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quarta-feira, 18 de março de 2020


Malefícios da ignorância religiosa


Pupitre na sede do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, decorada pelo próprio Prof. Plinio. O leão à esquerda está lutando contra uma serpente bicéfala simbolizando o orgulho e a sensualidade, as duas molas propulsoras da Revolução. E o da direita está enfrentando uma serpente com três cabeças, em recordação das três Revoluções. Ao centro, a frase “Residuum revertetur” (O resto voltará). O ano de 1571 evoca a vitória da Cristandade em Lepanto

Pe. David Francisquini


Enquanto processo multissecular de destruição paulatina da civilização cristã nascida na Idade Média, a Revolução atua em todos os campos da atividade humana para corroer os fundamentos dessa civilização. Quem o afirma é o intelectual católico Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro Revolução e Contra-Revolução: “Claro está que um processo de tanta profundidade, de tal envergadura e tão longa duração não pode desenvolver-se sem abranger todos os domínios da atividade do homem, como por exemplo a cultura, a arte, as leis, os costumes e as instituições”.
Para o mestre da Contra-Revolução “Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução. Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo”.**
A causa mais profunda da baldeação ideológica de fiéis para as hostes contrárias à Igreja reside em larga medida na ignorância religiosa e doutrinária que grassa nos meios católicos. A propósito, recordo-me de que nos idos de 1960 um jornalista muito arguto, mas pouco fiel à nossa santa fé, chegou a afiançar que o Brasil não tardaria a se transformar no maior país ex-católico do mundo.
As Igrejas Católicas, na Europa, são vendidas para restaurantes, cinemas, boates, clubes de recreação, por falta de fieis.
São Pio X ensina que a debilidade das almas, da qual derivam os maiores males, provém sobretudo da ignorância das coisas divinas. As obras da ignorância religiosa são a paganização da sociedade, a germinação de doutrinas contrárias à fé e a adoção de costumes hostis à nossa santa religião. Tal ignorância é o resultado da educação deficiente em matéria de moral e religião, que desde a infância prepara o homem contemporâneo para a aceitação de doutrinas errôneas. Haja vista a maldita ideologia de gênero que tenta relativizar uma das maiores obviedades existentes na natureza, a diferença entre homem e mulher.
Sabemos pelo profeta Isaías que o caminho do ímpio e seus iníquos pensamentos e obras agridem o Senhor. Deus é generoso para perdoar, mas desde que haja arrependimento e contrição, pois tão-só aí a alma encontrará a felicidade, existente apenas dentro da lei divina. Os que se afastam dela e promovem a iniquidade, seus pensamentos e caminhos não são os de Deus, cujas cogitações e vias se elevam muito acima deles. O profeta Isaías diz ainda que assim como a chuva e o orvalho caem do céu para irrigar a terra e fazer germinar a semente, a palavra de Deus produz o efeito de reconduzir o homem ao caminho do bem, fazendo frutificar nele os efeitos da virtude.
Profanação no carnaval
A mídia revolucionária vomita diuturnamente as mais escabrosas blasfêmias contra Deus e Nossa Senhora. O mesmo acontece com as chamadas exposições de “arte”, com filmes e programas de televisão, com escolas de sambas, com obras literárias etc. Com efeito, a presente etapa da Revolução não se limita apenas em implantar o socialismo, mas vai muito além, agindo na alma do homem com a intenção de destruir todos os valores cristãos existentes nele e na família. De onde o ódio e blasfêmia, cujo fim é o culto ao próprio demônio.
Não pensem os teimosos revolucionários que conseguirão implantar o reino satânico desejado pelo príncipe das trevas; não creiam que a implantação de leis iníquas conseguirá vencer as leis e a obra divinas, porque paira sobre a Igreja a promessa de que as portas do inferno não prevalecerão.

domingo, 8 de março de 2020



É POSSÍVEL O SACERDÓCIO FEMININO NA IGREJA?

