Postagem em destaque

  Peçamos a coragem de dizer “não” Pe. David Francisquini Pilatos, o governador romano que cometeu o crime mais monstruoso de toda a His...

Postagens mais visitadas

sábado, 24 de dezembro de 2016

Natal e as saudades da inocência

Pe. David Francisquini

Na noite do Santo Natal a alma cristã fica como que envolta numa luz especial, pálido reflexo da Luz incriada que Se tornou homem e passou a habitar entre nós. Aquele que é Todo-Poderoso se faz pequenino, frágil, débil, uma criança que cativa os corações por sua inocência, doçura e afabilidade.
Na sua infinita sabedoria, nosso Redentor quis proceder assim para ter ‘certa’ proporção conosco. Daí a natureza encantadora das noites em que celebramos o seu nascimento. A representação singela da gruta armada dentro de uma igreja ou de um lar atrai a atenção de todos pelo seu ambiente acolhedor, por sua atmosfera deliciosa de ser sentida, própria a um Deus que se fez criança para nos elevar à dignidade de filhos d’Ele.
As melodias natalinas se assemelham a reverberações celestes que pervadem nossas almas com doçura e amenidade angélicas. É o Céu que habita a Terra e nos nobilita, na medida em que nos deixamos enlevar pelos seus encantos. De onde o Natal ser a verdadeira festa do Menino Jesus. Quem, por exemplo, não se encanta ao ouvir a canção Noite Feliz? Quem não se extasia ao ouvir as notas harmoniosas do Gloria in Excelsis Deo, entoada pelos anjos nos campos de Belém, aos pastores ignotos naqueles campos, pastoreando as suas ovelhas?
Nesses momentos, quem não sente saudades de sua infância inocente? Daquela infância evocada por Cassimiro de Abreu em seus versos, com cuja lembrança nós retroagimos no tempo e nos sentimos crianças; que nos faz deixar por alguns momentos de ser nocentes, isto é, nocivos, prejudiciais, daninhos, para tornarmo-nos inocentes.  
O Natal de Jesus Cristo veio trazer o fogo à Terra para incendiar os nossos corações. Assim exclama Santo Afonso de Ligório:  "Vim trazer o fogo à Terra, disse Jesus Cristo, e o trouxe de fato. Antes da vinda do Messias, quem amava Deus sobre a terra? Ele era apenas conhecido em uma pequena região do mundo, isto é, na Judeia; e mesmo lá, quão poucos eram os que O amavam no tempo de Sua vinda!
 Segundo o mesmo bispo e doutor da Igreja, “no resto da terra, uns adoravam o sol, outros, os animais, outros ainda as pedras ou criaturas ainda mais vis. Mas, depois da vinda de Jesus Cristo o nome de Deus se difundiu por toda parte e foi amado por muitos. Desde então os corações se abrasaram nas chamas do divino amor, o Deus foi mais amado em poucos anos do que nos quatro mil anos que decorreram depois da criação”.
Muitos cristãos costumam preparar em suas casas um presépio para representar o Natal de Jesus Cristo. Mas hoje são poucos os que pensam em preparar seus corações, a fim de que o Menino Jesus possa nascer neles e ali repousar. Sejamos nós desse pequeno número e procuremos nos dispor dignamente para arder nesse fogo divino que torna as almas contentes neste mundo e felizes no Céu.
Com a queda do homem depois do pecado, trincou-se o relacionamento habitual entre Adão e Deus. No imponderável das tardes, Deus caminhava no Paraíso com os nossos primeiros pais, num convívio de pai com filhos. Aquele que era as suas delícias, que os visitava com todo desvelo paterno, deixou de fazê-lo. Com efeito, não foi Deus quem rompeu com Adão, mas foi este que, ao comer o fruto proibido, rompeu com Deus, afastando os seus descendentes do Criador.
Deus puniu os homens impondo-lhes a pena de trabalhar a terra para comer mediante o suor de seu rosto. As intempéries, a morte, as doenças, a natureza agreste investiam contra ele, mas uma esperança pairava de que um dia Deus voltaria para resgatar as primícias de sua criação. E de fato aconteceu, quatro mil anos depois.
Na noite do Natal a Misericórdia divina vence a justiça punitiva e resgata o homem contaminado pelo pecado. Volta a conviver com ele e fazer as suas delícias estar com os filhos dos homens. Deus se faz homem, e passa a pertencer à raça humana, nascendo na noite de Natal: "O Verbo se fez carne e habitou entre nós e vimos a Sua glória, glória própria do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade".
Na terra todos eram nocentes e nessa condição não havia quem pudesse reabilitar a amizade entre Deus e os homens. O Filho de Deus se serviu da Imaculada Virgem Maria para nos trazer o Inocente por excelência. Ele veio pagar pelos pecadores.
Daí a importância do Natal, que é a festa de Luz, porque Jesus Cristo é a Luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo. São João Evangelista diz “que estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não O conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não O receberam".
Esse ensinamento não nos faz pensar em Deus em nossos dias tão tenebrosos para a fé e para as almas? Não nos faz lembrar as promessas de Nossa Senhora de Fátima e o triunfo do seu Imaculado Coração?

