo Missal, que não há ruptura, exaltando que “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado”.
Ao obedecer a essas regras, o rito latino leva os fiéis à unidade divina, a Deus como Ser supremo, absoluto em três Pessoas, a Quem é prestado um culto com sacrifício propiciatório, que se imola sob as espécies do pão e do vinho na consagração. São Pio V, o grande Papa do Concílio de Trento, afirma a continuidade das formas no rito romano, obedecendo ao conceito tomista da unidade, em atenção à tradição apostólica, preservando a oração e a fé.
São Pio V
Não é factível a fragmentação dos princípios de ordem natural e filosófica para defender a própria verdade com base na tradição. Como Esposa de Cristo e Mestra da verdade, a Igreja é coerente consigo mesma, não podendo ser e deixar de ser ao mesmo tempo, em contradição com o princípio metafísico e ontológico. A Missa dita tridentina vem enriquecer e expandir a beleza com que Deus ornou a Santa Igreja. Sua roupagem, revestida de sacralidade, esplendor e ordem, tem como fundamento a Beleza Suprema.
Ao longo da História, o Espírito Santo guiou a sua Igreja concedendo meios de conduzir as almas a Deus, dando continuidade ao que vinha da própria Criação, segundo o princípio da finalidade suprema do homem de conhecer, amar e servir a Deus. O centro da vida do homem e o pulsar constante de sua alma estão no encantamento e no amor a esse mesmo Deus, que expressa de modo digno, elevado e nobre o fim supremo para o qual a liturgia conduz o homem.
Compreende-se, então, o ódio à liturgia de São Pio V, que nada inovou, mas apenas conservou e consolidou, sem fragmentar nem romper a tradição apostólica do sagrado, dando unidade litúrgica, respeitando os ritos de pelo menos 200 anos de existência. É um verdadeiro tesouro, que deve ser amado com todas as veras de nossas almas.
Sacrifício de Abraão oferecendo seu filho Isaac
Cabe ainda considerar que o Sacrifício da nova lei não rompe com a antiga, mas a complementa e aperfeiçoa. O sacerdote pede a Deus que aceite o seu sacrifício como aceitou o dos justos da antiga Lei: Abel, Abraão e Melquisedec. Ele tem como sacerdote e vítima o próprio Jesus Cristo, que oferece a Deus, Augusta Majestade, os dons e as dádivas, a Hóstia pura, santa e imaculada, o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação perpétua, em perdão dos nossos pecados.
Tais eram as preocupações do Sumo Pontífice em 1570, no tocante à perpetuação da tradição apostólica do sagrado rito, sedimentado na Constituição Apostólica Quo Primum Tempore. Eis um aspecto da nossa fé que, bem considerado, é digno da expansão de nosso maravilhamento, sem radicalismos em relação ao culto tradicional apostólico, profundamente identificado com a Igreja e com seu glorioso passado, não havendo ruptura com o que Ela sempre ensinou na forma de crer e orar.


*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria - Cardoso Moreira-RJ

sábado, 27 de agosto de 2016

Se Jacinta vivesse hoje...