Responde o Pe. David Francisquini nas páginas da revista Catolicismo, em sua edição deste mês.

Diferentemente da Igreja Católica,
comunidades protestantes já têm pastoras,
 como é o caso de Barbara Harris,
 “ordenada” bispo da igreja
 episcopal nos Estados Unidos em 1989.


Pergunta — Em nosso grupo de oração foi exibido um vídeo de apresentação do livro Olhar para Maria e ver a Igreja, do jesuíta português Pe. Vasco Pinto Magalhães. O autor defende a existência de um sacerdócio feminino que não é mera cópia do sacerdócio masculino. Para ativá-lo, seria necessário procurar aquilo que a mulher pode fazer na Igreja e ainda não faz, segundo a dimensão feminina de Deus, uma vez que Deus é pai e mãe. Confesso que fiquei confusa, e gostaria de saber se há algo de verdadeiro nisso; e, em todo caso, qual é o papel da mulher na Igreja. Obrigada.
Resposta — A pergunta de nossa missivista é muito oportuna, porque a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia e o mal chamado “caminho sinodal” da Igreja alemã reabriram o debate sobre a possibilidade de existir na Igreja um ministério exercido por mulheres.
O debate começou logo após o Concílio Vaticano II, como um derivado do diálogo ecumênico, e fazendo eco às iniciativas feministas de “emancipação da mulher”. Dizia-se que, de um lado, a mulher participa hoje de modo ativo em todas as esferas da vida social, e também no seio das paróquias (por vezes, até mais do que o elemento masculino); e de outro lado, que nas comunidades protestantes as mulheres de há muito têm acesso à condição de pastoras.
A primeira resposta concisa e abrangente da Santa Sé a essa problemática foi a Inter Insigniores, uma declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial, publicada em 15 de outubro de 1976 e assinada pelo seu Prefeito, o cardeal croata Franjo Seper.
Após reconhecer o papel decisivo de algumas mulheres na vida da Igreja ao longo de sua história — basta pensar em Santa Catarina de Siena, Santa Teresa d’Ávila e tantas fundadoras de congregações religiosas (às quais poderíamos acrescentar a grande Isabel a Católica, na esfera temporal) —, a declaração enumera as gravíssimas razões de fé que impossibilitam o acesso de mulheres às ordens sagradas.
Gostaria de ressaltar desde já algo que a declaração coloca somente no final. Trata-se do fato de que a Igreja, por ter sido fundada diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo, “é uma sociedade diferente das outras sociedades, original pela sua natureza e por suas estruturas”. De onde resulta que, por mais que as sociedades nascidas da sociabilidade natural ou do engenho do homem possam adaptar-se às evoluções do espírito humano, a Igreja não pode mudar, e deve resolver seus problemas de eclesiologia à luz da Revelação e da Tradição que os Apóstolos deixaram, não dos postulados das ciências humanas.
No caso em questão, o ministério pastoral e o governo na Igreja são ligados ao sacramento da Ordem, o qual não foi instituído por homens, mas pelo próprio Jesus Cristo, e é conferido pela imposição das mãos e pela oração dos sucessores dos Apóstolos, que garantem a escolha do candidato da parte de Deus. De onde os ordinandos serem chamados de “clérigos” (do grego “kléros” — tirado por sorte, porção, herança), como consta da eleição de São Matias para substituir Judas no Colégio Apostólico (At 1, 26).
Acontece que “Jesus Cristo não chamou mulher alguma para fazer parte do grupo dos Doze”; e não se pode dizer que Ele agiu assim para Se conformar aos usos da época, como pretendem as feministas, “porque a atitude de Jesus em relação às mulheres contrasta singularmente com aquela que existia no seu meio ambiente”, como afirma o documento da Sagrada Congregação. Ele conversa publicamente com a Samaritana (Jo 4, 27); não leva em consideração o estado de impureza legal da mulher atormentada por um fluxo de sangue (Mt 9, 20-22); permite que uma pecadora se aproxime d’Ele na casa do fariseu Simão (Lc 7, 3 e ss.); perdoa a mulher adúltera (Jo 8, 11); e rejeita o repúdio à mulher, restaurando a indissolubilidade do matrimônio (Mt 19, 3-9). Mais ainda, fez-se acompanhar no seu ministério itinerante não somente dos doze Apóstolos, mas também de um grupo de mulheres. E contrariando a mentalidade judaica e o direito hebraico, que não reconhecia grande valor ao testemunho das mulheres, faz delas as primeiras testemunhas de sua Ressurreição e lhes confia o encargo de levar a primeira mensagem pascal aos Apóstolos.