Que esses pensamentos ocupem nossas cogitações e nossas vias ao longo de 2017. São os meus votos neste Santo Natal a todos os leitores. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Pensa nos novíssimos e não pecarás

Pe. David Francisquini

Em artigo anterior escrevemos sobre a corte celeste, morada das almas santas que fazem parte da Igreja triunfante.  Hoje nos ocuparemos de outro novíssimo do homem, o purgatório, local onde se encontram as almas dos fiéis defuntos que sofrem temporariamente as penas de um fogo purificador e, por isso mesmo, abrasador.
Ali as almas não contemplam a glória de Deus e padecem dores semelhantes às provocadas pelo fogo terreno. Sofrimentos indizíveis – afirmam os tratadistas – que imaginação alguma seria capaz de avaliar. Trata-se de penas dos sentidos, que as almas devem padecer pelos pecados cometidos contra o Criador.
Elas sofrem por não terem feito bom uso dos tesouros inesgotáveis da Igreja em seu favor, como são as indulgências plenárias e parciais. Sabemos da existência do purgatório pelas Sagradas Escrituras, quando exortam o pensamento santo e salutar de orar pelos mortos para que sejam livres dos seus pecados. Nosso Senhor fala de um cárcere de onde não se sai antes de pagar o último centavo.
A tradição católica encarregou-se de criar o costume de repicar os sinos para manifestar o luto pela morte de alguém; de estabelecer, no dia de finados, as Missas dos defuntos; de fazer as orações e as solenidades fúnebres que acompanham o sepultamento; de torná-lo digno e sacral pelas cerimônias das exéquias.
A mesma tradição adverte para a importância e o significado de se socorrer as almas do purgatório com Missas e boas obras. Com efeito, elas são atendidas através de orações, jejuns, esmolas, recepção digna dos santos sacramentos e das indulgências. E quem contribuir para remir uma alma do purgatório pode confiar que terá nele redenção breve, pois Deus é probo e equitativo, rico em misericórdia e perdão.
É certo e até de fé que nós, com os nossos sufrágios, especialmente com as orações recomendadas pela Igreja, bem podemos auxiliar aquelas santas almas. Não sei como se poderá isentar de culpa quem deixa de lhes oferecer qualquer auxílio, ao menos algumas orações", afirma Santo Afonso Maria de Ligório.
Se quisermos o socorro de suas orações, é justo que cuidemos de socorrê-las com as nossas e com as boas obras, exalta o santo. E argumenta que a caridade nos manda socorrer o nosso próximo em suas necessidades, mormente quando podemos fazê-lo sem incômodo. Ora, cai debaixo da palavra ‘próximo’ essas almas que estão no purgatório, porque pertencem à Igreja e à comunhão dos Santos.
Na verdade, trata-se de um dever cristão socorrê-las em suas necessidades, por serem verdadeiras prisioneiras de um fogo mais rigoroso que qualquer outro sofrimento deste mundo. E embora já tenham se salvado, não podem fazer nada por si mesmas, mas nós da Igreja militante podemos fazer por elas. Eis um dever cristão. Em contrapartida, elas são gratas e rezam pelos seus benfeitores que se encontram exilados aqui na terra e necessitando de ajuda sobrenatural.
O envolvimento com as coisas terrenas pode acabar levando à negligência no cumprimento das obrigações dos católicos e a uma perigosa consequência: o apego às criaturas em detrimento do amor de Deus, nosso fim último, verdadeiro e sumo bem, segundo o que determina o primeiro Mandamento da Sua Lei.
Ainda que observantes dos preceitos do Decálogo e dos Mandamentos da Igreja, que determinam, por exemplo, a frequência à Santa Missa aos domingos e dias santos de guarda, à busca regular e sempre que necessário do sagrado tribunal da Confissão – condição sine qua non para a obtenção do perdão dos nossos pecados – é indispensável termos em mente que as faltas cometidas contra os Mandamentos causam graves prejuízos à saúde da alma.
