Remédio
para lutar e vencer
Pe.
David Francisquini
A liturgia tradicional celebra no mais
alto grau as duas festas que a Santa Igreja comemora nos dias 1° e 2 de
novembro. A primeira nos recorda as almas santas que gozam da visão beatífica
na corte celeste; e a segunda, as almas que ainda padecem por suas faltas. A Igreja
Militante nos convida assim, aqui na Terra, à união com a Igreja Triunfante e a
Igreja Padecente, ou seja, com as almas do Céu e do Purgatório.
Convido o leitor a percorrer um pouco essas
magníficas paragens dos justos – dos santos, de todos os santos. Quanto ao
Purgatório, ficará para outra ocasião. Enquanto na Terra vivemos em meio à miséria
e à desolação, sobretudo nos dias de hoje, na corte celeste poderemos nos
deslumbrar diante das maravilhas calmas e alegres, próprias a um lugar onde
impera a ordem decorrente do bom, do verdadeiro e do belo.
Santo Tomás indaga se
Deus, com o seu infinito poder, poderia criar outros seres mais perfeitos que os
já criados. Ele afirma que sim, mas faz uma distinção ao apresentar as três exceções:
Jesus Cristo, a Virgem Maria e a bem-aventurança eterna, isto é, o gozo do
próprio Deus.
Essa bem-aventurança
é um bem que absorve o ser humano na contemplação beatífica. Sob tal aspecto,
não pode haver algo maior nem melhor que Deus pudesse fazer. Santo Agostinho
afirma que nessas três coisas Deus esgota sua ciência, seu poder, sua riqueza e
sua bondade. Para que se possa ter uma ideia da felicidade que os
bem-aventurados gozam no Céu, basta considerar diferença quase infinita deste
com a Terra.
Por maior que seja a
felicidade neste mundo, ela não passa de uma morte que vai se aproximando aos
poucos. Se quiser, uma vida que vai se extinguindo, ou uma morte que vive por
um espaço de tempo, segundo o conceito do Bispo de Hipona. Somos como
estrangeiros, peregrinos, transeuntes que fazem uma grande caminhada para um
destino infinito, para usar pensamento da Escritura Sagrada.
Ao olhar o que nos
cerca, tudo é vil e repugnante, como um cisco comparado à grandeza infinita de
Deus, que nos absorve e nos cumula de eterna felicidade, pois Ele é o
fundamento e a razão suprema do ser inteligente e volitivo que somos. Peregrinos nesta terra de exílio rumo à
eternidade, uma alternativa nos resta: amar o mundo visível, as coisas
perecíveis, desprezíveis, fugazes, que não passam de nuvens que esvoaçam e
desaparecem no firmamento, ou amar e viver eternamente para o fim último que é
Deus, sentido de nossa existência, porque é eterno, infinito, sólido,
incorruptível, verdadeiro e seguro.
No mundo há somente
suor, trabalho, tristeza, dor, temor e ilusão – “vaidade das vaidades tudo é
vaidade”, advertem-nos as Escrituras Sagradas. O Céu é uma cidade sem
sofrimento, onde não há pressa ou sofrimento algum. Nele há paz, descanso,
alegria sem par, segurança ilimitada, bem-estar, pois na Corte celeste reina a
ordem. É a Casa do Pai. Dentro dela, riquezas indescritíveis, harmonias
encantadoras, bens imperecíveis, união estreita e íntima entre os seus
cortesões.
Ao observar este vale
de lágrimas, o mundo que nos cerca, o que vemos? Pessoas envoltas em amarguras
e pecados, traições e desgostos, numa corrida desenfreada atrás de bens materiais,
de um gozo fugaz que traz, à maneira de efeito rebote, tristezas e remorsos, de
um mundo em que só há confusão e atribulação do espírito.
Como num espelho em
que se podem contemplar ligeiramente um rosto ou as figuras nele refletidas,
assim passam as comodidades, a segurança, o bem-estar da sociedade hodierna, que
se debate para manter-se numa aparente estabilidade, que se contorce enquanto avança
rumo às profundezas do caos.
Por outro lado, podemos
contemplar o mundo de felicidades e esperanças, que nos conduz a desapegar –
isso mesmo – de aborrecimentos, tribulações, prantos, tentações, perigos e mil
outras provações do gênero. A consideração desse mundo nos dá um lenitivo espiritual
que serve de remédio retemperante de nossas forças, a
caminho da cidade dos eleitos, lugar que não conhecerá fim.
Não se trata de uma
prisão como tantas existentes neste vale de lágrimas, onde os malfeitores e
criminosos são punidos, mas da verdadeira pátria dos homens virtuosos, da Jerusalém
celeste, que a nossa inteligência é incapaz de compreender, da cidade que
nenhuma riqueza da terra pode edificar e em que todos encontram felicidade de
conviver; cidade perfeita onde o nosso espírito encontrará a verdadeira felicidade.
Pensar na Corte celeste é remédio para lutar e vencer.