As chaves do Reino dos Céus confiadas aos Apóstolos
Portanto, como afirma a Congregação, existe “um conjunto de indícios convergentes que acentuam o fato notável de que Jesus não confiou a mulheres o encargo dado aos Doze”. Acima de tudo, é expressivo que nem sua própria Mãe foi investida do ministério apostólico, embora tão intimamente associada ao apostolado de seu Filho e ter desempenhado um papel ímpar em Sua vida e na da primeira comunidade cristã.
Sobre isto escreveu o Papa Inocêncio III no início do século XIII: “Conquanto a Bem-aventurada Virgem Maria superasse em dignidade e excelência todos os Apóstolos, não foi a Ela, contudo, e sim a estes, que o Senhor confiou as chaves do Reino dos Céus” (Carta de 11 de dezembro de 1210 aos Bispos de Palência e Burgos).
A comunidade apostólica se manteve fiel ao exemplo de Nosso Senhor. Embora Nossa Senhora estivesse depois da Ascensão no Cenáculo, ao se tratar de eleger um substituto para o traidor Judas, seu nome nem foi apresentado, mas sim os de dois discípulos aos quais os Evangelhos não fazem menção. Igualmente, ao expandir-se o cristianismo fora dos limites do mundo judaico, penetrando na área helenística (onde eram confiados a sacerdotisas vários cultos idolátricos), nem sequer foi aventada a possibilidade de conferir a Ordenação a mulheres, mesmo que algumas delas colaborassem tão estreitamente com São Paulo, a ponto de serem mencionadas em suas Epístolas e nos Atos dos Apóstolos. Aliás, São Paulo se referiu aos homens e mulheres que o ajudaram com a expressão “meus colaboradores”, mas reservou a designação de “colaboradores de Deus” para si mesmo, para Timóteo e para Apolo, por estarem consagrados diretamente ao ministério apostólico.
O sacerdote deve representar Nosso Senhor Jesus Cristo
O sacerdote representa Cristo,
 que age por meio dele, como
afirma a Sagrada Congregação
 para a Doutrina da Fé: “‘O sacerdote
faz realmente as vezes de Cristo’,
escrevia, já no século III, São Cipriano”.
Quadro acima: O padre Bervoets,
coadjutor da igreja de São Carlos Borromeu
– Ernest Wante (início do séc. XX), Anvers, Bélgica
Eis por que a Igreja nunca admitiu que as mulheres pudessem receber validamente a Ordenação ministerial. “Algumas seitas heréticas dos primeiros séculos, sobretudo as gnósticas, pretenderam fazer exercer o ministério sacerdotal por mulheres: tal inovação foi imediatamente observada e censurada pelos Padres, que a consideraram inaceitável na Igreja”. É o que afirma a declaração do Cardeal Seper, citando Santo Irineu, Firmiliano de Cesareia, Orígenes e Santo Epifânio, a Didascalia Apostolorum e São João Crisóstomo. O principal argumento das condenações de tal novidade é precisamente o da obrigação de fidelidade ao tipo de ministério ordenado por Nosso Senhor e escrupulosamente mantido pelos Apóstolos.
Continua o documento do Vaticano: “A tradição da Igreja nesta matéria, ao longo dos séculos, foi de tal maneira firmeque o Magistério não se sentiu na necessidade de intervir para formular um princípio que não constituía objeto de controvérsias, ou para defender uma lei que não era contestada”.
Soma-se a todo o anterior uma profundíssima razão teológica ligada à própria natureza do sacramento da Ordem. No exercício da sua função, o ministro sagrado não age em seu nome próprio. Ele representa Cristo, o qual age por meio dele, como afirma a S. Congregação para a Doutrina da Fé: “‘O sacerdote faz realmente as vezes de Cristo’, escrevia, já no século III, São Cipriano. Tal valor de representação atinge sua expressão mais alta na celebração da Santa Missa, durante a qual se renova de maneira incruenta o sacrifício de Cristo no Calvário: ‘O sacerdote, que é o único que tem o poder de realizá-lo, age então não somente em virtude da eficácia que Cristo lhe confere, mas in persona Christi, fazendo o papel de Cristo, até ao ponto de ser a sua própria imagem, quando pronuncia as palavras da consagração’”.