Tais faltas são como nódoas nas almas, com graves danos à integridade da vida sobrenatural traduzidos em diferentes graus, seja pelo afastamento de Deus, seja pelas reincidências nas faltas, seja ainda na proporção das deliberações e das culpabilidades. Disso depende o tempo maior ou menor em que a alma do fiel defunto fica no purgatório.
Importa refletir sobre a situação do indivíduo colhido pela morte para entendermos o real significado do purgatório e o seu sentido no contexto da misericórdia divina. Lembremo-nos de que somos instados por Nosso Senhor a ser perfeitos como o Pai celeste é perfeito. O Seu divino Filho nos conclama a aprender d’Ele que é manso e humilde de coração. Isto requer de todo o verdadeiro católico uma vida pura, desapegada das coisas deste mundo, modesta em todas as suas condutas. 
No entanto, os atrativos da vida não raro nos atrai de modo compulsivo para vias faltosas, na contramão dos propósitos e contrários aos deveres de fiéis seguidores de Cristo. Temos, por conseguinte, como resultado das transgressões o quadro acima descrito, em que o fiel sente a sua alma acabrunhada pelos pecados.
Embora tenham sido eles removidos pela absolvição sacramental da Confissão, ainda resta um débito enorme para com a Justiça divina, ou seja, as penas temporais resultantes das recaídas em faltas leves e graves praticadas ao longo da vida. De acordo com os Doutores da Igreja, o Senhor, Justo Juiz, pune com severidade as menores faltas, pois mesmo estas O desagradam infinitamente e requerem igual reparação.
Como o ouro passa pelo fogo para ser purificado de suas impurezas, assim deverão passar as almas contaminadas pelos traços deixados pelo pecado. Todos os sofrimentos da terra nada são se comparados ao menor sofrimento do purgatório, como afirmam os santos. Dir-se-ia que nesta infeliz hipótese as vestes do pecador exigem reparos, pois não estão à altura do grande banquete nupcial que o Senhor preparou para os convidados.
Como se sentiria uma pessoa em vias de comparecer diante de um grande personagem, sabendo tratar-se de alguém da mais elevada honorabilidade e integridade moral? É de bom tom que, em momentos como este, todos se apresentem da melhor forma possível, trajando-se com o maior rigor e decência. Por que seria diferente ao comparecermos diante de nosso Deus?
Se tivermos consciência de não nos encontrarmos vestidos de maneira conveniente, torna-se imperativo prepararmo-nos por meio de orações, atos reparatórios e penitenciais, que têm o poder de minorar, e, em alguns casos, até de remover as nossas dívidas temporais. Disto nos dão exemplo as biografias de inúmeros santos, heróis e modelos irretocáveis da nossa fé.
Caso contrário, essas penas serão debitadas no fogo purificador do purgatório. Como diz o próprio nome, esse é um “lugar” de purificação onde as almas passam um tempo maior ou menor, em todos os casos com uma duração que não tem proporção com os critérios terrenos, mas sim com os da eternidade.
Esse fogo purificador restitui às almas a vestimenta do amor de Deus, a santidade e o vigor que lhe são afins, cuja realidade só as almas bem-aventuradas vislumbram e almejam com perfeito ardor. Somente depois de refeitos e purificados poderemos contemplar Deus face a face.  
Se refletirmos sobre as fraquezas humanas, entenderemos por que tantas almas, mesmo as mais santas, levam o seu quinhão de padecimentos para o post mortem. Exceção feita da Imaculada Mãe de Deus, Maria Santíssima, e de alguns poucos santos que aprouve à Misericórdia de Deus, em Seus altíssimos desígnios preservar.  