Padre David Francisquini

Se as crises e catástrofes de nossos dias, portadoras de trevas, coincidem com o que a Virgem de Fátima proclamou em 1917 aos três pequenos pastores na Cova da Iria, como Mãe também garantiu aos seus filhos que as trevas seriam dissipadas pela luz através da devoção ao seu Imaculado Coração.
Diante do paradoxo, a alma cristã sente a sua contingência e se volta confiante, na certeza do triunfo, para Aquele que é “o caminho, a verdade e a vida”. Segundo São Luís Grignion de Montfort, a era prenunciada por Fátima será a mais brilhante da história da Igreja.
Para esse período de fé, de certeza, de ordem, de piedade e de paz, a Virgem pediu a consagração do mundo, com especial menção da Rússia, ao seu Imaculado Coração. Caso seu pedido fosse aceito haveria paz; caso não, a Rússia espalharia seus erros pelo mundo promovendo guerras e perseguições à Igreja.
O Santo Padre o Papa, Vigário de Jesus Cristo, deveria consagrar a Rússia ao Seu Imaculado Coração em união com todos os bispos do mundo, no mesmo horário e momento em que a Cabeça da Igreja, representante de Jesus Cristo entre nós, procedesse à solicitada Consagração indicada pela Virgem.
Por que então Deus, através de sua santíssima Mãe, pediu ao Papa que consagrasse a Rússia ao Imaculado Coração de Maria como condição para que esta se convertesse? Por que o próprio Divino Filho não tomou a iniciativa de converter a Rússia sem exigir contrapartida do Papa?
Tudo leva a crer que Nosso Senhor tenha colocado essa condição para que a História registrasse a consagração, e mostrar assim a ação do Imaculado Coração de Maria sobre os grandes acontecimentos terrenos, favorecendo ao mesmo tempo a maior difusão possível da devoção a Ele.
Nestes 100 anos das aparições (1917-2017), os erros da Rússia penetraram em todos os campos da atividade humana, até mesmo dentro da Igreja Católica. Eis a razão das perseguições aos bons e de se promoverem desordens no campo moral como o aborto, a eutanásia, a ideologia de gênero, as uniões homossexuais. Afinal, o que resta da moral contida nas tábuas da Lei?
Lendo recente obra publicada pelo Carmelo de Coimbra – Um Caminho Sob o Olhar de Maria –, encontrei fatos interessantes que elucidam a situação angustiante da atual crise moral e religiosa, sem dúvida consequência do não atendimento dos apelos da Virgem à conversão e à penitência.
A Irmã Lúcia, em carta ao Bispo de Leiria, afirma: “Jacinta se impressionava muito com algumas coisas reveladas no segredo e no seu amor ao santo padre e aos pecadores dizia-me muitas vezes: coitadinho do Santo Padre, tenho muita pena dos pecadores.
E prossegue: “Se ela vivesse agora que estas coisas estão perto de acontecer, quanto mais não se impressionaria. Se o mundo conhecesse o momento da graça que ainda lhe é concedido e fizesse penitência! O tempo passa, as almas não morrem, a eternidade permanece!
Em outro lugar, Lúcia fala que na terra purificada haverá uma só fé, um só batismo, uma santa Igreja Católica Apostólica, como a exclamar o triunfo do Corpo Místico de Cristo através do Imaculado Coração de Maria, quebrando o processo revolucionário, como uma serpente insidiosa e peçonhenta, que vem se arrastando em meio a revoluções e guerras ao longo de mais de 500 anos.
Digna de nota nesse sentido foi a expressão de Paulo VI ao afirmar que de algum modo a fumaça de Satanás invadiu o Templo Santo. Seria desalentadora a situação caso não existisse a garantia de Nosso Senhor Jesus Cristo de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Santa Igreja.
Ademais, teremos sempre no Coração Imaculado de Maria Santíssima o “refugium nostrum” de cada dia para as dores e angústias que solapam a nossa fé e atentam contra as nossas esperanças. E por maiores que nos pareçam as provações, esta devoção nos assegura que o socorro e o anteparo não nos faltarão jamais.
Outro aspecto de suma importância: para os que recorrem a Nossa Senhora com confiança, Ela é “terrível como um exército em ordem de batalha” para os inimigos da Igreja.
Estas reflexões são de molde a nos dar a certeza de que estamos trilhando o caminho certo ao recorrermos aos favores de tão boa Mãe. Em estreita união com o seu Imaculado Coração, avançaremos resolutos ao encontro do seu divino Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, pois onde está Maria, está Jesus Cristo.
Na linguagem aquilatada e cheia de amor de Deus de São João Eudes desprende-se uma maravilha do pensamento: ele nos diz que Jesus está tão intimamente ligado a Maria, que é mais fácil apartar do fogo o calor, do que separar Maria de Jesus.

Aprendamos d’Ela e com Ela, para buscarmos este progresso junto ao seu Imaculado Coração, sobretudo em ocasiões como a sua festa transcorrida no dia 22 de agosto.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A sublimidade da Igreja em dois cortejos

Pe. David Francisquini

Funeral de São Martinho (1312-1317)
Para exercer sua ação sublime e benfazeja sobre os fiéis, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana fez desabrochar ao longo dos séculos uma realidade rica em imponderáveis.
Por exemplo, quando um cortejo fúnebre entra numa igreja, o padre faz uma breve oração junto à porta, para indicar que é a última vez que o defunto entra naquele recinto sagrado. Se ele for um leigo, estará com os pés voltados para o altar e a cabeça em direção à porta, para ensinar que era com os pés ele ia à igreja cumprir os preceitos sagrados.
Se o defunto for um sacerdote, ele estará revestido dos paramentos sagrados e, por encontrar-se na casa de Deus, onde exercera seu ministério e por vezes passara a vida, sua posição no ataúde será com os pés voltados para a porta da igreja e a cabeça em direção ao altar, indicando tratar-se de pessoa sagrada.
Com isso a Igreja ensina aos sacerdotes e aos fiéis seus deveres recíprocos, ou seja, de não se furtarem à missão de conduzir as almas a Deus e de não viverem alheios ao ambiente sagrado.