Impossibilidade da ordenação sacerdotal de mulheres
Nossa Senhora recebe aComunhão das mãos de
 Nosso Senhor Jesus Cristo– Anônimo (1600). 
Museu do Prado, Madri.
Portanto, o sacerdócio cristão é de natureza sacramental: “O sacerdote é um sinal cuja eficácia sobrenatural lhe advém da Ordenação recebida; mas um sinal que deve ser perceptível, e que os fiéis devem poder reconhecer sem dificuldade”. Ora, como diz Santo Tomás de Aquino, “os sinais sacramentais representam aquilo que eles significam por uma semelhança natural (In IV Sent., dist. 25, q. 2, art. 2, quaestiuncula 1ª ad 4um).
Mas é patente que tal ‘semelhança natural’, que deve existir entre Cristo e o seu ministro, não existiria se a função de Cristo não fosse desempenhada por um homem: caso contrário, dificilmente se veria no mesmo ministro a imagem de Cristo. Com efeito, o próprio Cristo foi e continua a ser um homem” — frisa a declaração Inter Insigniores.
Com efeito, a Encarnação do Verbo se realizou segundo o sexo masculino, fato que não pode ser dissociado da economia da salvação, porque “a Aliança acha-se descrita, já desde o Antigo Testamento e no modo de expressar-se dos Profetas, sob a forma preferida de um mistério nupcial: o povo escolhido torna-se para Deus uma esposa ardentemente amada. […] O Verbo, Filho de Deus, assumiu a carne para inaugurar e selar a nova e eterna Aliança com o seu sangue, que será derramado por muitos para a remissão dos pecados: a sua morte congregará os filhos de Deus que andavam dispersos; do seu lado traspassado nascerá a Igreja, assim como Eva nasceu do lado de Adão. É então que se realiza plena e definitivamente o mistério nupcial anunciado e cantado no Antigo Testamento: Cristo é o Esposo; a Igreja é a sua esposa, que Ele ama por isso mesmo que a remiu com o seu sangue e a tornou resplandecente de glória, santa e sem mancha, e doravante Ele é inseparável dela”.
Isso obriga a admitir que “naquelas ações que exigem o caráter da Ordenação, e em que é representado o próprio Cristo, autor da Aliança, Esposo e Chefe da Igreja exercendo o seu ministério da Salvação — como sucede no mais alto grau no caso da Eucaristia —, seu papel há de ser desempenhado (é este o significado primigênio da palavra ‘persona’) por um homem”.
Confirmando todo o anterior, o Papa João Paulo II declarou solenemente em sua Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 22 de maio de 1994: “Para que não haja mais dúvidas sobre esta questão de grande importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, declaramos, em virtude do nosso ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser mantida definitivamente (nº 4).
Impossibilidade contida na Revelação e confirmada pelo Magistério
Em resposta a declarações de Dom Erwin Kräutler, bispo emérito da Prelazia de Xingu, no sentido de que a impossibilidade da ordenação de mulheres “não é um dogma”, o antigo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard Müller, retrucou:
“É fora de dúvida que a decisão definitiva de João Paulo II é realmente um dogma da Fé da Igreja Católica, e que esse era obviamente o caso já antes que dito Papa, no ano de 1994, definisse essa verdade como estando contida na Revelação. A impossibilidade de uma mulher receber validamente o Sacramento da Ordem Sagrada em cada um dos três graus [diaconato, sacerdócio e episcopado] é uma verdade contida na Revelação e, portanto, é infalivelmente confirmada pelo Magistério da Igreja e apresentada por Ela como devendo ser crida pelos fiéis”.
Em uma declaração posterior, o purpurado reiterou que a exclusão da ordenação de mulheres inclui o diaconato, uma vez que o Papa e os bispos não têm autoridade sobre a substância dos sacramentos. Ora, o Concílio de Trento declarou solenemente que “bispo, sacerdote e diácono são apenas graus do único sacramento da ordem sagrada” (Decreto sobre o Sacramento da Ordem Sagrada: DH 1766; 1773).