Entretanto, o hábito salutar de confessar-se tão logo se tenha a infelicidade de cair em pecado mortal mantém o fiel em estado de graça, na amizade de Deus, condição indispensável para, além de sufragar as almas dos que já se encontram no purgatório, conquistar para si méritos que aumentam a sua glória no Céu.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Remédio para lutar e vencer

                                                          Pe. David Francisquini
A liturgia tradicional celebra no mais alto grau as duas festas que a Santa Igreja comemora nos dias 1° e 2 de novembro. A primeira nos recorda as almas santas que gozam da visão beatífica na corte celeste; e a segunda, as almas que ainda padecem por suas faltas. A Igreja Militante nos convida assim, aqui na Terra, à união com a Igreja Triunfante e a Igreja Padecente, ou seja, com as almas do Céu e do Purgatório.
Convido o leitor a percorrer um pouco essas magníficas paragens dos justos – dos santos, de todos os santos. Quanto ao Purgatório, ficará para outra ocasião. Enquanto na Terra vivemos em meio à miséria e à desolação, sobretudo nos dias de hoje, na corte celeste poderemos nos deslumbrar diante das maravilhas calmas e alegres, próprias a um lugar onde impera a ordem decorrente do bom, do verdadeiro e do belo.


Santo Tomás indaga se Deus, com o seu infinito poder, poderia criar outros seres mais perfeitos que os já criados. Ele afirma que sim, mas faz uma distinção ao apresentar as três exceções: Jesus Cristo, a Virgem Maria e a bem-aventurança eterna, isto é, o gozo do próprio Deus.


Essa bem-aventurança é um bem que absorve o ser humano na contemplação beatífica. Sob tal aspecto, não pode haver algo maior nem melhor que Deus pudesse fazer. Santo Agostinho afirma que nessas três coisas Deus esgota sua ciência, seu poder, sua riqueza e sua bondade. Para que se possa ter uma ideia da felicidade que os bem-aventurados gozam no Céu, basta considerar diferença quase infinita deste com a Terra.

Por maior que seja a felicidade neste mundo, ela não passa de uma morte que vai se aproximando aos poucos. Se quiser, uma vida que vai se extinguindo, ou uma morte que vive por um espaço de tempo, segundo o conceito do Bispo de Hipona. Somos como estrangeiros, peregrinos, transeuntes que fazem uma grande caminhada para um destino infinito, para usar pensamento da Escritura Sagrada.

Ao olhar o que nos cerca, tudo é vil e repugnante, como um cisco comparado à grandeza infinita de Deus, que nos absorve e nos cumula de eterna felicidade, pois Ele é o fundamento e a razão suprema do ser inteligente e volitivo que somos.  Peregrinos nesta terra de exílio rumo à eternidade, uma alternativa nos resta: amar o mundo visível, as coisas perecíveis, desprezíveis, fugazes, que não passam de nuvens que esvoaçam e desaparecem no firmamento, ou amar e viver eternamente para o fim último que é Deus, sentido de nossa existência, porque é eterno, infinito, sólido, incorruptível, verdadeiro e seguro.


No mundo há somente suor, trabalho, tristeza, dor, temor e ilusão – “vaidade das vaidades tudo é vaidade”, advertem-nos as Escrituras Sagradas. O Céu é uma cidade sem sofrimento, onde não há pressa ou sofrimento algum. Nele há paz, descanso, alegria sem par, segurança ilimitada, bem-estar, pois na Corte celeste reina a ordem. É a Casa do Pai. Dentro dela, riquezas indescritíveis, harmonias encantadoras, bens imperecíveis, união estreita e íntima entre os seus cortesões.