Outro exemplo. Numa cerimônia batismal, o padre exerce a função sagrada de trazer um pagão para o seio da Santa Igreja. Neste sacramento há um imponderável digno de ser lembrado. Revestido de sobrepeliz e estola roxa, ele espera o cortejo na entrada da igreja junto à pia batismal, a fim de indicar que o batismo é a porta da Igreja pela qual, para se tornar cristão, é preciso passar.
Para tornar-se cristão, membro de Cristo, é necessário receber o batismo, sem o qual não há salvação, como disse o Salvador: “Quem não renascer pela água e pelo Espírito Santo, não poderá entrar no reino do Céu”.
Assim como não se entra numa casa sem passar pela porta, também não se pertence à Igreja sem passar pelo batismo. É através dele que se renasce, pela água e pelo Espírito Santo.
A Igreja é sublime e, portanto, contrária à vulgaridade, sendo esta uma das razões pelas quais o mundo moderno, igualitário, medíocre e laico A desdenha.
Assim, ao começar o cerimonial do batismo, estabelece-se um diálogo entre o celebrante e a criança, representada pelos padrinhos, no qual se diz:
— “Que pedes à Igreja de Deus? A Fé, dizem os padrinhos.
— Que te alcança a Fé? A vida eterna.
— Se queres entrar na Vida Eterna, observa os mandamentos: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e a teu próximo como a ti mesmo”. Em seguida, o sacerdote insufla três vezes a face da criança e diz:
“Retira-te dela espírito imundo e dá lugar ao Espírito Santo Paráclito”.
Na sua liturgia, a Igreja associa a fé ao espírito de luta contra o mundo, o demônio e a carne. Ao traçar uma cruz na fronte e no coração do batizando, Ela o conclama a ser fiel aos preceitos divinos e aos bons costumes, condição necessária para ser o templo de Deus.
Essa ação da Igreja nas almas assemelha-se à ação da família com relação aos seus filhos. Para cerceá-la, procura-se desfigurar as famílias pelo divórcio, pelos prazeres desordenados, pelo ambiente frenético crescente, exercendo assim um trabalho incessante para descaracterizar a instituição familiar, que é um reflexo da instituição divina da Igreja.
Fazer mal à família é prejudicar a Igreja, é estraçalhar esta simbologia de que fala São Paulo Apóstolo:“Como o marido é a cabeça da mulher, Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo, do qual Ele é o Salvador” (Ef. 5,23).
Nossa Senhora de Fátima
O modo de agir da Esposa de Cristo opõe-se a ação do mundo e do demônio nas almas e fundamenta a esperança e a certeza de que essa missão salvadora, atuante dentro dos ambientes, age de modo sutil, criando condições e ambiente para a salvação eterna.
A maior conquista do processo revolucionário em cinco séculos de destruição da Civilização Cristã foi ter conseguido penetrar no recinto sagrado da Igreja Católica para mudar suas instituições, sua doutrina, e perverter assim a mentalidade dos que professem a Religião verdadeira.


Lutero
Dois acontecimentos diametralmente opostos serão comemorados em 2017: o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima e os 500 anos da Revolução Protestante luterana. Enquanto os verdadeiros católicos procuram enaltecer a Mãe de Deus e colocar em prática os pedidos feitos por Ela em 1917, os católicos progressistas, pelo contrário, se preparam para comemorar o heresiarca Martinho Lutero, o qual, segundo eles, teria realizado “algo de bom e de vantajoso” em favor da Igreja Católica!



Não se entende como um inimigo tão perverso, com sanha persecutória, possa realizar algo em favor d’Aquela que ele pretendia destruir. Mas, em todos os momentos de crise, não falta à Santa Igreja a proteção do Espírito Santo. Basta que seus ministros O invoquem para que todo o processo conspiratório se desvaneça.Portanto, no atual e crítico impasse em que nos encontramos, com a Igreja aparentemente convertida em “uma sociedade puramente humana, uma simples ONG”, conforme aludiu o Cardeal Robert Sarah (prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos), impõe-se a adesão e a atuação clara e enfática de todo o clero a uma situação em que Deus volte a ser o centro das cogitações humanas; e, especialmente, esteja no âmago das celebrações litúrgicas na realização do cerimonial católico.