Nossa Senhora é o modelo sublime da vocação da mulher na Igreja. Não recebeu qualquer missão oficial nela, mas, devido à sua íntima união de Mãe, é o liame que une a Cabeça ao Corpo Místico, é a Medianeira de todas as graças. Peçamos a Ela que obtenha para todas as religiosas, catequistas, coadjuvantes em qualquer área ou simples mães de família, uma grande participação na sua própria fecundidade espiritual. E proteja a Santa Igreja da atual arremetida herética e gnóstica contra a sua estrutura hierárquica instituída pelo seu Divino Filho.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020


De que nos serve uma fonte sem canal?

*Padre David Francisquini

Analisando os fatos históricos decorrentes da ação nefasta do protestantismo – que arrebatou da Santa Igreja metade da Europa –, pode-se conjecturar que mesmo depois do Concílio de Trento prosseguiu um trabalho sutil, matreiro, silencioso e bem orquestrado por parte daqueles que, não aderindo abertamente à heresia luterana, preferiram permanecer no interior do Corpo Místico de Cristo para continuar a corrompê-lo.
Representação de protestantes derrubando imagem
de Nossa Senhora
Essa obra infausta iniciou-se com Jansênio [1585–1638], pregador da volta da Igreja à penitência e aos tempos primitivos. Ele afirmava que, com a Redenção, Cristo não teria morrido por todos os homens, mas apenas pelos eleitos, capazes de obter a graça eficaz para a consecução de todo bem. Essa escola de pensamento religioso levou muitas almas ao temor e ao desespero.
Antoine Arnauld [1612–1694], prócer da mesma corrente herética, publicou o livro A Comunhão frequente, no qual induzia à penitência pública, à dilação da absolvição para satisfação dos pecados e – como meio salutar de penitência –, ao afastamento das almas da comunhão frequente, chamada por ele de “luxúria espiritual”. Apesar disso, seu livro obteve na época a aprovação de nada menos que 11 bispos...
O jansenismo representou um verdadeiro câncer que arruinou o edifício religioso das almas dos fiéis. Ele chegava ao ponto de deixar os doentes morrerem sem os devidos sacramentos. Sem destruir os altares dos santos e de Maria Santíssima, esses inimigos da fé atacavam sutilmente essa devoção, sob o pretexto de afastar abusos e fórmulas exageradas. Aparentemente submissos à orientação da Igreja, os jansenistas procuravam encontrar meios cada vez mais escusos para explicar a vida interna da Igreja, mas sem mudar os sentimentos que os alinhavam aos seus antepassados protestantes.
Frontispício de umas das primeiras edições
(1976) de "Glórias de Maria Santíssima"