Ao observar este vale de lágrimas, o mundo que nos cerca, o que vemos? Pessoas envoltas em amarguras e pecados, traições e desgostos, numa corrida desenfreada atrás de bens materiais, de um gozo fugaz que traz, à maneira de efeito rebote, tristezas e remorsos, de um mundo em que só há confusão e atribulação do espírito.


Como num espelho em que se podem contemplar ligeiramente um rosto ou as figuras nele refletidas, assim passam as comodidades, a segurança, o bem-estar da sociedade hodierna, que se debate para manter-se numa aparente estabilidade, que se contorce enquanto avança rumo às profundezas do caos.
Por outro lado, podemos contemplar o mundo de felicidades e esperanças, que nos conduz a desapegar – isso mesmo – de aborrecimentos, tribulações, prantos, tentações, perigos e mil outras provações do gênero. A consideração desse mundo nos dá um lenitivo espiritual que serve de remédio retemperante de nossas forças, a caminho da cidade dos eleitos, lugar que não conhecerá fim.
Não se trata de uma prisão como tantas existentes neste vale de lágrimas, onde os malfeitores e criminosos são punidos, mas da verdadeira pátria dos homens virtuosos, da Jerusalém celeste, que a nossa inteligência é incapaz de compreender, da cidade que nenhuma riqueza da terra pode edificar e em que todos encontram felicidade de conviver; cidade perfeita onde o nosso espírito encontrará a verdadeira felicidade. Pensar na Corte celeste é remédio para lutar e vencer.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Lex orandi lex credendi