sexta-feira, 24 de junho de 2016

A Cidade de Deus e a Cidade do Homem

Pe. David Francisquini

São Paulo Apóstolo
São Paulo distingue no ser humano – na primeira Epístola aos Tessalonicenses – o corpo, a alma e o espírito, enquanto em outras cartas se refere apenas ao corpo e à alma, como costuma ser apresentado na filosofia aristotélico-tomista. Ao tomar a divisão do homem em três partes, o Apóstolo atendia com certeza à mentalidade e à concepção helenistas de então.
Por ser próvido, Deus protege o homem, dispensando-lhe graças e ajuda, porque a qualquer momento o mal pode se abater sobre ele, tanto na alma quanto no corpo. Com bondade de Pai, Ele fala no fundo de seus corações palavras de confiança e de serenidade, conforme escreve o Abbé Thomas de Saint-Laurent no Livro da Confiança:
“Voz de Cristo, voz misteriosa da graça que ressoais no silêncio dos corações, Vós murmurais no fundo das nossas consciências palavras de doçura e de paz. Às nossas misérias presentes repetis o conselho que o Mestre dava frequentemente durante a sua vida mortal: confiança, confiança”.
Convém ressaltar que em outra passagem das Escrituras, Deus dá a entender que o germe de deterioração, como a cabeça de alfinete, pode aflorar com frequência nas regiões misteriosas do homem: “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz e mais penetrante do que toda espada de dois gumes; chega até à separação da alma e do espírito, das junturas e das medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração. Não há nenhuma criatura invisível em Sua presença mas todas as coisas estão a nu e a descoberto, aos olhos daquele a quem falamos” (Hb. 4,12).
Deus, onisciente e sábio, desvenda os pensamentos humanos e penetra – para empregar a palavra dos Salmos – em seus próprios rins. Para discorrer sobre essas regiões insondáveis do homem, onde nascem as ideias e as resoluções, valemo-nos do velho Simeão ao se referir a Maria Santíssima: "E uma espada traspassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos" (Lc. 2,35).
Confrontando os textos acima, ao utilizar a figura da espada que penetra até a medula ou junção da alma e do espírito, pode-se verificar a existência de uma região misteriosa na qual se originou sua imensa e profunda dor pela maldade dos homens. É aí que a Revolução, pelos atrativos do mundo, não mede esforços para desordenar as paixões humanas.
Por sua grandeza e excelência, o homem aspira pelo maravilhoso, pelo esplendor e pelas harmonias do unum, bonum, verum e pulchrum. A sua própria constituição ontológica tende para Deus e para tudo que espelha e reflete as perfeições divinas na criação. Tomemos o exemplo de uma criança inocente.
Castelo de Leeds, Kent, Inglaterra
Ela gosta de ouvir contos de fadas, de princesas e de castelos, e de se admirar com eles; idem em relação aos jardins, às flores e às fontes; ela propende a cavalgar o épico e o maravilhoso da vida. Para desviá-la de tais tendências, a Revolução cria desenhos animados monstruosos, brinquedos obscenos que são verdadeiros monstros, velocidades siderais para quebrá-la psicologicamente.
A criança torna-se agitada, nervosa e cheia de torcidas, perdendo assim as referências do respeito, do acatamento e da docilidade. Poder-se-iam acrescentar ainda as inúmeras alusões aos divertimentos eletrônicos, ao mundo virtual com experiências de novas sensações e cacofonias, que vão atuando nessas regiões profundas de sua alma, destemperando-a, desequilibrando-a para a vida.
Jorge III e Carolina de Brunsvique com os 6 filhos mais velhos
As crianças assim deformadas rompem com a sua axiologia – isto é, com a ordem das coisas, que é naturalmente boa – e caminha rumo à negação de Deus, começando o mais das vezes por palavrões, violências e intemperanças de toda ordem. Isso se passa, voltamos a repetir, nas camadas mais profundas da alma, nas junturas onde o espírito se une com a alma.
A partir daí, o caminho para a ação preternatural, ou seja, diabólica, fica aberto para os inimigos de Deus através de uma nova forma no vestir-se, na maneira de se comportar e se expressar, no ver e julgar a realidade, resultando no rompimento do cristal da inocência que comprometerá o procedimento da pessoa.
Pelos novos hábitos, peca-se sem se dar conta de que se está distanciando da fé, de suas relações com Deus, com a Igreja, com o mundo criado no que ele tem de ordenado e deslumbrante. Perde-se também o equilíbrio na vida familiar, onde o pai representa o rei e a mãe, a rainha; quebra-se a harmonia no convívio e cada um vai se refugiar no seu próprio egoísmo.
Peca-se por não levar a vida segundo os ditames da fé e da prática da verdadeira caridade cristã, ao cultuar valores de uma dita cultura que prestigia o orgulho e a sensualidade, como a ideologia de gênero que vem sendo imposta em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil. Todos esses males conduzem a pessoa a incorrer na presunção de ganhar o Céu sem nada fazer ou aprender para alcançar tão sublime benefício. E, ainda pior, a cair no desespero da própria salvação eterna.

Trabalho árduo e meticuloso que vem sendo levado a cabo pelos asseclas de Satanás no processo multissecular que se iniciou com a decadência da Idade Média, período histórico mais próximo da Cidade de Deus, a qual os referidos asseclas transformaram na Cidade do Homem, em cujos abismos nós hoje nos encontramos.