No seu afã de mitigar o fervor religioso nas almas dos fiéis, os jansenistas se valeram de todos os ardis possíveis para afastá-los da devoção a Nosso Senhor e a Nossa Senhora. Chegaram a afirmar que se tratava de devoções imprudentes, indiscretas, que concorriam para desacreditar a Igreja. Inimigos sempre os houve na Igreja, ora agindo às claras, ora – mais frequentemente – se apresentando de maneira camuflada, num trabalho paulatino de demolição das instituições eclesiásticas internas e de dessoramento da vida espiritual dos fiéis.
Em seu livro Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de Oliveira cita Pio XII quando este sustenta: “É um inimigo que se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto”. Se a Revolução é processiva – como podemos ler nas páginas da obra supracitada –, eis o referido processo e seu desenvolvimento no seio da Santa Igreja com o escopo de destruí-La.
Alegando sempre e antes de tudo zelo pelas almas, ei-lo que inicia a ruína individual das pessoas ou de uma instituição como a Igreja. Depois, em nome da fé, procura demolir as devoções multisseculares.  Por fim, começa a se infiltrar em todos os campos da vida humana, para demolir com mais eficácia as estruturas da fé católica, o fervor das principais devoções com foco em Nosso Senhor e Nossa Senhora. Uma vez obtido isso, os bons vão se tornando tíbios, deixando ao inimigo campo aberto para que implante seus mais ímpios desígnios. Assim chegamos ao neopaganismo de nossos dias.
A prova da existência desse processo corrosivo é a onipresença da mentalidade jansenista, a qual se manifesta, por exemplo, sob o manto de muitos sofismas, na protelação cada vez maior da administração dos sacramentos da Confissão, da Comunhão e da Crisma.
Santo Afonso de Ligório
O grande baluarte da luta contra o jansenismo foi Santo Afonso Maria de Ligório. Em suas missões por toda a Itália, ele promovia a devoção a Nossa Senhora e aos santos, pregava os Novíssimos do homem, a visita ao Santíssimo Sacramento, a recitação do Santo Rosário, o exercício da penitência, a frequência aos sacramentos da Confissão e da Comunhão, entre tantos outros bons ensinamentos e práticas. Esse santo escreveu o livro Glórias de Maria Santíssima para combater os erros do jansenismo, além de ter travado um debate apologético contra os seus fautores.
Afinal, para esse grande moralista, a “intercessão de Maria não é apenas útil, mas necessária à nossa salvação. Não de uma necessidade absoluta, mas de necessidade hipotética, pois esta é a ordem providencial estabelecida por Deus. Essa é a vontade de Deus, que tenhamos tudo, mas tudo por Maria. Por isso, procuremos a graça, mas procuremo-la por Maria. Ela é, pois, toda a razão da minha esperança: espero em Deus, fonte da graça, mas de que me serviria a fonte sem o canal que é Maria?"