Padre David Francisquini

É fato que em muitos lugares a missa tradicional não desfruta de espaço nem de abertura para que seus seguidores possam assisti-la e os sacerdotes celebrá-la. No entanto, já no documento Ecclesia Dei, João Paulo II pedia compreensão, bondade, abertura e acolhimento à porção de fiéis que amam os tesouros da liturgia, que remonta ao tempo dos apóstolos.
Se de um lado surpreende o número crescente de pessoas desejosas de usufruir da liberdade de se abeberarem da liturgia sagrada, na qual se encontram os tesouros do culto católico, de outro lado existem incompreensões e bloqueios por parte daqueles que deveriam utilizar a misericórdia e não fechar as portas de tão esplendoroso e eficaz sacrifício, expressão tão significativa de nossa fé, de nosso amor e devoção que luziu ao longo dois mil anos.
O ódio do heresiarca Lutero se manifestava contra a liturgia da Missa, que ele qualificava de medieval, e também contra o papado. A Missa é o centro litúrgico da vida cristã, e o papado é o receptáculo da autoridade do próprio Jesus Cristo. Lutero não foi reformador nem fez bem algum; quis demolir, com ódio satânico, o edifício sagrado instituído por Nosso Senhor.
S. Pio V retratado em uma das páginas iniciais de um missal
Há um princípio a ser respeitado e conservado, estabelecido em 1570 por São Pio V no decreto Quo Primum Tempore, que cita textos confrontados com os da Biblioteca Vaticana e com escritos de autores consagrados. Trata-se do princípio lex orandi lex credendi  –– a Igreja expressa em sua oração a sua profissão de fé.
Por sua vez, na carta apostólica Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, Bento XVI recorda que “cada igreja particular deve concordar com a igreja universal não só quanto à fé e aos sinais sacramentais, mas também quanto aos usos recebidos universalmente da ininterrupta tradição apostólica, os quais devem ser observados tanto para evitar os erros quanto para transmitir a integridade da fé, de sorte que a lei da oração da Igreja corresponda à lei da fé”.
Atendendo ao desejo de muitos fiéis e sacerdotes que queiram usar o Missal anterior ao Concílio Vaticano II, Bento XVI lembra o cuidado que tiveram os romanos pontífices, em particular de São Gregório Magno e São Pio V. E estabelece que esse Missal, enaltecedor da riqueza e da beleza litúrgica, um tesouro transmitido pela tradição apostólica, deve ser compreendido e acatado com paternal solicitude.
Acrescenta ainda que tal desejo não pode ser impedido de forma alguma, mas acolhido com bondade e compreensão, como estabelece João Paulo II no Motu Proprio Ecclesia Dei, de 1978, exortando os bispos a “que fossem generosos ao conceder a dita faculdade em favor de todos os fiéis que a pedissem”.
A respeito do antigo Missal, Bento XVI recomenda seguir a edição editada por João XXIII (instrução da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei), que reafirma, referindo-se ao antigo Missal, que não há ruptura, exaltando que “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado”.
Ao obedecer a essas regras, o rito latino leva os fiéis à unidade divina, a Deus como Ser supremo, absoluto em três Pessoas, a Quem é prestado um culto com sacrifício propiciatório, que se imola sob as espécies do pão e do vinho na consagração. São Pio V, o grande Papa do Concílio de Trento, afirma a continuidade das formas no rito romano, obedecendo ao conceito tomista da unidade, em atenção à tradição apostólica, preservando a oração e a fé.
São Pio V
Não é factível a fragmentação dos princípios de ordem natural e filosófica para defender a própria verdade com base na tradição. Como Esposa de Cristo e Mestra da verdade, a Igreja é coerente consigo mesma, não podendo ser e deixar de ser ao mesmo tempo, em contradição com o princípio metafísico e ontológico. A Missa dita tridentina vem enriquecer e expandir a beleza com que Deus ornou a Santa Igreja. Sua roupagem, revestida de sacralidade, esplendor e ordem, tem como fundamento a Beleza Suprema.
Ao longo da História, o Espírito Santo guiou a sua Igreja concedendo meios de conduzir as almas a Deus, dando continuidade ao que vinha da própria Criação, segundo o princípio da finalidade suprema do homem de conhecer, amar e servir a Deus. O centro da vida do homem e o pulsar constante de sua alma estão no encantamento e no amor a esse mesmo Deus, que expressa de modo digno, elevado e nobre o fim supremo para o qual a liturgia conduz o homem.
Compreende-se, então, o ódio à liturgia de São Pio V, que nada inovou, mas apenas conservou e consolidou, sem fragmentar nem romper a tradição apostólica do sagrado, dando unidade litúrgica, respeitando os ritos de pelo menos 200 anos de existência. É um verdadeiro tesouro, que deve ser amado com todas as veras de nossas almas.
Sacrifício de Abraão oferecendo seu filho Isaac
Cabe ainda considerar que o Sacrifício da nova lei não rompe com a antiga, mas a complementa e aperfeiçoa. O sacerdote pede a Deus que aceite o seu sacrifício como aceitou o dos justos da antiga Lei: Abel, Abraão e Melquisedec. Ele tem como sacerdote e vítima o próprio Jesus Cristo, que oferece a Deus, Augusta Majestade, os dons e as dádivas, a Hóstia pura, santa e imaculada, o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação perpétua, em perdão dos nossos pecados.
Tais eram as preocupações do Sumo Pontífice em 1570, no tocante à perpetuação da tradição apostólica do sagrado rito, sedimentado na Constituição Apostólica Quo Primum Tempore. Eis um aspecto da nossa fé que, bem considerado, é digno da expansão de nosso maravilhamento, sem radicalismos em relação ao culto tradicional apostólico, profundamente identificado com a Igreja e com seu glorioso passado, não havendo ruptura com o que Ela sempre ensinou na forma de crer e orar.


*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria - Cardoso Moreira-RJ

sábado, 27 de agosto de 2016

Se Jacinta vivesse hoje...

