Nobreza da graça e nobreza de sangue
Pe. David Francisquini
No Calvário, bem junto à Cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo, achava-se reunida não apenas a nobreza da graça, mas
também a mais requintada nobreza de sangue. Maria Cleofas e São João, o
discípulo amado, eram primos de Nosso Senhor. Maria Santíssima, pertencente à
estirpe de David, era a mãe do Homem-Deus, o Redentor do mundo, até então
escravizado pelo pecado e jazendo na mais completa pobreza espiritual.
Dentre
os muitos atributos dos demagogos e populistas de nossos dias, talvez um dos
mais salientes seja a pretensa ajuda às classes pobres em nome de princípios
igualitários e revolucionários. A respeito desses demagogos, podemos repetir o
dito segundo o qual “eles amam tanto os pobres, que os multiplicam quando
chegam ao poder”. Na verdade, só se ama o próximo quando se ama a Deus!
Demagogia e amor de Deus se excluem. Afinal, que gesto pode ser comparado ao do
Homem-Deus e de todas as almas nobres que se aglutinavam naquela hora trágica
da redenção do gênero humano?
Não
há nada que engrandeça e eleve mais nesta terra de exílio do que a nobreza
hereditária quando ela ama e teme a Deus. Jesus Cristo nasce de uma virgem da
linhagem de reis e é chamado de filho de David, para ensinar a importância e a
grandeza das elites junto aos desamparados e aos pobres de espírito. Maria
Cleofas era prima de Nossa Senhora, grau muito próximo de parentesco que a
distingue com a mais qualificada nobreza que jamais houve no mundo, não
propriamente pelo fato de descender de David e de reis de Israel, mas por
afinidade com o sangue do Redentor divino.
Cumpre
ressaltar que a nobreza desse parentesco com o Homem-Deus era dobrada segundo o
Pe. Antônio Vieira, pois Jesus Cristo não tendo pai na terra, sua linhagem
provinha de sua Mãe. A nobreza de Maria Cleofas está acima de qualquer nobreza
por parentesco com a Mãe de Jesus e com o Homem-Deus. Se o Evangelho ressalta a
presença dela junto à Cruz, é para distinguir a sua nobreza de sangue e
espiritual.
Quando
um nobre é inteiramente católico e consciente de seus altos e grandiosos
deveres, seus feitos – contrariamente a qualquer demagogo – enobrecem toda uma
nação. O calvário foi por excelência um ato de heroísmo de valor incomparável
para todas as classes sociais. Não entende o papel do nobre, a não ser
contemplando o Homem-Deus, a sua Santa Mãe, Maria Cleofas, e São João
Evangelista aos pés da Cruz.
Se
houvesse reino em Israel, Maria teria sido a sua rainha e Jesus Cristo o seu
rei. Nessa cena todos contemplam um rei e uma rainha conquistando a Terra para
Deus. A redenção possibilitou aos homens trilhar as vias do bem, atingir um
apogeu de civilização que foi a Idade Média, sobre a qual Leão XIII proclamou
que naquele tempo a filosofia do Evangelho governava os povos. O requinte, as
boas maneiras, a elevação, a distinção, o respeito, a dedicação, o zelo, o
heroísmo foram os resultados dessa epopeia do Homem-Deus. Da cruz germina o
espírito de cruzado e a militância. Desabrocham e desenvolvem a epopeia, o
heroísmo e o desvelo dos cruzados na
defesa da Terra Santa.
São
João fala de Maria Cleofas como prima de Nossa Senhora, mas não menciona o
parentesco dela com Nosso Senhor, para nos dar a entender quanto o Homem-Deus
preza a graça, seja nobre ou plebeu, pois ela nos torna participantes da vida
divina.
Também
aos pés da Cruz se encontrava Maria Madalena, a penitente. Ela se elevou da
escravidão do pecado, da pobreza de alma, à vida divina pela penitência, pois
sendo Nosso Senhor a luz verdadeira, ilumina todos os homens que vêm a este
mundo. "Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não o conheceu.
Veio para o que era seu e os seus não o receberam. Deu-lhes o poder de se
tornarem filhos de Deus a todos os que O receberam, esses que creem em seu nome
e não nasceram do sangue, nem do desejo da carne, nem da vontade do homem, mas
nasceram de Deus."
Deus,
eterno e de natureza puramente espiritual, criou todos os seres e coisas para a
sua glória e reverência. Na sua infinita sabedoria e ciência, criou primeiro os
anjos e o reino material, e depois o homem com alma e corpo. Os anjos são puros
espíritos dotados de inteligência e vontade, elevados à glória e à contemplação
divina pela graça. Contrariamente aos homens, eles são incapazes de hesitar.
Por isso a punição dos que se revoltaram foi irreversível. Os homens, contudo, não tiveram pela infinita
bondade de Deus a mesma sorte, tendo o Criador lhes enviado seu Filho para
restaurar a honra divina ultrajada pelo pecado de nossos primeiros pais e
abrir-lhes as portas do céu, dando a todos os meios de salvação.
Ao
morrer na Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo tornou-se instrumento de salvação.
Sendo Deus, quis nascer somente de uma virgem por obra do Espírito Santo. Como
veio por meio d’Ela, quis tê-La bem perto de Si junto à Cruz, para partilhar
com Ele a sua Paixão e Morte, e torná-La, assim, nossa Mãe a partir do momento
em que A recomendou a São João Evangelista. A Nossa Senhora é atribuído o
privilégio de corredentora do gênero humano.
É
por isso que o melhor caminho para se chegar a Jesus Cristo é através da
devoção a Maria, cuja intercessão nos alcança todas as graças de Deus.
Confiantes, fixemos os nossos olhos no Coração Imaculado de Maria, pois é nele
que se encontram a esperança e a certeza do triunfo do bem neste mundo tão
conturbado pela pobreza de espírito.