sábado, 4 de janeiro de 2020


Ouçamos a voz dos Reis Magos


*Padre David Francisquini


O Natal de Jesus Cristo não reflete apenas alegria. Envolto de alegria e júbilo, seu nascimento sugere também tristeza, pois Raquel chora os seus filhos. A noite – que havia sido transformada em luz e paz – se prepara para uma carnificina: a matança dos inocentes, decretada pelo ódio de Herodes ao Menino-Deus. São José e Nossa Senhora se retiram com o Menino para uma terra distante. “Do Egito chamei meu filho”, havia assinalado o profeta Oseias.
A Sagrada Família peregrina pelas sombras da noite, longe dos seus, deixando atrás de si um manto de sangue e de luto causado pelo rei idumeu que, turbado diante do nascimento do Divino Infante, havia ordenado à morte de todas as crianças de Belém e circunvizinhanças. Afinal, quanto maior o poder aqui na terra, maiores são os perigos e temores que parecem ameaçar e cercar o seu detentor.
O Pseudo Crisóstomo – citado por Santo Tomás –, ao falar de Herodes, afirma que assim como os ramos das árvores mais elevados são os mais agitados pelo vento, os homens que ocupam altos postos se abalam diante do menor e mais tênue sinal de ameaça à sua dignidade, ao contrário das pessoas de condição humilde acostumadas a uma vida tranquila e serena.
Isso parece ser uma constante a assaltar à consciência dos grandes desta terra, ciosos e ao mesmo tempo insaciáveis na defesa de suas prerrogativas e posições. Picados pela vanglória, muitas vezes eles sacrificam a própria honra e dignidade, como ocorre não poucas vezes no mundo político, empresarial, e mesmo no judiciário. Todos cometem os mesmos pecados e as mesmas infâmias, indiferentes aos valores morais, à instituições como a família, as boas tradições, aos bons costumes, enfim à própria sociedade. 
Algo assim não se passa no nosso Brasil quando são aprovadas leis atentatórias à moralidade pública e às nossas mais caras instituições e valores? O que acontecerá quando o Rei-Menino, sentado no mais alto dos Céus à direita de Deus Pai, próximo à sua Mãe que O amamentava, vier um dia sobre as nuvens julgar àqueles que hoje promovem o crime e a impiedade nesse pequeno lapso de vida nesta terra de exílio?
Naquela ocasião Herodes, ao ser instigado pela inveja e pela ambição a reinar no lugar do próprio Deus, fez o papel de Satanás. Aquilo que Satanás fez quando se revoltou no Céu, Herodes quis fazer aqui na terra, a fim de perpetuar o seu poder. E isso se passa com intensidade maior ou menor entre os seguidores das máximas de Satanás.
A voz dos Reis Magos ecoou em todos os corações, bons e maus, ao perguntarem sobre o local onde se encontrava o recém-nascido, o Rei dos judeus, pois a grande estrela que os guiava não mentia. Se os maus a ouviram e foram diligentes em maquinarem o mal, será que os bons também ouviram o convite para marchar rumo à Belém, ou mesmo até ao Egito, a fim de acompanhar e resguardar o Deus Encarnado a fugir da sanha de Herodes? Será que tal diligência se encontra sempre do lado daqueles que procuram Nosso Senhor Jesus Cristo não para amá-Lo e segui-Lo, mas para tramar contra Ele?
O móvel orientador desses corações empedernidos é o ódio destruidor e assassino. É bem esse escândalo que se repete em nossos dias com a constante tentativa de introdução do aborto, da eutanásia, da ideologia de gênero, do pseudo-casamento de pessoas do mesmo sexo, da prostituição e demais aberrações. Numa palavra, visam a morte da civilização cristã e a introdução do caos e da desordem contra Jesus Cristo.

domingo, 22 de dezembro de 2019


Eis aqui a escrava do Senhor!”