Padre David Francisquini

Se as crises e catástrofes de nossos dias, portadoras de trevas, coincidem com o que a Virgem de Fátima proclamou em 1917 aos três pequenos pastores na Cova da Iria, como Mãe também garantiu aos seus filhos que as trevas seriam dissipadas pela luz através da devoção ao seu Imaculado Coração.
Diante do paradoxo, a alma cristã sente a sua contingência e se volta confiante, na certeza do triunfo, para Aquele que é “o caminho, a verdade e a vida”. Segundo São Luís Grignion de Montfort, a era prenunciada por Fátima será a mais brilhante da história da Igreja.
Para esse período de fé, de certeza, de ordem, de piedade e de paz, a Virgem pediu a consagração do mundo, com especial menção da Rússia, ao seu Imaculado Coração. Caso seu pedido fosse aceito haveria paz; caso não, a Rússia espalharia seus erros pelo mundo promovendo guerras e perseguições à Igreja.
O Santo Padre o Papa, Vigário de Jesus Cristo, deveria consagrar a Rússia ao Seu Imaculado Coração em união com todos os bispos do mundo, no mesmo horário e momento em que a Cabeça da Igreja, representante de Jesus Cristo entre nós, procedesse à solicitada Consagração indicada pela Virgem.
Por que então Deus, através de sua santíssima Mãe, pediu ao Papa que consagrasse a Rússia ao Imaculado Coração de Maria como condição para que esta se convertesse? Por que o próprio Divino Filho não tomou a iniciativa de converter a Rússia sem exigir contrapartida do Papa?
Tudo leva a crer que Nosso Senhor tenha colocado essa condição para que a História registrasse a consagração, e mostrar assim a ação do Imaculado Coração de Maria sobre os grandes acontecimentos terrenos, favorecendo ao mesmo tempo a maior difusão possível da devoção a Ele.
Nestes 100 anos das aparições (1917-2017), os erros da Rússia penetraram em todos os campos da atividade humana, até mesmo dentro da Igreja Católica. Eis a razão das perseguições aos bons e de se promoverem desordens no campo moral como o aborto, a eutanásia, a ideologia de gênero, as uniões homossexuais. Afinal, o que resta da moral contida nas tábuas da Lei?
Lendo recente obra publicada pelo Carmelo de Coimbra – Um Caminho Sob o Olhar de Maria –, encontrei fatos interessantes que elucidam a situação angustiante da atual crise moral e religiosa, sem dúvida consequência do não atendimento dos apelos da Virgem à conversão e à penitência.
A Irmã Lúcia, em carta ao Bispo de Leiria, afirma: “Jacinta se impressionava muito com algumas coisas reveladas no segredo e no seu amor ao santo padre e aos pecadores dizia-me muitas vezes: coitadinho do Santo Padre, tenho muita pena dos pecadores.
E prossegue: “Se ela vivesse agora que estas coisas estão perto de acontecer, quanto mais não se impressionaria. Se o mundo conhecesse o momento da graça que ainda lhe é concedido e fizesse penitência! O tempo passa, as almas não morrem, a eternidade permanece!
Em outro lugar, Lúcia fala que na terra purificada haverá uma só fé, um só batismo, uma santa Igreja Católica Apostólica, como a exclamar o triunfo do Corpo Místico de Cristo através do Imaculado Coração de Maria, quebrando o processo revolucionário, como uma serpente insidiosa e peçonhenta, que vem se arrastando em meio a revoluções e guerras ao longo de mais de 500 anos.
Digna de nota nesse sentido foi a expressão de Paulo VI ao afirmar que de algum modo a fumaça de Satanás invadiu o Templo Santo. Seria desalentadora a situação caso não existisse a garantia de Nosso Senhor Jesus Cristo de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Santa Igreja.
Ademais, teremos sempre no Coração Imaculado de Maria Santíssima o “refugium nostrum” de cada dia para as dores e angústias que solapam a nossa fé e atentam contra as nossas esperanças. E por maiores que nos pareçam as provações, esta devoção nos assegura que o socorro e o anteparo não nos faltarão jamais.
Outro aspecto de suma importância: para os que recorrem a Nossa Senhora com confiança, Ela é “terrível como um exército em ordem de batalha” para os inimigos da Igreja.
Estas reflexões são de molde a nos dar a certeza de que estamos trilhando o caminho certo ao recorrermos aos favores de tão boa Mãe. Em estreita união com o seu Imaculado Coração, avançaremos resolutos ao encontro do seu divino Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, pois onde está Maria, está Jesus Cristo.
Na linguagem aquilatada e cheia de amor de Deus de São João Eudes desprende-se uma maravilha do pensamento: ele nos diz que Jesus está tão intimamente ligado a Maria, que é mais fácil apartar do fogo o calor, do que separar Maria de Jesus.

Aprendamos d’Ela e com Ela, para buscarmos este progresso junto ao seu Imaculado Coração, sobretudo em ocasiões como a sua festa transcorrida no dia 22 de agosto.