*Pe. David Francisquini

“Faça-se em mim segundo a tua palavra”... E o Filho de Deus se fez homem. Também poucas palavras bastam para Jesus Cristo descer ao altar como sacramento e vítima, e imolar-se por nós. Enquanto Deus tira do nada todas as coisas, para fazer-se homem quis depender do consentimento da Virgem Maria: – “Como se fará isto se não conheço varão?”
Disse-lhe o Anjo: – “A virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, portanto o santo que há nascer de ti será chamado Filho do Altíssimo”. No consentimento da Santíssima Virgem, o Filho de Deus se encerrou em seu ventre e “habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória como de unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”, (Jo 1, 14).
João descreve a geração eterna do Filho – que quer dizer Verbo –, gerado antes de todas as coisas, proclamando a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo que se torna homem. Com duas naturezas unidas numa só pessoa, que é a pessoa do Verbo, Ele veio a este mundo sem deixar de ser Deus e toma a forma de servo para remir a humanidade pecadora.
No Natal comemoramos o homem-Deus que se tornou criança, singela, encantadora, cintilante de luz divina, pequeno para conduzir os pequenos, e grande, imenso, para atear o fogo do divino amor nos corações dos homens. Não há língua capaz de descrever a sublimidade da noite de Natal, que se tornou noite de luz, noite em que Maria e José contemplaram o Menino-Deus reclinado em um presépio.
Noite em que a Terra se liga ao Céu, a natureza toda se reluz de uma alegria sem par, noite em que os Anjos cantam o mais belo hino ao Deus-Menino que enche de luz os corações dos homens. Quem Vos fez nascer num pobre estábulo, reclinado numa manjedoura? Vós que estais acima dos Céus, acima dos astros e de todo o firmamento? Quem Vos arrancou do seio do Eterno Pai para se reclinar numa gruta fria, sendo o Senhor do universo?
Entre os Serafins e Querubins, entre os esplendores e belezas do Céu, Vós vos reclinais agora em um presépio? Para quê, Senhor? Vós que num só movimento determinais as funções dos astros e de todo firmamento, Vos reclinais, pobre e indefeso, diante de uma Mãe que Vos contempla? Vós que concedeis alimento aos homens e aos animais, necessitais de um pouco de leite para Vos manter sobre a Terra.
Por ora gemeis e chorais, ó pequena criança, mas o vosso pranto é como uma melodia que se ergue da Terra ao Céu; precisando de amparo, sobe às alturas como um incenso de suave odor, como uma oração sublime, pois saída dos lábios divinos. Quem Vos contempla no presépio não deixa de se enternecer diante de tão encantadora e divina presença.
Quem analisa o vosso olhar celeste que penetra no fundo das almas e vê o recôndito dos corações, ajoelha-se em profunda adoração, percebe a solução de todos os problemas! Vós sois o Senhor do universo, Aquele que existe antes de todas as coisas, nada havendo de criado que não fosse feito por Vós, dignai-Vos a nos contemplar nesta noite em que nascestes.
Vosso olhar, pleno de ternura e bondade, possui uma movimentação de tal modo harmoniosa, que o universo não pode explicar sua grandeza e melodia. Aquele que os Céus e a Terra não podem conter está reclinado num presépio pobre e humilde.
Os Natais de outrora, meu Senhor Jesus, eram revestidos de doçura e beleza sem par, mas eis que nos encontramos no Século XXI depois do primeiro Natal, e tudo o que nos rodeia é tristeza e apreensão pelo que se passa com a vossa Esposa santíssima, o vosso Corpo Místico, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
A cristandade foi envolta pelas trevas e erros, desilusões e desamparos por parte daqueles que, em vez de ser o sal que salga, a luz que ilumina e o fermento que fermenta, se transformaram em elemento de autodemolição, de apodrecimento, de desunião. Há, contudo, uma esperança que não morre, há uma certeza que não desmorona, há uma vida que não se desfaz, pois o vosso presépio é um marco de certeza, de esperança, de vida, de virtude que continua sob as cinzas.
O fogo de vosso amor é mais forte que a morte, a vossa vida é mais invencível do que todos os infernos, porque Vós tendes palavras de vida eterna, Vós sois o Rei do universo. Nessa perspectiva, ó Senhor, que ora contemplamos na manjedoura – ali encontramos José e Maria, os pressurosos pastores, e os reis cheios de esplendores e grandezas –, Vós vindes para reinar. Reinai, Senhor Jesus, nos corações dos homens!
São súplicas que Vos dirigimos. O Natal para os homens é o anúncio de uma grande nova, pois Cristo se fez carne por nós. O Anjo disse aos pastores para não temerem, pois anunciava uma boa-nova que seria de grande alegria para todo o povo. Disse ele, nasceu hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor. Eis o sinal: “Encontrareis o menino envolto em panos e deitado numa manjedoura”. Ao mesmo tempo uma multidão da milícia celeste se uniu ao Anjo a louvar a Deus: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc II, 8 e sg.).
Envoltos nesta luz, comemoremos o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.